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Comentários Sobre Conjuntura Internacional, por Marcelo Zero

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Marcelo Zero
Marcelo Zero
É sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do PT no Senado.

Essequibo
i. Dizer que a questão de Essequibo é uma agenda de Maduro ou do chavismo seria a mesma coisa que afirmar que a questão das ilhas Malvinas é uma agenda do peronismo.
ii. Na realidade, ambas são questões nacionais e suprapartidárias, que se arrastam há mais de 100 anos. São questões que perpassam quaisquer diferenças político-ideológicas internas. Nos livros escolares argentinos, as ilhas Malvinas são assinaladas como território argentino. Nos livros escolares da Venezuela, Essequibo é mostrado como um território venezuelano em disputa,
iii. A questão do Essequibo surgiu, em 1830, quando a Inglaterra ocupou aquela região que pertencia antigamente à Coroa espanhola e, já naquele então, à Venezuela, que se tornara independente em 1811.
iv. A Venezuela nunca reconheceu essa ocupação como legítima. Em 1899, o litígio foi submetido a um laudo arbitral. A Venezuela foi representada por juízes norte-americanos.
v. O laudo arbitral deu ganho de causa ao Reino Unido.
vi. Posteriormente, a Venezuela contestou o laudo, alegando, com base nas memórias publicadas de um dos juízes norte-americanos, que houvera um acordo secreto entre os EUA e a Inglaterra para beneficiar esse último país.
vii. Em 1966, um pouco antes da independência da Guiana, então chamada de Guiana Inglesa, foi celebrado o Acordo de Genebra, pelo qual as partes em litígio prometiam alcançar uma solução negociada.
viii. O governo chavista, ao contrário do que se divulga, procurou ter boas relações com a Guiana, mesmo não tendo abandonado, é claro, a reivindicação nacional sobre a “província” de Essequibo.
ix. Os contatos e as negociações foram facilitados pelo fato de que a Guiana, até 2015, tinha um governo de esquerda, o do PPP guianense.
x. Chávez fez investimentos na Guiana e a incluiu na Petrocaribe, vendendo ao governo de Georgetown combustível a preços subsidiados.
xi. Nesse interim, era a direita boliviana que se queixava da Guiana e exigia uma postura mais combativa do governo chavista, que cooperava ativamente com Georgetown.
xii. A questão de Essequibo só voltou a se “aquecer” em 2015, com a descoberta de petróleo no mar da Guiana e com a mudança do governo de Georgetown.
xiii. A Venezuela alegava e alega que o Acordo de Genebra não permite a exploração de recursos da “zona em disputa” sem a aquiescência de ambas as partes.
xiv. Em termos jurídicos, a questão está no âmbito de Corte Internacional de Justiça (Haia), por iniciativa da Guiana, desde 2018. Essa corte já se declarou competente para resolver a disputa e manter ou não o laudo arbitral de 1899.
xv. Entretanto, a Venezuela não reconhece a competência daquela corte para dirimir a questão.
xvi. Mesmo assim, o artigo 56 do Estatuto da CIJ permite uma decisão, sem a participação da Venezuela.
xvii. As decisões da Corte Internacional de Justiça não têm, contudo, poder cogente, como as resoluções do Conselho de Segurança da ONU.
xviii. O plebiscito convocado por Maduro não terá valor ante o direito internacional público, pois não conta com a aquiescência daquela corte e não será realizado com a população da zona em disputa.
xix. É uma iniciativa política para consumo interno, tendo em vista as realizações de eleições em 2024, na Venezuela.
xx. Deve-se salientar que a Venezuela, apesar de ter forças armadas bem mais poderosas que as da Guiana, que possui apenas, na realidade, uma força policial nacional, não reúne condições de fazer intervenções militares ou de qualquer outra ordem contra àquele país.
xxi. A Guiana tem o apoio dos EUA, da Commonwealth, da UE etc.
xxii. O Brasil, no terceiro governo Lula, procura manter boas relações com ambos os vizinhos.
xxiii. A postura brasileira tem sido a de favorecer a solução pacífica da controvérsia, com respeito ao princípio da integridade territorial e a manutenção da paz e da segurança na região.

