“E Biden já disse que o Presidente Trump gerou grande déficit, que só nos resta administrar uma montanha de dívidas… ou buscar o equilíbrio orçamentário. E sempre repetiu isso [exatamente o mesmo que diz Guedes, no Brasil (NTs)].
Em essência, o que Biden [e Guedes] está/estão dizendo é que temos de aumentar o desemprego em 20%, baixar os salários em 20%, diminuir a economia em cerca de 10%… para que os bancos não percam dinheiro” (Michael Hudson).
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Michael Hudson: Bem, estou honrado de estar aqui no mesmo programa com Pepe para discutir nossa preocupação mútua. E acho que temos de cercar toda a questão de que a China está prosperando, e o Ocidente chegou ao fim da expansão de 75 anos pela qual passa desde 1945.
Circulou entre nós a ilusão de que a América estaria desindustrializando-se por causa da concorrência da China. A realidade é que não haveria como os EUA reindustrializarem-se e recuperarem seus mercados de exportação no formato como estão organizados hoje, financeirizados e privatizados, se a China não existisse. O ‘cinturão da ferrugem’ continuaria a enferrujar. Você ainda teria a indústria americana incapaz de competir no exterior. E isso simplesmente porque a estrutura de custos nos EUA é muito alta.
Não se faz mais riqueza aqui nos EUA, mediante a industrialização. Nos EUA a riqueza é feita mediante a finança, principalmente mediante ganhos de capital. Preços crescentes para imóveis ou para ações e para títulos. Nos últimos nove meses, desde que o coronavírus chegou aos EUA, o 1% no topo da economia dos EUA cresceu US$ 1 trilhão. Para o 1% o coronavírus trouxe ganho inesperado. O mercado de ações está em alta, o mercado de títulos está em alta, o mercado imobiliário está em alta, enquanto o resto da economia está em baixa. Apesar das tarifas que Trump impôs, as importações chinesas, todo o comércio com a China continua a crescer, simplesmente porque os EUA não estamos produzindo o que consumimos.
Os EUA não fazem seus próprios calçados, por exemplo. Não fazem vários tipos de porcas e parafusos ou fixadores, deixaram de produzir itens industriais. Por quê? Porque, nos casos em que se faça dinheiro com empresa industrial, será sempre só ao comprar e vender a empresa, nunca ao tomar empréstimos para aumentar a produção da empresa.
New York City, onde moro, era cidade industrial, e os edifícios industriais, os edifícios mercantis foram todos gentrificados, convertidos em imóveis de alto preço.
O resultado é que os norte-americanos têm de pagar tanto dinheiro para ter educação, pelo aluguel para morar, por cuidados médicos, que, nem se recebessem gratuitamente o necessário para suprir todas as suas necessidades físicas, alimentação, roupas, todos os bens e serviços, nem assim, poderiam competir com a mão de obra estrangeira. Menos pelo valor da mão de obra estrangeira e, mais, por causa de todos os custos pelos quais os norte-americanos têm de pagar, essencialmente chamados de rent-seeking.
A moradia nos EUA absorve agora cerca de 40% do salário médio do trabalhador. 15% é retido, do salário, para pensões, Previdência Social e Medicare. Outros seguros médicos pesam sobre o salário, e impostos de renda e sobre vendas acrescentam cerca de outros 10% aos descontos. Depois, há os empréstimos estudantis e dívidas bancárias. Portanto, basicamente, o trabalhador americano só tem, para comprar os bens e serviços que produz, cerca de um terço da própria renda. Todo o restante vai para o setor FIRE [Finances, Insurance, Real Estate: Finanças, Seguros, setor Imobiliário] – e outros monopólios.
Essencialmente, nos tornamos o que se chama ‘economia do rentismo’ [ing. rent-seeking economy], deixamos de ser economia produtiva. As pessoas em Washington falam do capitalismo americano versus o socialismo chinês, o que só faz confundir a questão. De que tipo de capitalismo estamos falando?
A América costumava ter capitalismo industrial no século 19. Foi assim que o país enriqueceu originalmente. Mas agora se afastou do capitalismo industrial em direção ao capitalismo financeiro. E isso significa, essencialmente, que a economia mista que tornou a América rica – economia na qual o governo investia na educação, na infraestrutura e nos transportes e fornecia-os a baixos custos, para que os empregadores não tivessem que pagar salários suficientes para que os trabalhadores conseguissem arcar com aqueles altos custos, – tudo aquilo foi transformado ao longo dos últimos cem anos.
E nós nos afastamos de toda a ética do que foi o capitalismo industrial. Antes, a ideia do capitalismo no século XIX de Adam Smith a Ricardo, de John Stuart Mill a Marx era muito clara. Marx afirmou muito claramente que o capitalismo foi revolucionário. O objetivo [do capitalismo industrial] era livrar-se da classe dos proprietários de terras. Livrar-se da classe dos rentistas. Livrar-se, essencialmente da classe dos banqueiros. E só arcar com os custos que não fossem necessários à produção. Afinal, de que modo Inglaterra, América e Alemanha ganharam seus mercados?
Esses países ganharam os respectivos mercados, basicamente, quando o governo assumiu muitos dos custos da economia.
O governo nos EUA fornecia educação de baixo custo. Não fornecia dívida estudantil. Fornecia transporte a preços subsidiados. Fornecia infraestrutura básica a baixo custo.
A infraestrutura governamental era considerada um quarto fator de produção.
E se você ler o que as escolas de administração ensinavam no final do século XIX, como Simon Patten na Wharton School, verá que é muito parecido com o socialismo. Na verdade, é muito parecido com o que a China está fazendo hoje. De fato, nos últimos 30 ou 40 anos, a China está seguindo praticamente a mesma ‘fórmula’ que os EUA seguiram para enriquecer.
Os EUA fizeram o governo financiar a infraestrutura básica –fornecer educação de baixo custo. Investir em ferrovias e aeroportos de alta velocidade, na construção de cidades.
Como se vê, quando o estado arca com a maior parte dos custos, os empregadores não têm de pagar aos trabalhadores salários suficientes para que os trabalhadores paguem dívidas de empréstimos estudantis. Os empregadores não têm de pagar aos trabalhadores o suficiente para que paguem o aluguel altíssimo que hoje se tem de pagar nos Estados Unidos. Os empregadores não têm de pagar trabalhadores o suficiente para que construam um fundo que lhes renda alguma pensão na velhice.
E o mais decisivo: a economia chinesa não tem que pagar para manter uma classe de banqueiros, porque a atividade bancária é definida como o mais importante de todos os serviços públicos.
A China tem mantido a atividade bancária nas mãos do governo, e os bancos chineses não emprestam pelas mesmas razões pelas quais os bancos norte-americanos emprestam.
Nota acrescentada ao final, na versão publicada no blog de Michael Hudson, inserida nesse ponto na versão publicada em Consortium News
(Quando eu disse que a China pode pagar salários mais baixos do que os EUA, quis dizer que a China fornece, como serviços públicos, muitos itens pelos quais os trabalhadores americanos têm de pagar do próprio bolso. O governo chinês oferece assistência médica, educação gratuita, educação subsidiada e, acima de tudo, serviço da dívida muito mais barato.
Nos casos em que os trabalhadores têm de se endividar para viver, eles precisam de salários muito mais altos para se manterem. Quando têm de pagar seu próprio seguro-saúde, têm de ganhar mais. O mesmo se aplica à educação e ao endividamento dos estudantes.
Muito do que os americanos parecem ganhar a mais, na comparação com trabalhadores de outros países – passa direto, das mãos do empregador, para as mãos do setor FIRE. Portanto, os salários ditos “mais baixos” na China são assunto que vai muito além dos “salários muito mais baixos” que a China pagaria, na comparação com salários “muito mais altos” pagos nos EUA.) Fim da nota.
80% dos empréstimos bancários americanos são empréstimos hipotecários garantidos por imóveis, e o efeito de rebaixar as exigências nos padrões para empréstimo e aumentar o mercado imobiliário é fazer subir o custo de vida e o custo da moradia. Os norte-americanos têm de pagar cada vez mais dinheiro para morar, sejam locatários ou compradores. No caso da locação, o aluguel paga os juros hipotecários. E toda essa estrutura de custos foi incorporada à economia.
A China conseguiu praticamente evitar tudo isso, porque o objetivo nacional no setor bancário chinês não é ter lucro e receber juros, não é fazer ganhos de capital e especulação.
A China cria dinheiro para financiar meios reais de produção, para construir fábricas, para construir pesquisa e desenvolvimento, para construir instalações de transporte, para construir infraestrutura.
Os bancos na América não emprestam para esse tipo de coisa: só emprestam contra garantias já existentes, e não emprestarão, se o empréstimo não for apoiado por garantias.
Ora! A China cria dinheiro mediante seus bancos públicos, para criar capital, para criar os meios de produção.
Tem-se aí, entre EUA e China, filosofias diametralmente opostas do que seja desenvolvimento.
Os EUA decidiram não produzir riqueza a partir de investimento real em meios de produção e produzindo bens e serviços, mas produzir riqueza mediante meios financeiros. A China está ganhando riqueza à moda antiga: produz a própria riqueza. E, quer você chame isso de capitalismo industrial ou de capitalismo de estado ou de socialismo de estado ou de marxismo… pouco muda: basicamente a China segue a mesma lógica da economia real. Da economia real, não a lógica dos custos financeiros.
Você tem assim a China operando como economia real, aumentando sua produção, tornando-se a oficina do mundo, como a Inglaterra costumava ser chamada. E tem os EUA tentando atrair recursos estrangeiros, para viver dos recursos estrangeiros, viver tentando gerar dinheiro de investimentos na Bolsa de Valores chinesa ou agora, transferindo bancos de investimento para a China e fazendo empréstimos para a China. Tudo isso é muito diferente do capitalismo industrial real.
