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Sergey Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia Entrevista a Vladimir Solvyov

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Vladimir Solovyov: Boa-tarde, ministro Lavrov. Por que o Alto Representante da União Europeia (EU) para Assuntos de Política Exterior e Política de Segurança, Josep Borrell, foi “triturado”?

Sergey Lavrov: Ninguém “triturou” o Sr. Borrell. Ele fez a vontade dos estados-membros da UE. Os estados-membros determinam a política da UE. Esse processo é longo e controverso. Em várias ocasiões, alguns estados-membros da UE nos disseram em particular que são contra sanções e que não acreditam que a Rússia deva ser “punida” com sanções. Eles sabem que esse procedimento é inútil. Mas agem por “solidariedade”, ou pelo princípio do consenso. E lhes disse várias vezes que, pelo que entendo, esse ‘princípio do consenso’, pelo qual se alguém discorda a discordância predomina e decide, não é ‘princípio do consenso’: o ‘princípio’ aí é a proibição de buscar algum acordo. Até agora, ainda não recebi explicação que faça sentido.

De volta ao Sr. Borrell. Ele estava nos visitando, consciente do complexo ambiente em torno de seus planos. Muitos foram contra sua visita e declararam publicamente que ele não deveria vir à Rússia, a menos que “corrigíssemos os erros”. No final, todos lá concordaram quanto ao que o Sr. Borrell deveria nos dar a conhecer.

Não é a primeira vez – e isso se aplica, não somente ao Sr. Borrell, mas também a seus antecessores (antes dele, foi Federica Mogherini, e antes dela, Catherine Ashton), e sempre eram incapazes de discutir as coisas. Quando o Sr. Borrell leu a posição relativa ao Sr. Navalny, eu apresentei nossos contra-argumentos. A posição da UE é que ele seria prisioneiro político – o que absolutamente nada tem a ver com as acusações que pesam contra ele. E que tudo isso constituiria violação dos direitos humanos; e que a Rússia, como signatária de numerosas convenções sobre direitos humanos, incluindo a Convenção Europeia sobre Direitos Humanos, deve libertá-lo e respeitar seus direitos. Mas a Rússia tem leis que devem ser respeitadas.

A propósito, fiz saber ao Alto Representante que, se ele apresentar este assunto deste ângulo, em alguma conferência de imprensa, responderei mencionando os catalães condenados a 12 anos ou mais de prisão por organizarem o referendo sobre a independência da Catalunha. Fomos acusados de organizar este referendo, mesmo que ninguém tenha apresentado sequer uma prova, nada sequer remotamente próximo aos fatos. Aconteceu precisamente como lhe digo.

Com relação aos direitos humanos, lembrei ao Sr. Borrell que há muito tempo expressamos nossa disposição de conduzir um diálogo substantivo sobre este assunto. No entanto, primeiro, deve ser baseado em fatos; segundo, a conversa tem de ser via de mão dupla. Se os direitos humanos são tema reconhecido sem fronteiras, e os estados não podem esconder-se por trás de suas fronteiras ao discutir os direitos humanos, temos de começar por concordar sobre o que são os direitos humanos. Há uma lista de direitos chamados “humanos”, mas que se definem, antes, por serem principalmente direitos socioeconômicos. Desses, o mais importante é o direito à vida. É onde começa o problema, porque o Ocidente diz q discute direito ditos humanos, mas opõe-se fortemente à ideia de discutir direitos socioeconômicos.

Vladimir Solovyov: Por que o senhor repete que Navalny e seu irmão não têm qualquer ‘direito’ de assaltar a empresa francesa Yves Rocher?

Sergey Lavrov: Foi o que expliquei ao Alto Representante da UE para Assuntos Exteriores e Política de Segurança Josep Borrell. Disse a ele que não temos qualquer obrigação de proteger quem causa danos comerciais a uma empresa da UE, Yves Rocher. Há informações factuais sobre isto. Sobre como a empresa francesa foi levada a aceitar serviços de transporte e logística que custavam 30% acima dos preços que a empresa já pagara. E como isto foi feito por uma empresa unipessoal, que subcontratou uma terceira empresa e transferiu o dinheiro para as contas de outra empresa cujos acionistas são bem conhecidos.

Vladimir Solovyov: E ele não deu nenhuma resposta a isso? Fingiu que não compreendia o que o senhor dizia a ele?

