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Dragão em voo, águia em pane

Pepe Escobar, Asia Times, in The Vineyard of the Saker

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Quatro cúpulas geoeconômicas comprimidas em uma semana dizem muito do pé em que estamos nesses tempos supremamente diatópicos.

A assinatura (virtual), no Vietnã, do tratado que criou a Regional Comprehensive Economic Partnership, RCEP [Parceria Econômica Regional Abrangente, PERA] (artigo traduzido aqui) foi seguida pela reunião também virtual dos países BRICS em Moscou, pela reunião da Asia-Pacific Economic Cooperation, APEC [Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico, CEAP] na Malásia e, no último fim de semana, o G20 reuniu-se na Arábia Saudita.

Não escapou aos mais cínicos a espetacular cena de teatro do absurdo, na qual as 20 maiores (pelo menos em teoria) economias do mundo discutem o que se pode dizer que é o ponto de inversão do sistema-mundo associado àquela hacienda de petróleo amiga de degoladores no meio do deserto e com mentalidade de século VII.

Declaração de Riad  fez o que pôde para melhorar o sombrio estado de espírito do planeta, jurando usar “todas as ferramentas políticas disponíveis” (sem detalhas quais) para conter o Covid-19 e heroicamente “salvar” a economia global, ao “promover” a prontidão global antipandemia, o desenvolvimento e a distribuição da vacina – ao mesmo tempo em que “promove” o “alívio da dívida” – para o Sul Global.

Nenhum pio sobre The Great Reset – esquema à Admirável Mundo Novo cerebrado por Herr [Klaus Martin] Schwab de Davos integralmente custeado pelo FMI, pelas Big Tech, por interesses do Big Capital transnacional e pelo oh, como é benigno, Príncipe Charles. Enquanto isso, off the record, os xerpas do G20 sussurravam e gemiam sobre a falta de efetiva governança global e incontáveis ataques ao multilateralismo.

Nenhum pio tampouco sobre a guerra das vacinas no mundo real entre as caras candidatas ocidentais – Pfizer, Moderna, AstraZeneca – e as versões Rússia-China muito mais baratas – Sputnik V e Sinovac.

Parece que o caso é que em nenhuma agenda – sinistra ou não sinistra – cabe a promessa tamanho único feita pelo G20, de garantir a todos “oportunidades do século 21, mediante o empoderamento das pessoas, a proteção do planeta e a modelagem de novas fronteiras.”

A Casa de Xi

No G20, o presidente Xi Jinping não deixou passar a oportunidade – depois da PERA, dos BRICS e CEAP – para mais uma vez enfatizar as prioridades da China: multilateralismo, apoio à reforma da OMT, ampla cooperação internacional na pesquisa e produção das vacinas.

Até que, ao lado da redução de tarifas e de facilidades para o comércio e o trânsito de suprimentos médicos cruciais, Xi propôs que se crie um código QR global de saúde – meio confiável que permita restauras as viagens e o comércio global: “Ao mesmo tempo em que cuidamos de conter o vírus, temos de restaurar a operação segura e rápida das cadeias globais industriais e de suprimento.”

Como é fácil adivinhar, houve urros e ranger de dentes contra a intrusão neo-Orwelliana, em que se compararam o código QR (ing. Quick Response code] e o sistema de crédito chinês excepcionalmente mal compreendido. O Great Reset de Herr (Klaus Martin) Schwab Schwab propõe, de fato, coisa semelhante, com sobretons ainda mais neo-Orwellianos, escondida num aplicativo de ar inocente, “Covid Pass”, ou super seguro “passaporte sanitário”.

O que Xi propôs não passa de certificados mútuos de declaração de saúde, emitidos por diferentes nações, baseados em testes de ácido nucleico. Nada de vacinas que alteram genes combinadas com nanochips. Esses códigos QR, incorporados a aplicativos para exames de saúde já são usados para viagens domésticas dentro da China.

Funcionários chineses deixaram bem claro que Pequim trabalhava como representante do Sul Global dentro do G20. É o multilateralismo em ação. E o movimento multilateralista estende-se da PERA-RCEP – assinada entre 15 nações – até a brilhante manobra à Sun Tzu, de a China aceitar agora até o Acordo Amplo e Progressivo para a Parceria Trans-Pacífico, AAPPTP [ing. Comprehensive and Progressive Agreement for Trans-Pacific PartnershipCPTPP], sucessor da Parceria Trans-Pacífico, PTP, que Obama promoveu e Trump detonou.