Pode-se portanto dizer que os EUA foram além do capitalismo industrial. Chamam isso de sociedade pós-industrial, mas pode-se chamá-la de sociedade neofeudal. Pode-se chamá-la de sociedade neo-rentista, ou de peonage [servidão? (NTs)] da dívida. Só não é capitalismo industrial.
Nesse sentido, não há rivalidade entre China e EUA. São sistemas diferentes que seguem caminho próprio. (Acho melhor deixar que Pepe assuma de lá…)
Pepe Escobar: Obrigado, Michael. Você foi brilhante. Em menos de 15 minutos, você contou a história toda. Bem, meu instinto de jornalista é começar imediatamente a fazer perguntas. E é o que passo a fazer. Acho que basicamente o melhor a fazer é ilustrar, alguns pontos do que Michael acabou de dizer, comparando o sistema americano, que é financeiro essencialmente, com o capitalismo que está em efeito na China.
Deixe-me tentar começar com uma pergunta muito concreta e direta ao ponto.
Michael, ok. Digamos, mais ou menos, se quisermos resumir, que, basicamente, os chineses tentam tributar a classe rentista não produtiva. Então, essa seria a forma chinesa de distribuir riqueza, certo?
Por dentro da literatura econômica chinesa, há um conceito muito interessante, relativamente novo na China (me corrija se eu estiver errado, Michael). Falo do que eles chamam de “investimento estável”. Esse investimento estável, de acordo com os chineses, consistiria de se emitirem títulos especiais como capital extra de fato, a ser investido na construção de infraestrutura em toda a China. E selecionam esses projetos no que eles chamam de áreas fracas e elos fracos. Provavelmente em algumas das províncias do interior, ou provavelmente em algumas partes do Tibete ou Xinjiang, por exemplo. Portanto, essa é uma forma de investir na economia real e em projetos de investimento do governo real.
Então, minha pergunta é: Esse sistema cria uma dívida local extra, proveniente diretamente deste financiamento que vem de Pequim? Essa é boa receita para o desenvolvimento sustentável à maneira chinesa e é receita que eles poderiam expandir para outras partes do Sul Global?
Michael: Bem, este é um grande problema que os chineses estão discutindo agora, nesse exato momento. As localidades, especialmente a China rural (e a China ainda é amplamente rural) cobrem, com impostos arrecadados, apenas cerca da metade do orçamento fiscal. Portanto, a China tem um problema: Como conseguir equilibrar o dinheiro? Bem, não há repartição oficial da receita entre o governo federal e seus bancos estaduais e as localidades.
As localidades não podem simplesmente ir ao governo central e dizer ‘dê-nos mais dinheiro’. O governo insiste que as localidades sejam muito independentes. É mais ou menos o conceito de “que floresçam centenas de flores”. Desse modo, deixaram cada localidade percorrer o longo caminho. Mas, sim, as localidades acumularam grande déficit. O que eles fazem?
Se fossem os EUA, emitiriam títulos, por causa dos quais New York City está prestes a falir.
Mas na China, a maneira mais fácil para as localidades fazerem dinheiro é, infelizmente, fazer algo como Chicago fez: vender direitos fiscais pelos próximos 75 anos, em troca de dinheiro corrente hoje.
Então, um empreendedor imobiliário chega [à administração da cidade] e diz: ‘Nós lhe pagamos os próximos 75 anos de impostos sobre esse terreno, porque queremos construir projetos (um conjunto de edifícios) aqui. Significa que as cidades entregaram as próprias fontes de renda.
Deixe-me mostrar-lhe o problema pelo qual passaram Indiana e Chicago. Chicago também era muito parecida com as cidades do interior da China. E Chicago vendeu parquímetros e calçadas a uma série de investidores de Wall Street, incluindo o Fundo de Investimento de Abu Dhabi, por 75 anos. Significou que durante 75 anos, aquele consórcio de Wall Street controlou os parquímetros.
E puseram parquímetros em toda Chicago, aumentaram o preço do estacionamento, aumentaram o custo de dirigir em Chicago. E se Chicago tivesse um desfile e impedisse o estacionamento, a administração teria de pagar ao fundo de Abu Dhabi e à empresa de Wall Street. O ‘negócio’ tornou-se desastre tão terrível que finalmente Wall Street teve que reverter o acordo e desfazê-lo, porque estava dando má fama à privatização na cidade. A mesma coisa aconteceu em Indiana.
Indiana tinha déficit considerável e decidiu vender suas estradas a uma empresa de investimento de Wall Street para criar uma rodovia com pedágio. Mas o pedágio na rodovia de Indiana era tão alto, que os motoristas começaram a sobrecarregar as estradas secundárias.
São exemplos do problema de quem comprometa antecipadamente receitas fiscais futuras.
Mas o que China e suas localidades estão discutindo é: já demos às incorporadoras comerciais o imposto imobiliário estimado por baixo! Agora, o que fazer?
Dei-lhes minha avaliação. Sou professor de economia na Universidade de Pequim, Escola de Estudos Marxistas e já tive discussões com o Comitê Central. Também tenho um cargo oficial na Universidade de Wuhan. Lá, estamos discutindo como a China pode criar imposto adicional para toda a terra valiosa, cujo valor subiu.
Como pode ser feito, para que as cidades recebam esse imposto? Nossa ideia é que as cidades, ao venderem esses direitos tributários por 75 anos, venderam o que na Grã-Bretanha seria dito “renda de terra” (ou seja, o que é pago à aristocracia da terra).
Além disso e sobretudo, há também a renda de mercado. A China deve criar um imposto sobre renda de mercado, além do imposto sobre o aluguel do terreno, para refletir o valor atual. E aí eles estão pensando… ‘chamaremos de ganho de capital sobre a terra?’ Na realidade, não será ganho de capital; até que se venda o terreno, é o próprio valor do terreno. É a valorização do capital. Estão considerando se devem dizer que se trata apenas do imposto sobre a renda do mercado, além do imposto baixo pago adiantado, ou que se trata de imposto fundiário sobre o ganho de capital sobre a terra.
Tudo isso exige que se mapeie a terra de todo o país. E estão só começando a criar esse mapa fundiário como base para o cálculo do valor da renda.
Encontrei na China algo muito estranho.
Há alguns anos, em Pequim, eles tiveram a primeira Conferência Marxista Internacional da qual fui principal orador. Falei, naquela ocasião, da discussão que Marx construiu sobre a história da teoria da renda nos Volumes II e III de O Capital. São os livros onde Marx discute toda a economia clássica que levou até sua própria visão: Adam Smith, Ricardo, Malthus, John Stuart Mill.
A teoria da mais-valia de Marx foi realmente a primeira história do pensamento econômico jamais escrita, embora só tenha sido publicada depois da morte de Marx.
Bem… Via-se logo algum desconforto com alguns dos marxistas presentes na conferência. Para a segunda conferência, convidaram meu colega David Harvey, para falar sobre o marxismo no Ocidente.
David fez a conferência principal e também a conferência de encerramento do encontro, e disse: É preciso ir além do Volume I de O Capital. O Volume I foi o que Marx escreveu como sua contribuição para a economia clássica, para mostrar que havia exploração no emprego industrial de mão de obra, bem como na busca por renda (rent-seeking)
Na sequência, foi como se Marx dissesse: agora que já escrevi minha introdução, deixem-me falar sobre como o capitalismo funciona. E escreveu os Volumes II e III.
Os Volumes II e III são sobre renda e finanças. David Harvey publicou um livro sobre o Volume III de O Capital. E sua mensagem à Universidade de Pequim e à Segunda Conferência marxista foi: ‘É preciso ler os Volumes II e III’.
O que agora se vê é que há uma discussão sobre o que é o marxismo. Um amigo e colega da Universidade de Pequim (PKU) disse-me que “marxismo” é palavra chinesa; que é a palavra chinesa para “política”. Com isso, tudo se esclareceu para mim. Afinal, entendi!
A Academia de Ciências Sociais da China me pediu que criasse um Curso de História da Teoria da Renda e da Teoria do Valor. Essencialmente, é preciso ter uma teoria de valor e preço, para se ter alguma ideia de como calcular a renda; de como fazer uma análise da renda nacional na qual se veja a renda; renda é o excesso do preço sobre o custo real. Para isso, você precisa de um conceito de custo de produção: disso, precisamente, trata a economia clássica.
A economia pós-clássica nega tudo isso. Toda a ideia da economia clássica é que pode haver ‘renda não auferida’.[1]
Mas proprietários de terra não ganham o que ganham por auferir renda enquanto dormem… como disse John Stuart Mill. Os bancos não ganham o que ganham enquanto esperam sentados e deixando que dívidas acumulem-se e juros acumulem-se e dobrem. Os economistas clássicos separaram a renda real não auferida, de um lado; e, de outro, a economia da produção e do consumo.
Bem, por volta do final do século XIX nos EUA, havia economistas lutando não só contra Marx, mas também contra Henry George, que naquela época, pedia um imposto fundiário em New York. E assim, na Universidade de Columbia, John Bates Clark desenvolveu toda uma teoria de que todos ganham o que podem. Que não existiria renda não auferida.
Essa teoria desde então se teria tornado a base das estatísticas de renda e do pensamento nacional norte-americano. A economia pós-clássica nega tudo isso. Toda a ideia da economia clássica é que nem toda a renda é “auferida”.
Se você olhar para os números atuais do PIB dos EUA, lá se vê 8% do PIB como renda dos proprietários de casas. Mas esses proprietários não pagariam aluguel a eles mesmos, se tivessem de alugar sua propriedade. Então você terá juros de cerca de 12% do PIB.
Os EUA são lição objetiva para a China sobre o que evitar. Não apenas industrializar a economia, mas como não criar um quadro da economia como se todos ganhassem tudo e não houvesse exploração e nenhuma renda não auferida, como se ninguém ganhasse dinheiro enquanto dorme, e como se não houvesse 1%. Bem, é isso que está realmente em questão. Por isso o mundo inteiro está-se dividindo, enquanto você e eu discutimos o que escrevemos.