Sergey Lavrov: O Sr. Josep Borrell definitivamente tem claro entendimento do assunto. Mas gostaria de repetir que o Alto Representante da UE para Assuntos Exteriores e Política de Segurança, por mais sério que seu título pareça, absolutamente não tem espaço de manobra. Está forçado a agir dentro de limites muito apertados.

Vladimir Solovyov: Ele fez alguma sugestão positiva, ou foi apenas um apelo à rendição da Rússia?

Sergey Lavrov: Finalmente encontramos uma agenda construtiva. O próprio Alto Representante propôs que nos concentrássemos nos assuntos onde pudéssemos ajudar uns os outros e encontrar um equilíbrio de interesses. Esses assuntos são as mudanças climáticas, proteger interesses, a economia e a população de nossos países, da melhor forma possível no contexto desse perigo natural. Além das questões de saúde, ciência e tecnologia. Acredito que seja suficiente para fazer progressos. Lembrei ao Alto Representante que há mais de dois anos estamos marcando tempo para a extensão do acordo intergovernamental russo-UE sobre cooperação em ciência e tecnologia. O problema é que a UE quer que o acordo mencione que a Crimeia não faria parte da Federação Russa. A escolha é entre abordar os aspectos atuais de nossas relações econômicas e promover tecnologia de ponta, e ficar preso a essa não questão.

Vladimir Solovyov: Por que a Europa decidiu que poderia apresentar-se como líder moral, com direito de nos dar aulas? Será que esqueceram a tragédia da Iugoslávia? E, falando de Navalny, podemos lembrá-los também de Julian Assange, cujo destino já ninguém discute.

Você mencionou os três prisioneiros políticos na Espanha, aos quais eles responderam arrogantemente que não há prisioneiros políticos, apenas políticos presos na Espanha. Imediatamente depois disso, Carles Puigdemont observou que não há três, mas nove deles na Espanha.

Sergey Lavrov: A propósito, quando tudo isso aconteceu, Carles Puigdemont e seus associados estavam na Bélgica, e vários outros estavam na Alemanha. As autoridades legais belgas e alemãs disseram que as acusações contra eles eram motivadas politicamente, mas as autoridades espanholas responderam que a Espanha tem as próprias leis, que devem ser respeitadas. Quando citei esse argumento durante a reunião com o Alto Representante Borrell, acrescentando que também temos nossas próprias leis, ele pôs-se a repetir que Navalny havia sido condenado ilegalmente, por razões políticas, e que seus direitos haviam sido violados. Também falamos sobre os comícios que Navalny e sua ‘equipe’, que atualmente vivem no exterior, organizaram ativamente e com objetivos de provocação. O Sr. Borrell reclamou que mil pessoas foram detidas e muitas delas foram processadas, e que o direito ao protesto pacífico está sendo rudemente pisoteado na Rússia. Ele estava especialmente preocupado com os três diplomatas expulsos. A equipe do Sr. Borrell falou deles durante o almoço.

Vladimir Solovyov: Não manifestou imediatamente suas preocupações, foi isso?

Sergey Lavrov: Disse-me que estava seriamente preocupado, quando saíamos da sala.

Vladimir Solovyov: O senhor sabia que os diplomatas estavam sendo expulsos?

Sergey Lavrov: Sim, sabíamos.

Vladimir Solovyov: A prisão estaria cronometrada para coincidir com a visita do Sr. Borrell?

Sergey Lavrov: Não, claro que não. A decisão foi tomada quando se soube a identidade dos diplomatas que participaram dos comícios de protesto. Imediatamente puseram-se a se lamentar. Que os diplomatas estariam apenas fazendo seu trabalho e cumprindo seu dever profissional. Que tivessem sido detidos “ilegalmente” e acusados de algo que não teriam feito. Seria assim, claro, se não estivessem participando de comícios ilegais. Lembramos a eles que o comício não apenas não fora autorizado e não tinha responsável conhecido, mas que seus organizadores sequer tinham planos para solicitar a autorização. Além disso, Leonid Volkov disse publicamente muitas vezes que eles não pediriam permissão, que simplesmente iriam para as ruas. Em si mesmo, já é mais do que simples violação da lei; é ação destinada a humilhar o Estado. Se você acredita que tomar as ruas nesta situação é seu dever profissional, você não é diplomata, é agente provocador.

