Tornou-se corriqueiro, nos últimos anos, abordar a redução das desigualdades socioeconômicas como objetivo prioritário. De alguns nichos mais progressistas entre os liberais até os keynesianos, existe um consenso de que a desigualdade é um desafio a ser enfrentado pela ação governamental.
De uma ponta a outra do espectro ideológico, a discussão, entretanto, geralmente centra-se em políticas de transferência de renda e de tributação dos mais ricos. Presume-se que as desigualdades sejam uma questão meramente financeira, de equalização dos desníveis remunerativos entre as classes sociais, bastando, para reduzir o abismo social, subtrair uma parcela da fortuna dos mais ricos para redistribuí-la aos mais pobres.
O simplismo desse viés consiste em abstrair as relações de distribuição das relações materiais de produção que compõem a organização física das sociedades, entremeada com a respectiva organização simbólico-cultural. Quando se considera esses aspectos, entende-se que as desigualdades não são uma questão principalmente de diferença de rendimentos, mas de assimetria de acesso a utilidades, infraestruturas, oportunidades e reconhecimento social.
Em países de organização material sofisticada e predominância dos estratos sociais médios, onde a carência e a indigência são a exceção e não a regra, talvez as desigualdades possam ser colocadas, essencialmente, no seu aspecto puramente financeiro.
No estágio de subdesenvolvimento em que se encontra o Brasil, país ainda incompleto do ponto de vista da sua construção nacional, a falta ou a precariedade dessas utilidades e infraestruturas, como empregos formais, saneamento básico, habitação regular etc., aflige grande parcela da população e restringe seus horizontes de ação coletiva. Nesse contexto, a organização das instituições e práticas capitalistas privilegia as formas mais infecundas e antissociais de acumulação. A tributação dos mais ricos e a transferência de renda para os mais pobres, embora possam aliviar determinadas urgências, não são capazes de engendrar uma transformação estrutural, pois amenizam os efeitos e não previnem as causas.
Portanto, no caso do Brasil, o debate sobre a superação das desigualdades não pode ser posto sem que se refira à centralidade do desenvolvimento.
O desenvolvimento significa, em essência, a mobilização soberana dos recursos nacionais para assegurar a um povo níveis superiores de existência material. Mais do que oferta de capital e mão de obra, pressupõe o pleno controle nacional sobre as riquezas naturais e o espaço físico onde se assenta a população, de modo que ela, pelo seu trabalho, organizado em indústrias e serviços de caráter endógeno, possa transformar os frutos da natureza em utilidades e infraestruturas comuns, voltadas ao atendimento do bem-estar interno.
Dessa maneira, diversifica-se a estrutura ocupacional com a criação de funções laborais antes inexistentes, geralmente situadas nos níveis intermediários de estratificação socioeconômica, gerando oportunidades de ascensão social para um número maior de pessoas. Também são criadas, nesse processo, novas e superiores demandas, que, por sua vez, alimentam o ciclo virtuoso de complexificação das relações materiais de produção e, portanto, da própria sociedade.
O desenvolvimento, então, favorece efeitos propulsores que o redistributivismo abstrato, por si só, é incapaz de engendrar. Para que a redistribuição seja efetiva e suscite padrões realmente mais solidários e integradores de estratificação social, é preciso que seja acoplada ao âmbito da produção, para que as desigualdades sejam combatidas no bojo das relações de trabalho, de modo que um número cada vez maior de pessoas possa se sustentar pelo seu emprego, não sendo necessários, assim, apêndices assistencialistas.
Daí a importância, por exemplo, de um arranjo tributário que crie incentivos para os investimentos em setores intensivos em mão de obra e promissores do ponto de vista da criação de cadeias de desenvolvimento, e desincentivos para a alocação de capital em atividades de pouco ou nenhum retorno social, como especulação e rentismo. A criação de direitos trabalhistas e previdenciários concomitantemente às políticas de industrialização e pleno emprego também são fundamentais, pois garantem aos assalariados uma parcela relevante das riquezas produzidas. Ao mesmo tempo, vetam aos empresários o caminho de elevar sua margem de lucro pelo aumento da exploração do trabalho. Obrigam-nos, pois, a ampliarem investimentos em formação de capital fixo e humano, em parceria com órgãos públicos de financiamento do desenvolvimento, para compensarem os maiores custos com a força de trabalho. Desse modo, estabelece-se um jogo de soma-positiva, em que a redução das desigualdades acompanha o crescimento do patrimônio nacional.
Em resumo, pode-se dizer que sem desenvolvimento não há redistribuição substancial, e a condição elementar do desenvolvimento é a soberania nacional sobre os recursos pátrios.
Esse artigo foi retirado da publicação feita no site “A Revolução Industrial Brasileira”, no dia 02 de dezembro de 2020.