E pensei: ora essa… como é possível que os juros mantenham-se tão estáveis? O que acontece com todas essas taxas atrasadas; aquele 29% que as empresas de cartões de crédito cobram? Chamei o pessoal da renda nacional em Washington, quando estava lá. E me disseram que, bem, os atrasados e as multas são considerados serviços financeiros.
Isso é o que você chama de economia de serviços. Não sei onde estaria o serviço, em cobrar impostos e multas atrasadas. Mas, sim, somam todos os atrasos. Quando as pessoas não podem pagar suas dívidas, e cada dia devem mais e mais… tudo isso é considerado acréscimo no PIB. Quando a moradia fica mais cara dia a dia, e o trabalho nos EUA é precificado fora do mercado, tudo isso se chama “aumento no PIB”.
Não é por aí que um país que deseje desenvolver-se conseguiria criar uma conta de renda nacional.
Assim, há longa discussão sobre isso na China, só para responder a pergunta que você me fez. Como criar uma conta para distinguir entre o que seja custo necessário de produção; e o que seja custo desnecessário de produção. E o que fazer para não fazer o que os EUA fizeram. Repito: sem rivalidade. Os EUA são objeto de estudo para a China, sobre o que evitar, não só no que tenha a ver com industrializar a economia, mas também para não ‘inventar’ uma economia: como se todos ganhassem tudo e não houvesse exploração, nem renda não aferida; e como se ninguém estivesse fazendo dinheiro enquanto dorme; e como se o 1% nem existisse.
Eis o que está realmente em questão e o motivo pelo qual o mundo está rachando, como discutimos no que escrevemos.
Pepe: Obrigado, Michael. Muito obrigado. Então, para resumir, podemos dizer que a estratégia de Pequim é salvar especialmente as áreas provinciais, para que não tenham suas terras arrendadas, a infraestrutura local, por 60 anos ou 75 anos? Como você acabou de explicar, podemos dizer que o fulcro da estratégia nacional dos chineses é o que você define como o imposto de renda de mercado? É esse o mecanismo nº 1 que eles estão desenvolvendo?
Michael: Idealmente, querem manter os aluguéis tão baixos quanto seja possível, porque aluguel é um custo de vida e é também um custo para fazer negócios. E bancos chineses não emprestam para inflar o mercado imobiliário.
Em quase todos os países ocidentais – EUA, Alemanha, Inglaterra – o valor das ações e títulos e o valor dos bens imóveis é exatamente o mesmo. Mas para a China, o valor dos bens imóveis é muito, muito superior ao valor das ações.
E não é porque o Banco Central Chinês, o Banco da China, empreste para bens imóveis; é porque eles emprestam a intermediários, e os intermediários financiaram muitas compras de casas na China. E, esse é realmente o problema, pois se o estado chinês cobrar imposto fundiário, então muitos desses intermediários financeiros vão à falência. Não acho que esse efeito seja mau. Esses intermediários financeiros não deveriam existir.
Aliás, a mesma questão surgiu em 2009 nos Estados Unidos. A situação então era que o principal banco americano era também o banco mais corrupto do país, corrupto internamente, o Citibank, fazendo hipotecas podres, e estava falido.
Todo o patrimônio líquido do Citibank foi dizimado, por efeito de suas hipotecas podres fraudulentas. Bem, Sheila Blair, a chefe da Federal Deposit Insurance Corporation (FDIC) queria fechar o Citibank e encampá-lo. Essencialmente, o teria transformado em banco público, o que seria maravilhoso. Em sua biografia, Blair comenta o processo, diz que o Citibank não podia fazer o que estava fazendo. Mas o presidente Obama e Tim Geithner a ‘atropelaram’ (“Calma, espere um minuto, o Citibank é nosso doador de campanha”). Quer dizer: foram leais aos seus doadores de campanha, não aos eleitores; e o Citibank não foi fechado.
Resultado disso é que o Federal Reserve acabou criando cerca de 7 trilhões de dólares de ‘alívio quantitativo’ para socorrer os bancos. Os proprietários de residências não foram salvos. 10 milhões de famílias norte-americanas perderam o próprio teto, como resultado de hipotecas podres, feitas por valor muito superior ao que valia a propriedade.
Tudo isso virou história, as famílias foram despejadas, e as casas vendidas a uma empresa de capital privado como BlackRock. Resultado, a porcentagem de famílias proprietárias da casa onde viviam nos EUA caiu, de 68% da população, para cerca de 61%.
Agora, depois do pé em que a administração Obama deixou a coisa, estamos agora prestes a ter a administração Biden, que assumirá em janeiro com número estimado de 5 milhões de norte-americanos prestes a se converterem em sem-teto. Vão ser despejados, porque durante a pandemia só encontraram emprego em restaurantes, ginásios ou outras indústrias, das poucas que não foram fechadas por causa da pandemia. Vão ser despejados, e muitos proprietários também proprietários de baixa renda não conseguirão continuar pagando as hipotecas.
Vai haver uma onda de execuções e despejos. A questão é: quem vai arcar com esse custo? Será que 15 milhões de famílias norte-americanas terão perdido a própria casa… só para que os bancos não perdessem dinheiro? População correspondente a 95% do PIB norte-americano viu sua riqueza diminuir. As estatísticas mostram que toda a riqueza acumulou-se nos 5% restantes.
Agora, a questão é: esses 5% que têm toda a riqueza devem perder? Ou os 95% que quase nada têm é que devem perder?
Basicamente, o governo Biden diz que os 95% são condenados a perder. E você vai ver uma onda de despejos.
De tal modo que a questão na China passa a ser se esses bancos intermediários (nem são realmente bancos, são como credores de empréstimos de dia do pagamento) deveriam arcar com a perda, ou as localidades chinesas e as pessoas é que deveriam arcar com a perda?
Se alguém cobra, alguém tem de perder. Você está cobrando o aluguel do terreno que foi pago aos credores, e os credores têm de perder; ou o cobrador de impostos perde. E esse é o conflito que existe hoje em dia em todas as sociedades do mundo.
No Ocidente, a ideia é que quem recolha impostos têm de perder. E não importa a que o cobrador de impostos renuncie: para os bancos, qualquer renúncia tem de ser gratuita.
Obviamente, a China não quer isso e não querer ver desenvolver-se uma classe financeira na linha da que se desenvolveu nos EUA.
Pepe: Michael, há uma pergunta rápida em tudo isso, que é a posição oficial de Pequim em termos de ajudar as localidades. A posição oficial deles é que não haverá resgate de dívida local. Como os chineses planejam fazer isso?
Michael: O que eles estão discutindo é ‘como conseguirão não fazer isso.’ Mais ou menos acham que se deva deixar cada localidade seguir o próprio caminho. E eles pensam… Fato é que eles sabem quais localidades vão sair-se bem e quais não vão. Nunca quiseram planejamento central ‘tamanho único’ – um plano em que tudo se encaixasse. Queriam ter flexibilidade. Bem, agora eles têm flexibilidade. E quando você tem vários ‘planos’ de “deixe florescer uma centena de flores”, claro que nem todas as flores florescerão ao mesmo ritmo.
A questão dos chineses é: como as cidades conseguirão operar, dado que não serão resgatadas?
Certamente, a China nunca deixou que os mercados orientassem a economia: o governo orienta os mercados. Isso é socialismo, oposto ao capitalismo financeiro. Assim sendo, você pode deixar as localidades falirem, e a falência não destruirá nenhum dos bens físicos das localidades, que serão preservados. A questão é: como organizar o fluxo de renda para todas essas estradas, edifícios e terrenos que já estão lá? Como você cria um sistema?
Essencialmente, eles estão dizendo: ‘OK, se somos engenheiros industriais, como planejamos essas coisas? Esqueça o crédito, esqueça as reivindicações de propriedade, esqueça as reivindicações dos rentistas. Como vamos simplesmente projetar uma economia que funcione da maneira mais eficiente? E é nisso que eles estão trabalhando agora, para resolver esse problema, porque essa situação já se tornou bastante crítica.
Pepe: Sim, especialmente no campo. Acho que uma metáfora muito boa, em termos de se compararem os dois sistemas são os investimentos em infraestrutura. Você viaja muito para a China, certamente já viu. Viaja-se por trem de alta velocidade. Você verá aqueles aeroportos fantásticos, em Pudong, ou o novo aeroporto de Pequim. E então você toma o [trem] Acela para ir de Washington para New York, coisa que eu costumava fazer anos atrás. A comparação é chocante, não é?
Ou se você for à França, por exemplo, quando a França iniciou o desenvolvimento do TGV, que em termos de rede nacional de infraestrutura, é das melhores redes do planeta. E os franceses começaram a fazer isso há 30 anos, mais de 30! Não que seja a saída, mas se analisarmos as minúcias, é óbvio que, mantendo o sistema norte-americano de utilização das finanças, nunca poderíamos ter, nos EUA, coisa que fosse remotamente semelhante, em termos de construção de infraestrutura.
Pergunto: você vê algum mecanismo realista que ‘encurte’ o caminho, em termos de melhorar a infraestrutura dos EUA, especialmente nas grandes cidades?
Michael: Não. Não há. E não há, por duas razões. No. 1, examinemos as antigas ferrovias de longo prazo: passam pelo centro da cidade ou mesmo que passem pelo campo. Aquelas ferrovias atraíram negócios e todos os negócios foram localizados o mais próximo possível dos trilhos das ferrovias. Fábricas com vista para a ferrovia, hotéis, especialmente cruzando as cidades pelo meio, onde estão entroncamentos e cruzamentos da ferrovia subindo e descendo.
Mas para fazer uma ferrovia de alta velocidade como na China, você precisa de uma estrada dedicada, sem caminhões e carros. Imagine um carro passando por um cruzamento de trens que viajam a 350 milhas por hora.