Vladimir Solovyov: Além disso, ninguém cancelou ainda as restrições obrigatórias por causa da pandemia.

Sergey Lavrov: Convenções internacionais, incluindo as convenções de Viena de 1961 e 1963 sobre relações diplomáticas e consulares, convenções bilaterais e, por todos os meios, nossas convenções com a Estônia e a Suécia, estipulam firmemente a verdade fundamental de que os diplomatas gozam de imunidade e privilégios. Sim, mas nada disso os desobriga de respeitar as leis e regras do país anfitrião. A lei foi violada em primeiro lugar quando a permissão para realizar um comício não foi solicitada. As regras também foram violadas, pois existe uma ordem executiva presidencial e a ordem do prefeito de Moscou Sergey Sobyanin sobre restrições epidemiológicas que permanecem em vigor. As mesmas restrições aplicam-se em São Petersburgo e em outras cidades. Ou seja, tanto as leis quanto as regras foram violadas.

Vladimir Solovyov: Você também lhes deu um pen drive USB com informações sobre o que está acontecendo na Europa. Isso é verdade?

Sergey Lavrov: É verdade. Este pen drive pode ser atualizado literalmente diariamente. Há uma onda de protestos na Polônia nesse momento, que estão sendo brutalmente reprimidos com bastões e canhões de água. O Alto Representante da UE para Assuntos Exteriores e Política de Segurança disse que não teve a oportunidade de assistir ao conteúdo do pen drive antes de suas conversas em Moscou. Mas prometeu fazê-lo depois.

Vladimir Solovyov: Você enviou-lhe o pen drive antes das conversações?

Sergey Lavrov: Sim, com alguns dias de antecedência. Tenho certeza de que sabiam o que continha. O fato de ele ter se recusado a discutir o assunto dizendo que não teria assistido, mostra que eles perceberam que não têm nenhuma chance em um diálogo franco conosco. Essa narrativa incômoda e arrogante, que foi imposta ao Sr. Borrell para que ele a divulgasse aqui, está sendo colocada num contexto filosófico e político da mesma dimensão geopolítica. Foi o mesmo que aconteceu quando Josep Borrell relatava ao Parlamento Europeu e começou com ‘declarações’ de que a Rússia não conseguiu pôr-se à altura das expectativas, que seria sociedade democrática moderna fracassada, que os laços econômicos com a UE entraram em colapso, e que nós não respeitamos direitos humanos e afins.

Vladimir Solovyov: Bem, eles estão exigindo que se imponham sanções a nós, não estão?

Sergey Lavrov: Sim, estão.

Vladimir Solovyov: E já sei que meu nome está na relação dos sancionados.

Sergey Lavrov: Pense que você está em boa companhia.

Vladimir Solovyov: Sim, sou um dos que querem incluir na lista de sanções: Estou em boa companhia, é verdade. Serei o primeiro jornalista da história a ser ‘sancionado’.

Sergey Lavrov: Não necessariamente. Depende do que você chama de sanções. Os correspondentes de RT e Sputnik não podem obter credenciais de jornalistas em Paris. Descobri recentemente que um de nossos veículos de mídia entrou com um processo contra o Estado por não poder participar de uma coletiva de imprensa pelo Presidente Vladimir Putin. O argumento deles foi que, de acordo com a lei, se todos os requisitos forem cumpridos, o credenciamento deve ser concedido. Não estou ciente destas sutilezas, mas sei que a coletiva de imprensa deste ano está sendo realizada em conformidade com as exigências pandêmicas.

É fato que, sem nenhum coronavírus, apesar dos pedidos diretos ao governo francês, o acesso ao Palácio Elysée foi negado a jornalistas de RT e Sputnik. É claro que também devemos ter em mente a situação com o Sputnik na Estônia, onde foram abertos processos criminais contra os jornalistas.

