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A arte de oráculos espetacularmente desentendidos

Pepe Escobar, Asia Times

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“… E a Harpia n. 3 é Victoria Nuland – valorosa baluarte dos neoconservadores –, que imortalizou o “Fo*da-se a União Europeia” muito antes do Brexit.”

7/7/2016, “As três Harpias estão de volta”, Pepe Escobar, Russia Insider, traduzido no Blog do Alok.

O falecido Dr. Zbig “Grande Tabuleiro de Xadrez” Brzezinski por algum tempo distribuiu sabedoria como oráculo da política externa dos EUA, lado a lado com Henry Kissinger, o perene – o qual, em vastas áreas do Sul Global, é visto como nada além de criminoso de guerra.

Brzezinski nunca alcançou notoriedade equivalente. No máximo reivindicava direitos de gabolice, por ter dado à URSS seu próprio Vietnã, no Afeganistão – facilitando a internacionalização da Jihad Inc., com todas as terríveis consequências subsequentes.

Ao longo dos anos, foi sempre divertido seguir os píncaros a que chegaria a russofobia do Dr. Zbig. Então, lenta mas firmemente, foi obrigado a revisar suas altas expectativas. E finalmente deve ter ficado realmente horrorizado, quando viu que seus perenes medos geopolíticos se concretizavam – além dos piores pesadelos.

Washington não impediu a emergência de um “concorrente” na Eurásia; e, como se não bastasse, o concorrente está hoje configurado como parceria estratégica que une Rússia e China.

Dr. Zbig nunca foi exatamente versado em questões chinesas. Seu clássico A Geostrategy for Eurasia (ing., só para assinantes) [Uma geoestratégia para a Eurásia] é boa amostra de o quanto leu erradamente a China, artigo publicado – e onde seria?! – na revista Foreign Affairs, em 1997:

Embora a China esteja surgindo como potência regionalmente dominante emergente, não é provável que, ainda por muito tempo, converta-se em potência global. A convicção convencional de que a China será a próxima potência global alimenta muita paranoia fora da China, ao mesmo tempo em que promove a megalomania na China. Está longe de garantido que as taxas explosivas de crescimento da China possam ser mantidas para as próximas décadas. De fato, crescimento continuado de longo prazo às taxas atuais exigiria mistura propícia muito improvável de liderança nacional, tranquilidade política, disciplina social, alta poupança, influxos massivos de investimento externo e estabilidade regional. Qualquer combinação de todos esses fatores é improvável.

Dr. Zbig acrescentou,

Ainda que a China negue graves rupturas políticas e mantenha o próprio crescimento por um quarto de século – dois grandes ‘ses’ –, ainda assim a China continuaria a ser país relativamente pobre. Se triplicar o próprio PIB, ainda assim a China continuará abaixo da maioria das nações em renda per capita, e porção significativa da população chinesa continuará na pobreza. A posição da China no acesso a telefones, carros, computadores, sem nem falarmos de bens de consumo, continuará muito baixa.

Ixe! Não só Pequim alcançou todos os alvos que Dr. Zbig declarou inalcançáveis, mas o governo central chinês, além do mais, também eliminou a pobreza, à altura do final de 2020.

Certa vez, o Pequeno Timoneiro Deng Xiaoping observou,

“Hoje ainda somos nação relativamente pobre. É impossível para nós cumprir muitas obrigações proletárias internacionais, e assim sendo nossa contribuição permanece pequena. Contudo, tão logo tenhamos completado as quatro modernizações, e a economia nacional tenha-se expandido, nossas contribuições para a humanidade, especialmente para o Terceiro Mundo, serão maiores. Como país socialista, a China sempre pertencerá ao Terceiro Mundo e jamais buscará a hegemonia.”

O que Deng descrevia então como “Terceiro Mundo” – terminologia pejorativa da Guerra Fria – é agora o Sul Global. E o Sul Global é essencialmente o Movimento dos Não Alinhados (MNA) [ing. Non-Aligned Movement (NAM)] turbinado, como no Espírito de Bandung em 1955 remixado para o Século Eurasiano.

Guerreiro da Guerra Fria, Dr. Zbig obviamente não foi monge taoísta – jamais saberia libertar-se do ego para entrar no Tao, o mais secreto de todos os mistérios.

Estivesse vivo para assistir ao raiar do Ano do Boi de Metal, teria percebido como a China, expandindo-se conforme os insights de Deng, está de fato aplicando lições práticas derivadas da cosmologia taoísta correlativa: a vida é um sistema de opostos em interação, que se engajam uns e outros em constante mudança e evolução, que se move por ciclos e anéis de retroalimentação, sempre muito difíceis de prever com precisão matemática.

Exemplo prático de abertura e fechamento simultâneos é o modo como a China aborda sua estratégia de “desenvolvimento de dupla circulação”. É abordagem dinâmica, que se equilibra em pesos e contrapesos entre aumento do consumo interno e comércio/investimentos externos (as Novas Rotas da Seda).