Então, se quero ir de Pequim para Tianjin, ali está o trem de alta velocidade, com uma rodovia de um lado, outra rodovia do outro lado. Havia passagens subterrâneas. Agora, já é tudo direto. Como seria possível viajar em linha reta pelo trem Acela, de Washington até Boston, quando ao longo de toda a linha só há terras e propriedades particulares? Não há como conseguir uma estrada dedicada, sem derrubar todos aqueles imóveis que estão de um lado e outro; e o custo de comprar dos atuais proprietários seria proibitivo. E para qualquer outra área que você fosse, que não fosse no centro da cidade, também encontraria o problema de que já existe propriedade privada lá. Nos EUA não há via legal e constitucional para fazer investimento físico tão enorme [quanto necessário e urgente (NTs)].
A China foi capaz de fazer este investimento, porque ainda era em grande parte rural. Não havia construções ao longo das ferrovias.
E… O que fazer, se você quiser ir a New York e Long Island, vindo de New Jersey?
Há 60 anos, quando entrei em Wall Street, o custo de conseguir e transportar mercadorias da Califórnia para Newark, New Jersey, era tão alto quanto de Newark, do outro lado do rio Hudson para New York, não só por causa da máfia e do controle dos sindicatos de trabalhadores locais, mas por causa dos túneis. Hoje, os túneis de New Jersey para New York estão quebrados, com vazamentos, os metrôs da cidade de New York, sempre com avarias, porque houve um furacão há alguns anos e as conexões são da década de 1940. Os interruptores têm 80 anos de idade. Estão danificados pela água e os trens têm de andar a baixas velocidades.
Mas a cidade nada pode fazer, porque está falida, porque não recolhem imposto imobiliário e outros impostos e porque a utilização do metrô caiu abaixo de 20%. Fala-se de cortar 70% dos serviços da cidade. Fala-se de reduzir a capacidade dos metrôs para 40%, o que significa que todos viajarão mais apertados – quando ainda há um vírus por aí, e poucos usam máscaras, e não há meios de impor as máscaras nos EUA.
Portanto, não há como reconstruir a infraestrutura porque, por um lado, o sistema bancário há 100 anos subsidia a economia podre, dizendo que seria dever seu e meu, das pessoas comuns, “não gastar mais do que ganham”. Se o governo cria crédito, é inflacionário, como se os bancos criarem crédito não fosse inflacionário. Ora! O efeito monetário é o mesmo, não importa quem invente o dinheiro.
E Biden já disse que o Presidente Trump gerou grande déficit, que só nos resta administrar uma montanha de dívidas… ou buscar o equilíbrio orçamentário. E sempre repetiu isso.
Em essência, o que Biden está dizendo é que temos de aumentar o desemprego em 20%, baixar os salários em 20%, diminuir a economia em cerca de 10%… para que os bancos não percam dinheiro [exatamente o mesmo que diz Guedes, no Brasil (NTs)].
Vamos privatizar, quer dizer, venderemos hospitais, escolas, parques, transporte para financiar… o capital financeiro de grupos de Wall Street.
Claro! Você pode imaginar o que vai acontecer, se os grupos de Wall Street comprarem a infraestrutura. Farão o que já foi feito com Chicago, na ‘privatização’ dos parquímetros. Alegarão que, OK, em vez de 25 centavos por hora, serão 3 dólares por hora. Em vez de 2 dólares pelo metrô, 8 dólares.
Vai-se pôr a economia americana ainda mais fora do mercado, porque dizem que isso seria ‘capitalismo’ e fazer investimento em infraestrutura pública seria ‘socialismo’. Não. Não é socialismo. É o capitalismo industrial. É industrialização, e até aqui, é economia básica.
A ideia do que é e como funciona uma economia capaz de se manter viva é tão distorcida na Academia, que já é hoje a antítese do que Adam Smith, John Stewart Mill e Marx todos esses, examinaram. Para eles, uma economia de mercado livre era uma economia livre de rentistas, livre de renda, sem qualquer objetivo de acumular renda em cofres privados.
Mas, não! Hoje, para os EUA, uma economia de mercado livre é livre para os rentistas, livre para o senhorio, livre para os bancos promoverem a matança.
Basicamente, é a luta de classes de volta aos negócios, com sangue no olho. Assim se bloqueia e impede-se qualquer tipo de recuperação da infraestrutura. Não vejo como poderia acontecer alguma recuperação.
Pepe: Com base no que você acabou de descrever, há um processo de transformar os EUA em gigantesco Brasil. Na verdade, é o que o Ministro da Fazenda brasileiro Paulo Guedes, Pinochetista, como você conhece, tem feito com a economia brasileira nos últimos dois anos, privatizando tudo e vendendo tudo aos grandes interesses brasileiros, e com muitos interesses de Wall Street também envolvidos.
Portanto, esta é uma receita que vai avançando também por todo o hemisfério sul. E é totalmente copiada em todo o Sul Global, até agora, sem saída.
Michael: Sim, e isso é promovido pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional. Quando fui levado ao Brasil para me reunir com o conselho de consultores econômicos do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, disseram-me que… Bem, o problema todo é que Lula foi obrigado a deixar os bancos fazerem o planejamento.
Basicamente os mercados livres e o libertarismo neoliberal estão adotando o planejamento central. Mas no centro desse planejamento estão os bancos.
Os EUA são economia de planejamento muito mais centralizado do que a China. A China está deixando florescer ‘uma centena de flores’; os EUA concentraram o planejamento e a alocação de recursos em Wall Street. E esse planejamento central é muito mais corrosivo do que qualquer planejamento governamental.
A ironia é que a China está enviando seus estudantes para os EUA para estudar economia. E a maioria dos chineses com quem falei me dizem ‘fomos aos EUA para fazer cursos de economia, porque isso nos dá prestígio aqui na China’.
Estou trabalhando agora, com grupos chineses, tentando desenvolver uma “economia da realidade” para ser ensinada na China – muito diferente da economia norte-americana.
Pepe: Exatamente, por causa do que estudam na Universidade de Pequim, Renmin ou Tsinghua. Não é exatamente o que eles estudariam nas grandes universidades americanas. Provavelmente o que eles estudam nos EUA é tudo que não devem fazer na China. Quando voltarem para a China, é o que não farão. Lição objetiva para saber o que evitar.
Michael, gostaria de voltar ao que os BRICS [Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul] discutiam nos anos 2000, quando Lula ainda era presidente do Brasil e muitas de suas ideias impressionaram profundamente, sobretudo o presidente Hu Jintao, à época.
No momento, a China ainda está operando com dólares norte-americanos em 87% das transações internacionais. Portanto, estamos muito longe da meta.
Mas se você tem economia verdadeiramente soberana, como é o caso da China, e que podemos dizer que seja também o caso da Rússia em certa medida; e obviamente, num quadro completamente diferente, também do Irã…
Irã é economia completamente soberana e independente do Ocidente. A única maneira de tentar desenvolver mecanismos diferentes para não cair no espaço mental do rentismo seria contornar o dólar americano.
Michael: Sim, e por muitas razões. Para começar, os EUA podem simplesmente imprimir os dólares e emprestar para outros países e depois lembrá-los de que têm de pagar juros.
Quanto à Rússia, não precisa de dólares americanos. Pode imprimir seus próprios rublos para garantir a mão de obra. Não há necessidade alguma de moeda estrangeira para gastos domésticos. Única razão pela qual você teria de pedir empréstimo em moeda estrangeira é para equilibrar sua taxa de câmbio, ou para financiar um déficit comercial.
Mas a China não tem déficit comercial. E na verdade, se a China trabalhasse para aceitar mais dólares, os americanos adorariam comprar no mercado chinês e gerar lucro lá mesmo. Mas isso faria subir a taxa de câmbio da China e tornaria mais difícil para ela fazer suas exportações, porque a taxa de câmbio subiria, não porque estivesse exportando mais, mas porque estaria deixando o dólar americano entrar e puxá-la para cima.
Felizmente, o Presidente Trump, como se trabalhasse para o Comitê Nacional Chinês, disse que ‘Olhe, não queremos realmente prejudicar a China empurrando sua moeda para cima e queremos mantê-la competitiva. Portanto, vou impedir que as empresas americanas emprestem dinheiro à China, vou isolá-la’. Assim Trump está ajudando a China a proteger a economia chinesa.
Quanto à Rússia, Trump disse ‘Seguinte: a Rússia realmente precisa de alimentos. E há perigo real de que quando os democratas entrarem, haja muitos antirrussos na administração Biden. Eles podem ir à guerra. Podem fazer à Rússia o que tentaram fazer à China nos anos 50. Parem de exportar alimentos e grãos. E somente o Canadá foi capaz de romper o embargo. Portanto, vamos impor sanções à Rússia!’
O que aconteceu na sequência foi que a Rússia muito rapidamente tornou-se o maior exportador de grãos do mundo. Em vez de importar queijo dos países Bálticos, criou sua própria indústria de queijo.
Trump então disse ‘Sei que os russos seguiram a ideia americana de não ter tarifas protecionistas. Mas precisam de tarifas protecionistas e não estão impondo essas tarifas. Nós vamos ajudá-los! Basta não importar deles.’ Os EUA de Trump estão realmente ajudando a Rússia.
Pepe: Sim, Michael. O que lhe parece que Black Rock queira dos chineses? Você sabe que estão fazendo incursões nos níveis mais altos. Claro que você está ciente disso. E também, JP Morgan, Citybank, etc. O que eles realmente querem?
Michael: Todos esses gostariam de poder criar dólares para começar a comprar e fazer empréstimos para empreendimentos imobiliários; deixar as empresas crescerem, deixar o mercado imobiliário crescer e fazer ganhos de capital.
Hoje, as pessoas não enriquecem fazendo renda: enriquecem fazendo ganhos de capital. O retorno total é a renda corrente mais os ganhos de capital.
Quanto aos ganhos de capital ano a ano. Os ganhos de valor da terra, só eles, são maiores do que o crescimento total do PIB ano a ano. Assim sendo, é aí que está o dinheiro, é aí que está a riqueza.