Vladimir Solovyov: Sim, o nosso pessoal também tem encontrado dificuldades para trabalhar nos EUA. Recentemente, a secretária de imprensa da Casa Branca Jennifer Psaki apareceu com não sei quantos pretextos…

Sergey Lavrov: Sim. Mas voltando à alegação de que decepcionamos a UE, que não estaríamos correspondendo às suas expectativas e estaríamos nos afastando da Europa, que teríamos adotado uma trilha de autoisolamento deliberado… Bem… Aí já entramos numa espécie de salão de espelhos que deformam as imagens…

Os problemas entre nós e a UE começaram há muito tempo. Há muito tempo testam nossa paciência e boa vontade. Quando os estados bálticos e outros países do Leste Europeu foram admitidos na UE em 2004, perguntamos à EU se tinham certeza de que esses países estariam maduros o suficiente para serem admitidos como membros responsáveis dessa associação progressista. Foi-nos dito que sim, é claro, eles ainda têm algumas fobias do seu passado na URSS, mas não havia qualquer dúvida de que, tão logo se tornem membros da UE e da OTAN, eles se acalmam, e verão que não há motivos para tais fobias. Não. Aconteceu exatamente o contrário. Tornaram-se russofóbicos ainda mais obsessivos e estão pressionando a UE a abraçar idênticas posições russofóbicas. Em muitas questões, a posição da UE, supostamente ditada pela solidariedade, é determinada por uma minoria russofóbica agressiva.

Vladimir Solovyov: Por que eles escolheram a Alemanha e por que escolheram Navalny?

Sergey Lavrov: Acho que aconteceu simplesmente de ele aparecer ali, naquele momento. Se não fosse Navalny, seria outra coisa. Claramente, Navalny estava sendo muito seriamente preparado para isso, se pensarmos nos preparativos para o famoso filme. Nada disso teria sido possível sem o consentimento das autoridades alemãs.

Vladimir Solovyov: Você está falando de dados pessoais extraídos dos arquivos da Stasi e da fotografia de Vladimir Putin?

Sergey Lavrov: Sim, isso também.

Vladimir Solovyov: Mas Maria Pevchikh, que tinha vindo de Londres a Moscou para acompanhar Navalny em sua viagem, durante a qual ela lhe deu suas camisas, como disse Navalny, e que supostamente trouxe de volta uma certa garrafa de água, mais tarde desapareceu.

Sergey Lavrov: Ela trouxe de volta mais que uma garrafa de água.

Vladimir Solovyov: No processo, ou eles esqueceram a garrafa ou a garrafa cresceu e virou um tonel de água. Ela o acusou abertamente, dizendo que nem o Ministro das Relações Exteriores sabe que estes documentos estão disponíveis em acesso aberto, que é suficiente escrever uma carta.

Sergey Lavrov: Ela até disse, se bem me lembro, que teria feito o pedido.

Vladimir Solovyov: Não tão simples. Ela disse que só um cidadão alemão poderia pedir. Isto nos obriga a pensar sobre quem seria Maria Pevchikh.

Sergey Lavrov: Tenho ouvido debates sobre este assunto no canal Rossiya.

Vladimir Solovyov: Obrigado por assistir ao nosso canal.

Sergey Lavrov: Sem Rossya, não consigo dormir.

Vladimir Solovyov: Lá se vai o segredo das audiências: dormir sem desligar a TV.

Sergey Lavrov: Para começar, Maria Pevchikh tem-se cercado de mistério. Nossos colegas alemães ajudam-na a manter esse mistério. Antes de tudo: ninguém a viu depois que ela partiu a bordo daquele avião. A Procuradoria Geral da Rússia bombardeou seus colegas alemães com pedidos para honrar os compromissos assumidos no âmbito dos acordos de assistência em questões jurídicas. Em particular, também solicitamos uma reunião com Maria Pevchikh. Nossos colegas alemães responderam que não sabiam de seu paradeiro. No entanto, ela mesma escreveu nas mídias sociais que se encontrara com Navalny na Alemanha.

Vladimir Solovyov: Ela deu entrevistas.

Sergey Lavrov: Exatamente. Navalny tinha consigo, 24 horas por dia vários agentes de segurança alemães. Contamos aos alemães sobre isso, que ela tinha estado entre as pessoas no aeroporto de Berlim que vieram ver Navalny antes da partida do voo para Moscou dia 17/1/2021. Mas eles não nos permitem nem conversar com os médicos que forneceram tratamento médico a Navalny e encontraram vestígios de agentes tóxicos em suas amostras.

Vladimir Solovyov: Mas os médicos não encontraram nada.

Sergey Lavrov: Não, refiro-me aos médicos militares alemães. Eles também são médicos. Temos apontado em inúmeras ocasiões nas quais, que se os médicos Omsk não encontraram nada, e os médicos Charité tampouco, então os médicos Charité também podem ser acusados de ocultar provas do envenenamento de Navalny.