Paz é Guerra Perpétua

Passemos agora a outro oráculo, que se autoapresenta como especialista em algo que o Departamento de Estado chama de “Oriente Médio Expandido”: Robert Kagan, cofundador do Projeto para o Novo Século Norte-americano (ing. Project for the New American Century, PNAC), belicista neoconservador de carteirinha, e metade do famoso Kaganato dos Nulands – piada que já corre pela Eurásia –, mano a mano com a esposa, notória distribuidora de sanduíches na Praça Maidan, Victoria “F*oda-se a União Europeia” Nuland, já quase reintegrada ao governo dos EUA, agora na gestão Biden-Harris.

Kagan está de volta, pontificando na revista – e onde seria?! – Foreign Affairs, que publicou seu mais recente manifesto de superpotência. Onde se encontra a seguinte pérola absoluta:

Que norte-americanos refiram-se aos envolvimentos de relativamente baixo custo no Afeganistão e no Iraque como “Guerras Eternas” é só o mais recente exemplo da intolerância deles quanto ao negócio confuso e sem fim de preservar uma paz geral e agir para conter as ameaças. Nos dois casos, norte-americanos ficavam com um pé para fora da porta no instante de entrar, o que comprometeu a habilidade deles para alcançar o controle de situações difíceis.

Entendamos bem. As Guerras Perpétuas que já consumiram multitrilhões de dólares teriam “custo relativamente baixo”. Contem essa às multidões que padecem a Via Crucis que é sobreviver na trilha de infraestrutura destruída e padrões apavorantes de saúde e educação, que EUA traçam pelo mundo. E se você não apoiar as Guerras Perpétuas – absolutamente necessárias para preservar “a ordem mundial neoliberal” – você seria “intolerante”.

“Preservar uma paz geral” não serve nem como piada, vindo de alguém absolutamente sem qualquer noção do que se passa em solo. Quanto ao que Washington define como “vibrante sociedade civil” no Afeganistão, gira, na realidade, em torno de códigos de costumes tribais milenares: nada tem a ver com alguma cruza de ‘neoconservadores’ e ‘despertar’. E, muito importante, o PIB do Afeganistão – depois de tanta ‘ajuda’ dos norte-americanos – permanece inferior, até, ao do Iêmen incansavelmente bombardeado por sauditas.

O Excepcionalistão não sairá do Afeganistão. Dia 1º de maio foi negociado em Doha, ano passado, como prazo para que EUA/OTAN retirem todas as tropas. Não acontecerá.

A conversa ‘midiática’ já está superturbinada: os agentes do Estado Permanente[1] acionados por Joe “Manequim para Teste de Colisão Frontal” [ing. “Crash Test Dummy”] Biden não respeitarão o prazo acordado. Todos que conheçam bem o Novo Grande Jogo inchado de esteroides em toda a Eurásia sabem: é preciso manter plataformas estratégicas [orig. strategic lily pads[2]] na intersecção entre Ásia Central e Sul da Ásia para ajudar a monitorar de perto – e que outra coisa interessaria monitorar?! – o pior dos pesadelos de Brzezinski: a parceria-estratégica Rússia-China.

No momento estão no Afeganistão 2.500 soldados do Pentágono + 7 mil da OTAN + incontáveis “terceirizados”. O que se ouve é que não podem sair de lá porque, se saírem, os Talibã – os quais de fato controlam algo entre 52% e 70% de todo o território – tomarão o controle geral.

Para ver em detalhes como essa saga começou, os que desconfiem de não oráculos podem consultar o volume 3 dos meus arquivos de Asia TimesForever Wars: Afghanistan-Iraq, part 1 (2001-2004) . Em breve sairá a parte 2. Aí descobrirão que as Guerras Perpétuas multi-trilionárias – ditas essenciais para “preservar a paz” – desenvolveram-se realmente em solo, em contraste absoluto com a narrativa imperial oficial influenciada, e defendida, por Kagan.

Com oráculos desse tipo, os EUA definitivamente não precisam de inimigos.*******

[1] Orig. Deep State (lit. “Estado Profundo”). Já há algum tempo temos optado por traduzir a expressão por “Estado Permanente”. Depois de muito discutir, chegamos a um consenso: “Afinal de contas, o tal Deep State (i) não é ruim por ser profundo: é ruim por ser eterno, permanente, imutável, inalcançável pelas instituições e forças da democracia; e além disso, (ii) nem ‘profundo’ o tal Deep State é: ele vive à tona, tem logotipos, marcas e nomes na superfície, é visível, portanto; mesmo assim, se autodeclara “profundo”. Não. Ele que se autodeclare o que queira. Nós o declaramos “Estado Permanente” (e anotamos nossos motivos, aqui, em nota dos tradutores (NTs).

[2] “Desconhecida para muitos norte-americanos, a vigilância de Washington sobre o planeta está aumentando, graças a uma nova geração de bases que os militares chamam de “lily pads” (lit. “nenúfares, sobre os quais os sapos pulam pela água, caçando a presa”). São instalações pequenas, secretas, inacessíveis, com número mínimo de soldados, recursos espartanos, com armas e suprimentos pré-posicionados” (16/7/2012, “The Lily-Pad Strategy: How the Pentagon Is Quietly Transforming Its Overseas Base Empire”, The Huffington Post [NTs].

Esse artigo foi retirado da publicação feita no site “Asia Times”, do dia 22 de fevereiro de 2021.

Tradução: Coletivo Vila Mandinga 

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