Portanto, eles estão atrás de ganhos de capital especulativos. Gostariam de empurrar dinheiro para o mercado acionário e imobiliário chinês. Ver os preços subirem, e depois inflacionar os preços comprando, e em seguida vendendo pelo preço inflado. Puxar o dinheiro para fora, realizar um ganho de capital e deixar a economia cair. Digo, esse é o plano de negócios [desses sobre os quais você perguntou].
Pepe: Exatamente. Mas Pequim nunca permitirá.
Michael: Bem, aí é que está o problema. Nesse momento, os chineses sabem que Biden está enchendo seu gabinete de figurões e figuronas militarmente agressivos.
A China está realmente tentando evitar os supergastos militares, porque se você é forçado a gastar dinheiro com militares, você fica sem dinheiro para planejar e fazer andar a economia real. Por isso os chineses estão muito preocupados com os militares. Querem encontrar um meio para dissuadir o governo Biden de realmente tentar alguma aventura militar no Mar do Sul da China ou em outro lugar.
Até aqui, dizem que ‘felizmente os EUA são sociedade de muitas camadas’. Os chineses não pensam nos EUA como um só grupo. Já perceberam que há camadas. E querem entender quem representará os interesses chineses.
Ora! BlackRock e Wall Street vão representar os interesses da China.
Acho que uma autoridade chinesa fez importante discurso, semana passada, sobre esse ponto. Disse que ‘vejam bem: nossa melhor chance para conseguir deter o aventureirismo militar dos EUA na China é pôr Wall Street para trabalhar como nosso apoio. Afinal, Wall Street é o principal doador de campanha, e o presidente trabalha para quem doa dinheiro para sua campanha. Eles estão nisto pelo dinheiro!’
Assim sendo – prossegue a argumentação dos chineses, –felizmente temos Wall Street do nosso lado, quer dizer, temos o controle do sistema político; e Wall Street não está lá para ir à guerra.’
Isso ajuda a explicar por que há um mês os chineses deixaram entrar bancos e banqueiros de propriedade total dos EUA. Por um lado, não gostam da ideia de alguém de fora do governo criar crédito, porque a economia não exige nem carece dele. Se a economia exigisse, o Banco da China faria o que tivesse de ser feito.
A razão pela qual os chineses atrairiam bancos estrangeiros tem duas faces: (1) porque assim ajudam a cumprir os princípios da Organização Mundial do Comércio; e (2) porque, especialmente durante os meses iniciais, de formação do governo Biden, é muito útil poder contar com Wall Street a repetir que ‘podemos fazer uma fortuna na China’; para ir devagar com os super ricos; e, principalmente, para contrariar os falcões militares em Washington.
Pepe: Então, você prevê um cenário em que BlackRock comece a causar estragos na bolsa de valores de Xangai, por exemplo?
Michael: BlackRock adoraria fazer isso. Adoraria virar as coisas de cabeça para baixo. O dinheiro é feito por empresas, com o mercado de ações sempre para cima e para baixo, nesse ziguezague. Claro, portanto, que BlackRock quer fazer um ziguezague predatório. A questão é se a China vai impor um imposto que impeça todos os tipos de transações financeiras. É o que os chineses estão discutindo agora. Querem saber exatamente o que BlackRock quer fazer, porque têm conselheiros chineses bilionários, alguns dos quais muito sábios, muito bons. Poderia contar mais, mas melhor ficarmos por aqui.
Pepe: Certo. Talvez possa contar só parte da história então?
Michael: Os bancos americanos têm cultivado lideranças chinesas, garantindo-lhes dinheiro suficiente para fazer dinheiro aqui nos EUA. E calculam que, agora, os mesmos chineses tentarão fazer dinheiro na China, como fazem nos EUA. E os bancos norte-americanos planejam juntar-se a eles, na aventura.
Outra vez é um conflito de sistemas, entre o sistema de capital financeiro e o socialismo industrial.
A imprensa norte-americana não oferece coisa alguma dessa discussão – e esse é um dos motivos pelos quais leio o que você escreve, porque a imprensa nos EUA, os neoconservadores, só falam de uma ideia fake do que seria a história grega, versão fake do problema de Tucídides, de país que inveja o desenvolvimento de outro país.
Não há ciúmes entre EUA e China. Eles são diferentes, têm seu próprio jeito. ‘Vamos destruí-los’ – dizem os norte-americanos. É a analogia que os norte-americanos fazem – e é assim que pensa o Pentágono – com a guerra entre Atenas e Esparta.
É difícil dizer, quem é quem. Aqui você tem Atenas, uma democracia apoiando outras democracias e tendo o apoio militar das democracias e dos militares nestas democracias. Esses todos tiveram de comprar de Atenas a proteção militar. Esse é o dinheiro que Atenas conseguiu para armar ostensivamente sua Marinha e proteção que construiu todos os para proteger edifícios públicos em Atenas e tudo mais.
A democracia ateniense é democracia que explora seus aliados, para se enriquecer via os militares.
Depois, temos Esparta, que estava financiando todas as oligarquias, e estava ajudando as oligarquias a derrubar as democracias. OK, mas… Os EUA também são essa Esparta.
Implica que os EUA são os dois lados da guerra que Tucídides analisou: é a democracia que está explorando as democracias aliadas e também é país que apoia oligarquias – como a oligarquia do Brasil hoje, da América Latina, da África e em tantos outros países.
Portanto, pode-se dizer que o problema de Tucídides existiu entre dois lados, dois aspectos dos EUA. Nada tem a ver com a China, exceto pelo fato de que toda aquela guerra foi guerra entre sistemas econômicos.
Os EUA comportam-se como se, de alguma forma, bastaria que a China não exportasse para os EUA, e os EUA milagrosamente conseguiriam reindustrializar-se e, sabe-se lá como, imediatamente passariam a exportar para a Europa e o Terceiro Mundo.
O caso é que, como você e eu já explicamos, isso tudo acabou.
Os EUA nos metemos numa tal armadilha, que se as dívidas não forem canceladas, estamos na mesma situação em que se meteu a Eurozona. É tanto dinheiro que vai para os credores, para o 1% ou 5%, que não sobra dinheiro para investimento de capital, não há dinheiro para crescimento.
Desde 1980, como sabem, os salários reais na América têm-se mantido estáveis. Todo o crescimento tem sido no lado dos proprietários e predadores e no setor FIRE. Todo o resto da economia está estagnada.
O coronavírus, hoje, agiu como simples catalisador para fazer-ver, muito claramente, que é fim de jogo.
Resta agora se afastar da economia dos proprietários, e andar na direção da economia dos rentistas. É hora de BlackRock ser o latifundiário.
EUA querem recriar a classe dos senhores de terras britânicos, proprietários. E agora estamos assistindo, essencialmente, à invasão normanda da Inglaterra, tomando terra e infraestrutura. É o que BlackRock adoraria fazer na China.
Pepe: Uau. Temo que BlackRock tenha bom espaço de manobra na negociação com alguns membros da liderança de Pequim. Como você sabe muito bem, não há perfeito consenso na arena política.
Michael: Estamos discutindo os Volumes II e III de O Capital.
Pepe: Exatamente. Mas você estava falando de dívidas.
De fato, acabei de verificar essa manhã. Parece que a dívida global, como está hoje, é de 277 trilhões de dólares, coisa de 365% do PIB global. O que isso significa na prática?
Michael: Sim, felizmente é o que já se discutiu no século 19, e então havia uma palavra para esse problema – “capital fictício”. É a dívida impagável, mas que é mantida nos livros, pagável ou impagável. Todos os países têm essa dívida impagável.
Até o Financial Times publicou artigo há alguns dias, em que diz que a reivindicações da China sobre os países do Terceiro Mundo, nos termos da Iniciativa Cinturão e Estrada, seriam “capital fictício”. Como cobrar aqueles empréstimos-monstros?
OK! A China já resolveu isso: a China não cobra dinheiro, cobra matérias-primas. A China quer ser paga em coisas reais.
Mas dívida que só pode ser quitada mediante a execução hipotecária dos devedores ou mediante a anulação da dívida e, obviamente, dívida que não pode ser paga… nunca será paga.
Mas “capital fictício” – não é só ‘dívida que não pode ser paga’: é dívida que não pode ser paga e que será mantida nos livros contábeis, por mais impagável que seja. E todos os países têm isto.
Marx não é o único a usar a expressão “capital fictício”. Na outra ponta do espectro, foi Henry George, também falando de “capital fictício”. Dito de outro modo, são declarações de propriedade que não se apoiam em capital real. Não há capital que gere lucro. Só uma declaração de propriedade – ou uma declaração de renda –, que é dada em pagamento.
A questão então é: é possível fazer dinheiro sem que haja qualquer tipo de produção? Sem salários, sem lucros, sem capital? Pode haver só saque, compra e venda de ativos? E enquanto você tiver o Federal Reserve na América, digamos, o Programa Covid de Trump, de US$ 10 trilhões, dando US$ 2 trilhões à população em geral naqueles cheques de US$ 1.200 – que eu e minha esposa recebemos! –, e US$ 8 trilhões, e só para comprar ações e títulos… Nada sobra para construir infraestrutura. Nada daqueles 8 trilhões de dólares, para construir uma fábrica, que fosse. Nada daqueles 8 trilhões de dólares, para empregar um único trabalhador! Tudo aquilo exclusivamente para garantir os preços das ações e títulos, e para manter a ilusão de que a economia não teria parado de crescer. Está crescendo, ok, para os 5%. Assim é que tudo, portanto, tornou-se fictício. E se você olhar para o PIB, como eu disse, é fictício.
Pepe: E a coisa mais extraordinária é que nada disso é discutido na mídia americana. Não há uma palavra, nem uma, sobre o que você acabou de descrever.
Michael: Nada disso é explicado e exposto tampouco na Academia. Nossos formados na universidade do Missouri, em Kansas City, todos nós somos treinados em Teoria Monetária Moderna. E, como professores contratados, eles têm que ser capazes de publicar nas revistas de referência, e as revistas de referência são todas essencialmente controladas pela Escola de Chicago.