Essa ressureição – caso de “Faça a PTP Chinesa Again” – pode ser considerada, porque Pequim não só dominou o processo para conter o Covid-19, como, além disso, está-se recuperando à velocidade da luz. A China será a única grande economia em crescimento em 2020 – está de fato liderando o mundo rumo à tentativa de um possível paradigma pós-Covid.

O que a reunião da CEAP deixou perfeitamente claro é que com o Leste da Ásia chegando ostensivamente à ribalta econômica, como se viu pela assinatura da PERA, a sempre tão citada “liderança” dos EUA diminui inevitavelmente.

A CEAP promoveu uma chamada Putrajaya Vision 2040, que condensa um Ásia-Pacífico “aberto, dinâmico, resiliente e pacífico” até 2040. Assim a região é claramente ligada aos três planos quinquenais chineses, até 2035, aprovados mês passado pelo Pleno do Partido Comunista da China em Pequim.

Mais uma vez, a ênfase é no multilateralismo e numa economia global aberta.

Poucos são mais capazes de capturar o momento que o professor Wang Yiwei no Instituto de Assuntos Internacionais na Universidade Renmin, que escreveu o melhor livro chinês sobre a Iniciativa Cinturão e Estrada, ICE. Wang destaca o modo como a China atravessa período de “oportunidade estratégica” e é hoje “o mais poderoso líder da globalização”. A ênfase que a China dá ao multilateralismo “ativará a conectividade e a vitalidade de uma plataforma comercial como a PERA”.

Mas estranho que a ficção

Compare-se tudo isso acima com Trump, em pleno G20 tuitando sobre a distopia eleitoral e escolhendo jogar golfe, em vez de discutir modos para conter o Covid-19.

E ainda há os tais Elementos

The Elements of the China Challenge [Elementos do Desafio Chinês] é o novo épico delirante de 74 páginas urdido pelo gabinete do secretário Mike (“Nós mentimos, nós traímos, nós roubamos”) Pompeo.

Uivos diplomáticos que comparem ‘os Elementos’ com o conhecido “longo telegrama” de George Kennan que codificou a contenção da URSS na Guerra Fria são nonsense. A reação do Ministério de Relações Exteriores da China  foi mais diretamente ao cerne da coisa: foi costurado por “fósseis sobreviventes da Guerra Fria” e está condenado a acabar na lata de lixo da história”.

O presidente Xi Jinping, nos eventos PERA, BRICS, CEAP e no G20, expôs de modo conciso e com precisão o caso chinês: multilateralismo, cooperação internacional em vários campos, economia global aberta, devida representação dos interesses do Sul Global.

Enquanto esperamos pelos imponderáveis que apareçam até dia 20 de janeiro de 2021, talvez a ficção nos ofereça abordagem mais bem posicionada sobre o que possa nos esperar no percurso.

Entra em cena Billions, 5ª temporada, 2º episódio, diálogo escrito por Andrew Ross Sorkin.

Axe: “Você sabe que os corretores somos chamados de ‘apostadores’. A economia mundial é um grande cassino alimentado pela bolha de uma dívida gigante e derivativos comandados por computador. E só há uma coisa melhor, num cassino, que ser o apostador.”

Wags: “Ser a banca.”

Axe: “Isso. Há uma máquina do sistema aí fora, chupando capital das localidades para injetá-lo nos mercados globais, onde pode ser usado para especulação e manipulação. E se algo sai errado há resgates para fora ou para dentro, apoio federal e ‘facilitação quantitativa’. O governo não persegue você: dá-lhe um ninho fofo p’ra você pousar.”

Wags: “É a sua resposta à conversa ao pé da lareira: você quer virar banco.”

Axe: “Quero virar banco.”

Wags: “P’ra roubá-lo?”

Axe: “P’ra não ter de roubá-lo.”

Esse artigo foi retirado da publicação feita no site Asia Times, do dia 23 de novembro de 2020.

Tradução: Coletivo Vila Mandinga 

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