OPEP+
a. A entrada do Brasil na chamada OPEP+ tem sido criticada e caracterizada como uma “contradição” com as decisivas posturas ambientalistas do nosso país, aprofundadas na COP 28.
b. Não é.
c. Em primeiro lugar, o Brasil entrará na OPEP+ como Estado Associado. Será observador e não participará de decisões destinadas à formação de preços internacionais do barril de petróleo
d. Em segundo, o Brasil já é um grande produtor e exportador de hidrocarbonetos, e tal realidade independe da participação do nosso país na OPEP+.
e. Em terceiro, não é correto demonizar a OPEP, apresentando-a como a grande vilã ambiental do planeta, em razão do cartel de produção de hidrocarbonetos.
f. Na realidade, não foi a OPEP que criou a “carbonização” das economias, a qual começou com o uso do carvão mineral, a partir da Revolução Industrial, na segunda metade do século XVIII.
g. O mundo já era e “carbono dependente” e “petróleo dependente”, bem antes do surgimento da OPEP. Os países árabes e essa organização não tiveram qualquer responsabilidade por essa dependência. Foram os países hoje desenvolvidos os principais responsáveis.
h. Ademais, o “cartel” dos países da OPEP surgiu como reação a um grande cartel privado.
i. Com efeito, até a década de 1960, as chamadas international oil companies (IOCs), as grandes multinacionais, as chamadas Sete Irmãs, dominavam inteiramente 85% das reservas mundiais de petróleo. Outros 14% das jazidas eram dominados por empresas privadas menores e as empresas nacionais de petróleo tinham acesso a apenas 1% das reservas. As estatais que existiam na época, como a YPF (Argentina) a Pemex (México), a Petrobras e a PDVSA, não tinham a menor influência real nesse mercado.
j. As IOCs faziam o que bem entendiam. Ditavam a produção e o preço do petróleo e derivados no mundo, sempre com a perspectiva de curto prazo de obter o maior lucro possível e remunerar acionistas. Fortemente verticalizadas, as Sete Irmãs se encarregavam da pesquisa, da prospecção, da produção, do refino e da distribuição. Conteúdo nacional? Só o suor de trabalhadores locais de baixa qualificação.
k. Tudo isso começou a mudar na década de 1960, com a criação da OPEP (1960) e outras medidas subsequentes.
l. O nacionalismo árabe, de inspiração nasserista, incitou uma onda de nacionalização do petróleo, que se iniciou na Argélia, em 1967, e na Líbia de Kadhafi (o ódio do Ocidente a Kadhafi não era gratuito), em 1969 e 1970. Tal onda nacionalizante se estendeu rapidamente por todo o Oriente Médio, no início da década de 1970.
m. Governos nacionalizaram jazidas e expropriaram ativos das multinacionais para criar as suas próprias companhias de petróleo. Em 1972, Arábia Saudita, Qatar, Kuwait e Iraque, onde estavam as principais reservas mundiais, já tinham iniciado esses processos.
n. Isso mudou inteiramente o mercado do petróleo. Os governos e as sociedades passaram a se apropriar de uma renda muito maior da cadeia do óleo, até mesmo porque descobriram que as IOCs escondiam deles os reais custos de produção, reduzindo artificialmente a remuneração devida aos países.
o. E os Estados, não as Sete Irmãs, começaram a ditar o ritmo da produção e da comercialização do petróleo, não mais com a perspectiva de obter o máximo de dividendos no curto prazo, mas com o objetivo estratégico de maximizar o uso de um recurso natural finito e não renovável.
p. Houve dois “choques do petróleo” (em 1973 e em 1979) e os hidrocarbonetos se tornaram, em média, mais caros do que eram na época das Sete Irmãs, do cartel privado,
q. Controlar a produção do petróleo com visão de longo prazo e manter os preços elevados não é uma má ideia, do ponto de vista ambiental, pois isso tende a diminuir o consumo e a estimular os investimentos em fontes limpas e renováveis de energia, como, de fato, vem acontecendo.
r. O Proálcool do Brasil, por exemplo, surgiu depois do segundo choque do petróleo, num contexto de baixa produção nacional de petróleo.
s. A participação do Brasil na OPEP+, uma organização que reúne países com volumosos fundos soberanos, permitirá ao Brasil maior cooperação e investimentos, inclusive em energias limpas e renováveis.
t. Evidentemente, o ideal, do ponto de vista ambiental, seria parar imediatamente a produção de hidrocarbonetos, mas isso não é realista.
u. O mundo precisará de mais algumas décadas para fazer uma transição energética bem-sucedida. Nesse interim, não adiantará em nada ficar demonizando os países árabes, a OPEP e as decisões do governo brasileiro.

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