O que se tem é a que ideias como as que comentamos aqui são censuradas. Não podem circular. Você não pode colocá-las nas revistas de Economia, então não podem estar no currículo de Economia. Então, onde, diabos, você vai obtê-las? Se não estivéssemos na Internet, não estaríamos discutindo coisa alguma.
A maioria dos meus livros vendem principalmente na China, mais do que em todos os outros países somados. Assim, posso discutir essas ideias na China. Parei de publicar em periódicos ortodoxos há muitos anos, porque é falar com surdos.
Pepe: Sim, sim, é isso. Posso fazer-lhe uma pergunta sobre a Rússia, Michael?
Há debate furioso na Rússia há muitos anos, entre, digamos, eurasianistas e atlanticistas.[2] Trata-se, é claro, de política econômica sob Putin, do capitalismo industrial ao estilo russo. Os eurasianistas basicamente dizem que o problema central com a Rússia é que o Banco Central russo está afiliado a todos os mecanismos que você conhece tão bem – um cavalo de Tróia atlanticista dentro da economia russa. Como você vê isso?
Michael: A Rússia sofreu lavagem cerebral pelo Ocidente, quando a União Soviética esfacelou-se, em 1991. Primeiro, o FMI anunciou antecipadamente que houve uma grande reunião em Houston com o FMI e o Banco Mundial. E o FMI publicou todo o seu relatório dizendo que, para começar, a inflação russa não é desejável. Então… vamos acabar com toda a poupança russa, a golpes de hiperinflação. E assim foi feito.
Na sequência, disseram que, ok, para curar a hiperinflação, o Banco Central russo precisa de uma moeda estável, e é preciso algo que apoie essa moeda. OK. Vamos apoiá-la em dólares norte-americanos.
E assim, a partir do início dos anos 90s, como você sabe, a mão de obra deixou de ser remunerada. O Banco Central russo poderia ter criado os rublos necessários para pagar a mão de obra doméstica e para manter em operação as fábricas. Mas os conselheiros do FMI, saídos de Harvard, disseram que não; que tinham de pedir emprestado dólares americanos.
Reuni-me com pessoas do Fundo Hermitage e do Fundo Renaissance e outros. E reuni-me também com os investidores. A Rússia estava pagando juros de 100%, há anos, às principais instituições financeiras americanas, por dinheiro do qual não precisava e que poderia ter criado por conta própria.
A Rússia estava tão desmotivada sob o estalinismo, que, essencialmente, pensou que o oposto do estalinismo teria de ser o que havia nos Estados Unidos, fosse o que fosse.
Eles pensavam que os EUA explicariam a eles como o país enriquecera. Mas os EUA não queriam dizer à Rússia como haviam enriquecido: só queriam ganhar dinheiro com a Rússia. Os russos não conseguiram. Confiaram nos americanos. Realmente não compreenderam que o capitalismo industrial que Marx descrevera sofrera uma metamorfose e já se convertera em capitalismo financeiro, completamente diferente.
Isso, porque a Rússia não cobrava juros, não cobrava pela renda.
Falei três vezes, em audiência ao Parlamento Russo, e insisti em que impusessem um imposto fundiário. Dentre as pessoas que lá estavam, lembro de Ed Dodson, que lá estava também, e todos nós tentávamos convencer a Rússia a impedir as privatizações. Nosso ponto era que, se deixassem avançar as privatizações, haveria aluguéis e custos tão altos para moradia da população, que a Rússia que não será capaz, essencialmente, de buscar crescimento industrial.
O político que nos levou até lá, Viatcheslav Zolensky, foi meio que ‘manobrado’ pelos conselheiros norte-americanos, para fora das eleições.
Os americanos investiram bilhões de dólares para, essencialmente, custear o serviço de propagandistas norte-americanos, para destruir a Rússia. Foi serviço, principalmente, do Instituto de Desenvolvimento Internacional de Harvard. Nada além de uma milícia de gângsteres. Em Boston, havia promotores prestes a denunciá-los e processá-los.
O procurador-geral de Boston estava preparando uma grande denúncia contra Harvard, pelo crime de pilhagem e saque contra a Rússia e por ter inflado a corrupção a Rússia. Pediram-me que organizasse depoimentos e trouxesse vários políticos e industriais russos, para explicar como tudo foi feito. Mas Harvard conseguiu acordos extrajudiciais, acertou-se ‘por fora’, o que converte os especialistas mais titulados, naquele caso, em criminosos-chefes naquele golpe. (Sou associado ao Departamento de Antropologia de Harvard, não ao Departamento de Economia).
Em resumo, nossas testemunhas jamais vieram e não houve processo. Mas publiquei nosso relatório sobre o que aconteceu, para a Academia de Ciências da Rússia. Foi um longo estudo de como a destruição da Rússia fora planejada e exposta antecipadamente pelo FMI nas reuniões de Houston.
Os EUA procuraram os principais burocratas e disseram, um a um: podemos fazer de você um homem rico. Basta que você registre as fábricas em seu nome, e se você as tiver registradas em seu nome, você sabe… você será o dono. E então, como dono, você pode converter esse seu patrimônio, em dinheiro vivo. Você pode essencialmente vender. Claro que não pode vender aos russos, porque o FMI acabou de dar cabo de todas as economias e poupanças dos russos.
Se quiser pôr a mão no dinheiro, você terá de vender para o Ocidente.
Assim aconteceu que a Bolsa de Valores da Rússia tornou-se a principal Bolsa de Valores do mundo a partir de 1994, com o Norilsk Nickel e os sete banqueiros que negociaram empréstimos bancários para ações até 1997.
Eu trabalhei para uma empresa, Scutter Stevens, e a conselheira chefe da empresa, minha ex-aluna, não quis investir na Rússia porque, disse ela, ‘isso é roubo, não passa de roubo, tudo isso vai ruir’. Foi demitida por não investir. Os donos da empresa disseram a ela: ‘sim, sim, sabemos que tudo aquilo virá abaixo.’ A ideia é precisamente essa. E antes que venha abaixo, pode-se ganhar muito dinheiro. Depois, quando ruir, podemos novamente ganhar muito dinheiro vendendo tudo de novo.
O problema é que, com o sistema que foi implantado, com a privatização já consumada, como alguém conseguiria usar a riqueza da Rússia para desenvolver a própria indústria e a própria economia russa, como a China estava fazendo?!
Simples: a China tem regras para fazer o que faz, mas a Rússia não tem regras. Tudo é realmente centralizado. Quem mantém a estrutura em operação hoje, o dono das regras, é o Presidente Putin.
Isso, precisamente, era o que o Ocidente mais temia. Quando Mikhail Gorbachev começava a planejar praticamente o que Putin faz hoje, para conter o capital privado, o FMI mandou que ele esperasse. ‘Não vamos fazer empréstimo algum para estabilizar a moeda russa, até que [o primeiro-ministro Evgeny] Primakov saia do governo.’
Os EUA disseram que não negociariam com a Rússia até que Gorbachev tirasse Primakov do governo. Primakov foi defenestrado. Foi provavelmente o homem mais inteligente de seu tempo. Na sequência, os EUA supuseram que [o presidente Vladimir] Putin seria uma espécie de bode expiatório. Mas Putin quase sozinho, conteve os oligarcas. Disse a eles ‘ok, podem ficar com o dinheiro desde que façam exatamente o que o governo ordenar. Fiquem com o dinheiro, se trabalharem para o bem público’.
Problema é que isso não foi convertido em sistema de leis, sistema de tributos, sistema pelo qual o governo de fato obtenha a maior parte dos benefícios. A Rússia poderia ter surgido em 1990 como uma das economias mais competitivas da Eurásia, dando casa a toda a população, em vez de dar a Norilsk Nickel, e as petroleiras à Yukos. Poderia ter dado a cada um a própria casa, a própria moradia. E poderia ter feito o mesmo nos países Bálticos.
Mas não deu a terra ao povo. E os russos estavam pagando 3% de sua renda por moradia em 1990. E o aluguel é o maior elemento no orçamento de cada família.
Portanto, a Rússia poderia ter tido mão de obra de baixo preço. Poderia ter financiado todo o seu investimento de capital para o governo mediante impostos, cobrando valor crescente da renda. Em vez disso, os bens imobiliários russos foram privatizados a crédito. E a coisa foi ainda pior nos países Bálticos.
Fui diretor de pesquisa da Riga Graduate School of Law, na Letônia. A Letônia tomou empréstimos principalmente de bancos suecos. Para comprar uma casa, era preciso pedir emprestado a bancos suecos. E os suecos disseram, ‘não vamos emprestar na moeda letã, porque pode cair. Então, escolha: francos suíços ou marcos alemães ou dólares norte-americanos. Toda essa renda foi paga em moeda estrangeira. As economias bálticas foram praticamente drenadas. A Letônia perdeu 20% de sua população. A Estônia e a Lituânia seguiram o exemplo.
Claro que a Rússia foi a mais duramente atingida pelo neoliberalismo.
Você sabe que o Presidente Putin disse que o neoliberalismo custou à Rússia parte maior de sua população, do que a Segunda Guerra Mundial. E você sabe que para destruir países, já ninguém precisa de exército. Basta dar aulas de economia à moda norte-americana.
Pepe: Sim, lembro bem, cheguei à Rússia no inverno de 91, vindo da China. Então, estava saindo do milagre chinês. Na verdade, foi alguns dias depois da famosa turnê sulista de Deng Xiaoping quando ele foi para Guangzhou e Shenzhen. E esse foi o pontapé inicial do boom dos anos 90. A rigor, um pouco antes. E tomei o [trem] Transiberiano e cheguei a Moscou alguns dias após o fim, na verdade, algumas semanas, depois da extinção da União Soviética.
Mas sim, lembro-me que os norte-americanos chegaram quase no mesmo minuto, não foi, Michael? Eu acho que eles já estavam lá na primavera de 1992. Se não me engano.
