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JK e o capital estrangeiro

Por Felipe Quintas

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Felipe Quintas
Felipe Quintas
Mestre e doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense - UFF

O governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961) até hoje é alvo de intensas polêmicas. Uma delas diz respeito ao suposto caráter antinacional da sua estratégia de desenvolvimento. Essa crítica, reiteradamente dirigida a ele por pessoas e grupos nacionalistas e/ou de esquerda, é tão contundente quanto inexata, e necessita de uma devida apreciação crítica.

Em primeiro lugar, é preciso considerar que a força-motriz desenvolvimentista do governo JK não foi o capital estrangeiro em si, mas o Plano de Metas, um programa governamental com o fito de consolidar a indústria como eixo de acumulação capitalista e de fortalecer a integração nacional. Foi elaborado e dirigido pelo Executivo federal e pela chamada “administração paralela”, composta por órgãos estatais já existentes como o BNDE, a SUMOC (Superintendência da Moeda e do Crédito) e a CACEX (Carteira de Comércio Exterior do Banco do Brasil), e por outros criados logo no início do governo JK para suprir as deficiências e entraves da administração pública até então existente, como os Grupos Executivos, os Grupos de Trabalho e o Conselho de Política Aduaneira.

A política de atração de capital estrangeiro não era vista como um fim em si mesmo, mas como um instrumento do planejamento estatal para acelerar a industrialização do país, adensar e diversificar as cadeias produtivas internas e transferir técnicas e habilidades para o capital nacional. Vale ressaltar que o Plano de Metas previa apenas 1/3 de participação estrangeira nos investimentos globais (Cardoso, 1978, p. 187). Portanto, o capital estrangeiro não encontrou, com JK, nenhum laissez-faire, ao contrário, obedeceu rigorosamente aos ditames governamentais estabelecidos pelo Plano de Metas.

Como afirma a professora Maria Victoria Benevides, “Entre 1955 e 1961 entraram no país 2.180 milhões de dólares e menos de 5% foi destinado a áreas fora das prioridades do governo. Os investimentos se concentraram na indústria automobilística, transportes aéreos e estradas de ferro, eletricidade e aço” (Benevides, 1976, p. 236).

Ao mesmo tempo, o governo JK foi extremamente hábil em aproveitar as brechas na polarização geopolítica entre os blocos capitalista e comunista para não depender exclusivamente do capital estadunidense. Tarefa tão mais difícil porque, naquele momento, os Estados Unidos desfrutavam de inconteste hegemonia industrial-tecnológica e o pacto democrático-pluralista que caracterizou o regime institucional brasileiro de 1946-1964 vetava ao nosso país a possibilidade de se desligar geopoliticamente dos Estados Unidos ou mesmo de relativizar essa vinculação. Como também afirma a professora Maria Victoria Benevides:

“Nesse ponto convém lembrar que a participação inicial do capital norte-americano para a execução do Programa de Metas era irrisória. A indústria de construção naval se montou com capitais japoneses, holandeses e brasileiros; a siderúrgica com capitais nacionais estatais (BNDE) e japoneses (Usiminas); a automobilística se montou predominantemente com capitais alemães (Volkswagen), franceses (Simca) e nacionais (Vemag)” (ibid: p. 237).

Além disso, ao final do governo JK, os principais setores industriais brasileiros, à exceção de automóveis, autopeças e farmacêutica, continham participação majoritária de capital nacional, conforme a tabela abaixo.

A maior participação do capital estrangeiro deu-se em função da Instrução 113 da SUMOC, instituída no governo Café Filho, em 17 de janeiro de 1955. A Instrução permitia a importação de máquinas e equipamentos sem cobertura cambial, isto é, a uma taxa desregulamentada de câmbio, com o pagamento sendo a participação da empresa estrangeira exportadora no capital da empresa importadora. A CACEX era o órgão regulador e dava preferência para o setor de bens de capital.

Ingressaram no Brasil cerca de 395,7 milhões de dólares entre 1955 e 1959. Não admira que mais da metade do capital aplicado a partir da Instrução 113 tenha sido no setor de máquinas-automóveis, justamente o mais desnacionalizado. Em outros setores industriais importantes, os recursos externos foram bem mais modestos, conforme a tabela abaixo.

Não houve, outrossim, a desnacionalização de nenhuma das empresas estatais criadas por Getúlio Vargas. Petrobrás, Vale do Rio Doce, BNDE, FNM, CSN, Cosipa e Álcalis permaneceram estatais e foram bastante fortalecidas, sendo cruciais para o êxito do Plano de Metas. O setor público foi ampliado com a criação da siderúrgica Usiminas, da companhia de eletricidade Furnas e da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), que, aliás, modernizou e ampliou a malha ferroviária do país. A participação do governo na formação bruta de capital fixo, sem contar com as empresas estatais, cresceu de 25,6% entre 1953/56 para 37,1% entre 1957/60. Se incluídas as estatais federais, essa taxa sobe para 47,8%, mostrando o amplo papel do Estado no governo JK (Lessa, 1982, p. 70).

Também foram criadas importantes empresas nacionais privadas durante o governo JK. No ramo automobilístico, a Engesa (1956) e a Companhia Brasileira de Tratores (1959). No ramo de autopeças, a Baterias Moura (1957). No ramo farmacêutico, a Neo Química (1959). No ramo eletrônico, a Metaltex (1958), que chegou a ser a maior fabricante sul-americana de componentes eletrônicos para telecomunicações. No ramo de papel e celulose, a Ripasa (1959), incorporada à Suzano em 2011. A JBS, criada em 1953, teve um grande crescimento durante o governo JK em razão da construção de Brasília, que dinamizou as relações econômicas no centro-oeste.

Embora seja indiscutível que o governo JK foi bem mais aberto ao capital estrangeiro que os governos Getúlio Vargas (que, de qualquer maneira, não foram de modo algum hostis aos investimentos industriais estrangeiros), é absolutamente exagerada a pecha de “entreguista” impingida a ele. Pelo contrário, ao subordinar o capital estrangeiro à estratégia governamental de desenvolvimento, JK procurou mobilizar, em sentido favorável à industrialização brasileira, as oportunidades de investimento propiciadas pela expansão das empresas transnacionais, de maneira a conciliar a modernização capitalista com o desenvolvimento nacional soberano.

REFERÊNCIAS:

BENEVIDES, Maria Victoria. O Governo Kubitschek – Desenvolvimento Econômico e Estabilidade Política. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.

CARDOSO, Miriam Limoeiro. Ideologia do Desenvolvimento – Brasil: JK JQ. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.

LESSA, Carlos. 15 Anos de Política Econômica. 3ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1982.

LIMA, Heitor Ferreira. História Político-Econômica e Industrial do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1970.

Esse artigo foi retirado da publicação feita no site “Portal Disparada”, do dia 18 de janeiro de 2021.

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