Michael: A reunião de Houston foi em 1990. Mas antes disso, já em 1988 e 1989, houve uma enorme saída de dinheiro desviado pela Letônia. O reitor assistente da universidade que acabou criando a Nordex, essencialmente o dinheiro estava todo voando para fora porque Ventspils, na Letônia, era de onde o petróleo russo era exportado, e todos os negócios e faturas eram falsos. Assim, os cleptocratas russos basicamente ganhavam seu dinheiro com faturamento falso de exportação, ostensivamente vendendo-o por um preço e tendo o resto pago no exterior e, tudo isto foi organizado através da Letônia. E o homem que fez isto mais tarde se mudou para Israel e finalmente devolveu um bilhão de dólares à Rússia em troca de ser deixado vivo e em segurança em Israel, pelo resto da vida.
Pepe: Bem, a queda do rublo em 1998 foi, aproximadamente um ano após a queda do baht e toda a crise financeira asiática, não? Foi interligado, claro. De fato, agora estou só pensando em voz alta.
Se as economias do sudeste asiático e do nordeste asiático, o caso da Coréia do Sul e da Rússia, estivessem mais integradas na época, como estão tentando integrar-se agora, você acha que a crise financeira asiática teria sido evitável em 1997?
Michael: Bem, veja o que aconteceu na Malásia com Mohammad Mahathir. A Malásia conseguiu evitar a crise financeira. Portanto, é claro que era evitável, e eles tinham os controles de capital. Tudo o que precisaria ter feito é o que a Malásia fez. Mas para tanto era preciso ter uma teoria econômica.
E essencialmente o modo atual de guerra é conquistar os cérebros de um país para moldar a forma como as pessoas pensam e como percebem a economia. E se você puder distorcer a visão delas para uma economia irreal, onde elas pensam que você está lá para ajudá-las, não para tirar o dinheiro delas, então você as capturou, estão viciadas. Foi o que aconteceu na Ásia. A Ásia pensou que estivesse ficando rica com a entrada de dólares. Então o FMI e todos os credores puxaram o plugue, derrubaram a indústria. E agora, que de repente você teve um colapso, eles compraram a indústria coreana e outras indústrias do Sul da Ásia a preços de liquidação.
Isso é o que é feito. Quem empresta o dinheiro é quem puxa o plugue. Em seguida, a mesma figura deixa que tudo se vá pelo ralo, preços de liquidação, e recolhe as peças. Foi o que BlackRock fez depois que começou a depressão Obama, quando Obama salvou os bancos, não o eleitorado, os tomadores de empréstimos hipotecários. Essencialmente esse é o modus operandi de BlackRock para pegar os preços esmagados em massa falida. Mas para que isso funcione você precisa emprestar dinheiro e depois quebrar o devedor.
Pepe: Michael, acho que só nos restam cinco minutos. Mas tomara que você dê uma resposta longa, e espero por sua resposta com máxima intensidade. Falo da dívida, da armadilha da dívida. Das Novas Rotas da Seda, a Iniciativa Cinturão e Estrada, porque acho que assim fechamos nossa discussão, voltando ao tema da dívida e dívida global.
A crítica nº 1, além da demonização da China que você ouve da mídia americana e de alguns acadêmicos americanos também contra a Iniciativa Cinturão e Estrada, é que ela estaria criando uma armadilha para as nações do sudeste asiático, nações da Ásia Central e nações da África, etc…. Obviamente, espero que você desmonte esse argumento, mas o quadro geral é que não há outro projeto de desenvolvimento global tão extenso e complexo como a Iniciativa Cinturão e Estrada. Você sabe muito bem que o projeto foi inicialmente sonhado pelo Ministério do Comércio. Depois venderam-no, mais ou menos, a Xi Jinping, que lhe deu seu selo geopolítico, anunciando-o, simultaneamente – e esse anúncio foi um golpe de mestre –, na Ásia Central em Astana e depois no Sudeste Asiático em Jacarta. Assim, Xi estava anunciando os corredores terrestres através das terras centrais e, ao mesmo tempo, a Rota Marítima da Seda.
Na época, as pessoas não viam o alcance e a profundidade de tudo aquilo. E agora, é claro, finalmente a administração Trump acordou e viu o que estava em jogo, não apenas através da Eurásia, mas alcançando a África e até partes selecionadas da América Latina também.
O único tipo de crítica, e sequer é crítica baseada em fatos, que eu vi sobre a Iniciativa Cinturão e Estrada, é que estaria criando uma armadilha de dívidas porque, como você sabe, o Laos está endividado, o Sri Lanka está endividado, o Quirguistão está endividado, etc.
Então, pergunto: como você vê a Iniciativa Cinturão e Estrada dentro da grande estrutura das relações entre o Ocidente e a China, o Leste Asiático e a Eurásia? E como você desmistificaria os conceitos errados criados, especialmente nos Estados Unidos, de que haveria aí alguma ‘armadilha da dívida’?
Michael: Aí há dois pontos a serem respondidos. O primeiro é como começou a Iniciativa Cinturão e Estrada. E, como você assinalou, a Iniciativa Cinturão e Estrada começou quando a China perguntou-se o que era necessário para crescer, e como crescer no conjunto dos países seus vizinhos, para não terem de depender do Ocidente, e não terem de depender do comércio marítimo – que sempre poderia ser fechado. Como chegar às estradas, em vez de chegar aos mares, de modo que pudessem integrar a economia chinesa e as economias vizinhas, para que todos crescessem?
E isso foi feito praticamente em bases de engenharia industrial. Aqui é onde estradas e ferrovias são muito necessárias. E como financiamos isso?
Semana passada, The Financial Times perguntava se os chineses não sabiam que, com o velho desenvolvimento ferroviário, no passado, todos aqueles países quebraram?
O Canal do Panamá quebrou, você sabe. E nas primeiras vezes em que houve investimentos ferroviários europeus na América Latina no século 19, todos aqueles empreendimentos também quebraram.
Mas o que o FT não entende é que o objetivo da China nunca foi obter lucro com as ferrovias. As ferrovias foram construídas como parte do ‘equipamento’ da economia, para fazer parte da economia. Não aspiram ao lucro. São ferrovias para fazer a economia real crescer, não para dar lucro para os donos das ações de empresas ferroviárias.
A imprensa ocidental não sabe nem imaginar que se construa uma ferrovia se não for para tentar fazer dinheiro com ela.
Assim se chega à questão da dívida. Os países só chegam a uma crise de dívida, se sua dívida estiver denominada em moeda estrangeira. O modo inicial pelo qual os EUA ganharam poder, foi lutar contra seus aliados. O grande inimigo dos EUA foi a Inglaterra, o que levou o bloco britânico a bloquear a moeda na década de 1940. E assim, a Índia e outros países, que tinham moedas em libras esterlinas, conseguiram convertê-las todas em dólares.
Todo o movimento dos EUA consistiu em denominar em dólares, a dívida mundial. De tal modo que (1), os bancos ficassem com os juros, ao financiar a dívida. E (2), os EUA pudessem, usando a alavancagem da dívida, controlar a política doméstica dos países devedores.
Bem, como se pode ver agora mesmo na Argentina, por exemplo, a Argentina está falida, porque sua dívida externa é denominada em dólares.
Quando iniciei o primeiro fundo de títulos do Terceiro Mundo em 1990 no Scutter Stevens, Brasil, China e Argentina estavam pagando 45% de juros por ano, 45% por ano, em dívida em dólares. Tentamos vender títulos dessas dívidas nos Estados Unidos. Nenhum norte-americano comprou ou compraria. Fomos para a Europa: nenhum europeu interessou-se por comprar aquela dívida. Trabalhamos então com a Merrill Lynch e a Merrill Lynch conseguiu fazer um fundo offshore nas Índias Ocidentais holandesas e toda a dívida foi vendida à classe dominante brasileira no Banco Central e aos banqueiros argentinos na classe dominante. Achamos oh! é maravilhoso. Sabemos que eles vão pagar a dívida externa do Yankee Dollar porque a dívida do Yankee Dollar é devida a eles mesmos! Eles são os Yankees! Eles são a oligarquia dos clientes. E sabem que, no Brasil, a oligarquia dos clientes é, todos sabem, eles são “cosmopolitas”, a palavra é essa.
Então, a questão é: e na Iniciativa Cinturão e Estrada, como aqueles outros países pagaram a dívida que tinham com a China?
Bem, a chave lá novamente é a desdolarização, e uma maneira de resolver é fazer algo muito parecido com o que o Japão fez com o Canadá nos anos 60. Ele fez empréstimos para desenvolver minas de cobre canadenses, para receber o pagamento, não em dólares canadenses, o que teria aumentado a taxa de câmbio do iene, mas em cobre.
Então, diz a China aos países interessados nela ou que interessem à China, ‘você sabe que não tem de pagar a dívida em moeda corrente. Nós não construímos uma ferrovia para ter lucro. Se você quer saber, nós podemos imprimir toda a moeda que quisermos. Não precisamos ter lucro. Fizemos a Iniciativa Cinturão e Estrada porque faz parte de nossa tentativa geopolítica de criar o que precisamos para ser prósperos e ter uma região próspera. Portanto, nossos ganhos são ganhos mútuos autorreforçadores’.
Assim sendo, é isso que o Ocidente não consegue, nem obter nem oferecer, digo, ganho mútuo? Estamos talvez falando de antropologia? O que você quer dizer com ‘mútuo’? Aqui é capitalismo!
Em resumo, o Ocidente não entende qual o objetivo original da Iniciativa Cinturão e da Estrada. Porque nunca foi fazer uma ferrovia lucrativa para permitir que as pessoas comprassem e vendessem ações de empresas ferroviárias. E não era fazer estradas com pedágio, para vender à Goldman Sachs!
Estamos lidando com dois sistemas econômicos diferentes, e é muito difícil para um sistema entender o outro, por causa da visão de túnel que se ganha com o diploma universitário em Economia.
Pepe: Empréstimos da Iniciativa Cinturão e Estrada são de longo prazo e com juros muito baixos e são renegociáveis. Chineses renegociam empréstimos o tempo todo, por exemplo, com os paquistaneses.
Michael: A intenção da China não é repetir uma crise asiática de 1997. Não ganha nada com forçar crises, porque não está tentando entrar e comprar propriedade com desconto, de alguém em dificuldades. Os chineses tampouco querem criar vendas ‘desesperadas’. Portanto, obviamente, trata-se de construir capacidade para pagar.
Fato é que toda esta discussão já ocorreu nos anos 20, entre [John Maynard] Keynes e seus oponentes, que queriam receber reparações de guerra dos alemães.
Keynes deixou isso muito claro. Trata-se de ter ou não ter capacidade para pagar. É a capacidade para exportar e a capacidade para obter moeda estrangeira. OK. Mas a China não está procurando moeda estrangeira. Está procurando retornos econômicos. E, no caso da China, o retorno tem de alcançar toda a sociedade, o retorno não é uma ferrovia. O retorno tem de alcançar toda a economia, porque a China olha para a economia como sistema.
A forma como o neoliberalismo funciona é diferente. O neoliberalismo divide a economia em partes, e faz com que cada parte tente fazer lucro. E se você visa a isso, você não tem nenhuma infraestrutura que vise a reduzir os custos para as outras partes: são todas as partes lutando, cada uma por si mesma. Você não vê a Economia em termos de sistema, que é como a China a vê.
Essa é a grande vantagem do marxismo: faz você olhar para o sistema, não só para as peças.
Pepe: Exatamente. É o que está no cerne do conceito chinês de “comunidade com futuro comum para a humanidade”, em tradução bem aproximada da expressão em mandarim.
Compare-se (i) essa “comunidade com futuro compartilhado para a humanidade”, que é, digamos, a força motriz entre a ideia da Iniciativa Cinturão e Estrada, expandida pela Eurásia, África e América Latina também, com (ii) o conceito de “ganância é ‘do bem’”, de nossos bons velhos amigos dos anos 80s, que parece que ainda reina nos EUA.
Michael: E que vem com o corolário de que não-ganância é ‘do mal’.
Pepe: Exatamente. O mal é não ser ganancioso.
Michael: Acho que ficamos sem tempo. Não sei se Alanna [Hartzok] quer intervir e resumir tudo, para concluir. Talvez haja perguntas.
Pepe: Alguém quer perguntar alguma coisa? Seria fantástico.
Alanna: Há uma pergunta de Ed Dodson: “Por que existem aquelas cidades fantasmas na China? E quem está financiando aqueles imóveis, sem ninguém que more lá? Todos nós temos ouvido falar sobre isso. Então, o que está acontecendo por lá?
Michael: OK. A China tinha a maior parte de sua população vivendo no campo, e fez muitos acordos com proprietários de terras chineses que têm direitos de terra. Disseram aos proprietários: se você desistir do seu direito à terra e cedê-la para uso da comunidade, nós lhe daremos um apartamento na cidade, sem custo para você, que você poderá alugar.
Consequência disso, a China tem construído apartamentos nas cidades, em troca de apoio ao fim dos problemas que cercavam o que se conhecia como “êxodo rural”. A China já não precisa, atualmente, de tantos agricultores. A questão, então, passou a ser: como levá-los para as cidades? Então, a China começou a construir essas cidades e muitos desses apartamentos são de propriedade de pessoas que os obtiveram ao vender direitos de propriedade da terra. Os negócios são parte do programa de reconstrução rural.
Alanna: Você acha que foi bom negócio? Apartamentos vagos em todos os lugares?
Pepe: Você não tem cidades fantasmas em Xinjiang, por exemplo, Xinjiang é subpovoada, é principalmente deserto. E é extremamente sensível a realocação de pessoas para Xinjiang. Assim, basicamente, eles se concentraram na expansão do Urumqi. Quando se chega em Urumqi é quase como chegar em Guangzhou. É enorme. É uma enorme cidade genérica, no meio do deserto. E é também uma Meca de alta tecnologia, que poucas pessoas no Ocidente conhecem. E é a ligação direta entre a costa leste, pela Iniciativa Cinturão e Estrada, e a estrada para a Ásia Central.
Ano passado fiz uma viagem incrível. Fui às três fronteiras: à fronteira Tadjiquistão-Xinjiang, à fronteira Quirguistão-Xinjiang e à fronteira Cazaquistão-Xinjiang – três fronteiras em uma. É área fascinante para explorar e especialmente para conversar com as populações locais, quirguizes, cazaques e tadjiques. Como eles veem a Iniciativa Cinturão e Estrada que ali afetará diretamente a vida deles a partir de agora? Não se veem coisas ‘espetaculares’.
Por exemplo, na fronteira Xinjiang-Cazaquistão, há uma fronteira para os caminhões, muitos deles indo e vindo de todos os pontos do continente, como na Europa. Ali, vêm da Ásia Central para a China e trazem mercadorias chinesas para a Ásia Central.
Há também a fronteira para o trem, fronteira muito simples, de duas vias; e a fronteira para pedestres. É muito engraçado: há pessoas chegando em ônibus de todas as partes da Ásia Central. Param na fronteira do Cazaquistão, tomam um ônibus, desembarcam na alfândega por um dia, vão a uma série de shoppings do lado chinês da fronteira. Compram como loucos, fazem compras até cair, não sei, por 12 horas. E voltam no mesmo dia, porque têm visto só para um dia. Sobem no ônibus que os levou e voltam. Então, por enquanto é uma espécie de Iniciativa Cinturão e Estrada para pedestres.
No futuro, haverá trem de alta velocidade. Os oleodutos já estão lá, como Michael sabe, mas é visão fascinante! Pode-se ver bem de perto a integração já mais próxima. Vê-se, por exemplo, uigures indo e vindo, sempre em viagem. Conheci uigures que têm família no Quirguistão, por exemplo. Conheci alguns uigures no Quirguistão que fazem a viagem de ida e volta, o tempo todo. Perguntei e disseram-me que ok, não há problema. Eles são considerados homens de negócios, portanto, não há interferência. Não há campos de concentração. Mas é preciso ir a esses lugares para ver como funcionam no mundo real.
Agora, com Covid, é o problema dos jornalistas ‘viajantes’, porque durante um ano não pudemos ir a lugar algum. E Xinjiang esteve na minha lista de viagens esse ano, também o Afeganistão, a Mongólia.
Todas estas são partes da Iniciativa Cinturão e Estrada ou futuras partes –como o Afeganistão. Os chineses e os russos também; incluem o Afeganistão em um processo de paz organizado pelos próprios asiáticos, sem os EUA, dentro da Organização de Cooperação de Xangai, porque querem que o Afeganistão seja parte da intersecção de Cinturão e Estrada, e União Econômica Eurasiana. É outro assunto que Michael conhece muito bem.
Infelizmente, não se vê esse tipo de discussão na mídia americana, por exemplo, que mostre a integração da Eurásia ‘em solo’, como está realmente acontecendo.
Michael: É a dissonância cognitiva.
Alanna: Tentar entender isso põe você numa dissonância cognitiva.
Pepe: Ah, sim, é claro. E imediatamente você ‘vira’ agente chinês, agente russo. Ouço isso o tempo todo. É. Todos ouvimos isso por causa de nosso trabalho. Especialmente, infelizmente, de nossos amigos norte-americanos.
Alanna: Sei que vocês têm outras coisas a fazer. O encontro foi fabuloso. Quero agradecer muito a vocês, a ambos, que tão rapidamente aceitaram participar deste webinar. Em cinco minutos já tínhamos 20 inscritos, e em dois dias estávamos com lotação completa. Sei portanto que muitas outras pessoas adorariam ouvi-los falar, em outra ocasião, sempre que vocês dois estiverem tão dispostos.
Acho que ambos obtiveram muito de sua primeira conversa pessoalmente.
Todos que nos ouvem conhecem esses dois maravilhosos senhores, autores de mais de 10 livros, que conhecem todo o planeta. Estão entre os mais importantes analistas de geopolítica e geoeconomia de nosso tempo. E são pessoas carinhosas e amorosas. São essas as pessoas que tanto precisamos ouvir e compreender em todo o mundo.
Muito obrigada. Ibrahima Drame, da Escola Henry George, vai despedir-se de vocês e encerrar nosso encontro. Obrigada, novamente.
Pepe: Michael, foi enorme prazer. Realmente, foi fantástico. Muito bom, estarmos no mesmo site. Espero que tenhamos segunda edição desses encontros.
Ibrahima: Sim, teremos segunda edição, daqui a dois meses. Muito obrigada pela participação de todos, e espero realmente que tenham gostado desse evento.
Aproveito para pedir seu apoio, com uma doação dedutível de impostos, para a Escola Henry George. Acredito ter compartilhado o link no chat. Muito obrigada. E até breve.
Pepe: Muito obrigado. Muito obrigado, Michael. Tchau!*******
[1] Internal Revenue Service. “What is Earned Income?” Acessado 20/1/2021.
O que é renda auferida? De acordo com o Internal Revenue Service (IRS), a renda ganha inclui salários, bônus, comissões, gorjetas e ganhos líquidos do trabalho independente. Pode também incluir benefícios de invalidez a longo prazo e de greve sindical e, em alguns casos, pagamentos de certos acordos de compensação de aposentadoria diferida (NTs).
[2] O Saker, de The Vineyard of the Saker, em coluna de 16/10/2013, “O longo (20 anos!) pas de deux de Rússia e EUA está chegando ao fim?”, traduzida na Redecastorphoto, usa a mesma terminologia: “o primeiro grupo viria a ser o que chamo de “Soberanistas Eurasianos”; e os segundos converter-se-iam no que chamo de “Integracionistas Atlanticistas”. Podemos chamá-los de “turma de Putin” e “turma de Medvedev”” [NTs].
Tradução: Coletivo Vila Mandinga