Muito tem sido dito sobre o Exército Alemão. Nada disso honra a Alemanha como país com atitude responsável em relação a seus compromissos internacionais. Primeiro, disseram que havia uma garrafa de água, e o pedido da Procuradoria-Geral mencionou-a. De repente, esquecem para sempre a garrafa e começam a falar sobre roupas. Depois voltaram a trazer as garrafas – e no retorno já são três! – alegando que, em duas delas, teriam sido encontrados vestígios de um agente tóxico. Mas os alemães, assim como os peritos franceses e suecos, que supostamente foram solicitados a avaliar os resultados dos testes alemães, e a Secretaria Técnica da Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPCW), não nos forneceram nenhuma informação. Recusaram-se a nos dar qualquer informação.

Vladimir Solovyov: Eu li o relatório da OPCW. Dizia claramente que aqueles peritos não encontraram nenhum traço de agente tóxico, apenas “biomarcadores do inibidor da colinesterase” nas amostras de Navalny, que não são idênticas, mas “têm características estruturais semelhantes” com certos produtos químicos tóxicos. E o relatório diz ainda que este inibidor de colinesterase não está na lista de agentes tóxicos. Por que eles continuam a repetir sempre e sempre as palavras “Novichok” e “agente tóxico”? O relatório da OPCW não diz isso.

Sergey Lavrov: Desde o caso Skripal, foi-nos dito que somente a União Soviética, e portanto a Rússia, teria a tecnologia de produção de Novichok. Apagam completamente os fatos que fornecemos e que estão disponíveis em livre acesso, e mostram que mais de cem invenções relacionadas com a chamada fórmula Novichok foram registradas nos EUA.

Vladimir Solovyov: Se bem me lembro, Hillary Clinton confirmou isto.

Sergey Lavrov: Sim, ela mesma.

Vladimir Solovyov: Também foi confirmado pelo presidente tcheco.

Sergey Lavrov: É verdade. Além disso, durante a história com o envenenamento dos Skripals, a Alemanha foi um dos países que apontou o dedo para nós, dizendo que nenhum outro país poderia ter a tecnologia de produção Novichok. Quando a Bundeswehr encontrou vestígios de uma substância semelhante à Novichok nas amostras de Navalny, perguntamos a eles como tinham sido capazes de determinar isso se eles mesmos nos disseram que nunca haviam realizado tal pesquisa. Sem resposta.

Basta observar que o ponto em questão não é Navalny. Esta não é apenas uma campanha ocidental coordenada de dissuasão da Rússia, mas uma campanha de dissuasão agressiva.

Vladimir Solovyov: Por quê?

Sergey Lavrov: Porque eles não gostam que tenhamos nossas próprias opiniões sobre os desenvolvimentos globais e que os expressemos abertamente e tomemos medidas práticas para defendê-los, ao contrário de um grande número de outros países que também têm suas próprias opiniões, mas não as divulgam. Falei com muitos ministros e outros funcionários, bem como com membros da sociedade civil, que dizem que não gostam do que o Ocidente está fazendo.

Vladimir Solovyov: Têm medo de dizer isso?

Sergey Lavrov: Claro que sim. Eles estão ligados ao dólar, aos investimentos e aos próprios filhos cujos estudos no exterior são pagos com o dinheiro que eles guardam lá. É um grande fator de contenção para a capacidade da elite para dizer o que pensa. Mas não temos o direito de permanecer em silêncio. Nossa história, nossos antepassados e nosso projeto genético não nos permitem tolerar insultos ou tentativas unilaterais de dominar tudo e todos.

Vladimir Solovyov: Estou ciente do que o senhor, pessoalmente, pensa sobre isso, então posso avaliar sua indignação diante do comportamento de Navalny no tribunal com relação àquele veterano e esse ato de intimidação… Mas o Ocidente também fez vista grossa. Afinal, seus emissários estavam sentados na sala de audiências, assistindo aos próprios subalternos que faziam seu trabalho.

Sergey Lavrov: Representantes das embaixadas da Grã-Bretanha e da França participaram desta sessão específica do tribunal. Foram nossos aliados durante a Segunda Guerra Mundial. Não vou nem comentar isso. Qualquer pessoa decente pode ver claramente o que está acontecendo. Voltando ao porquê de ser Navalny e nada mais, este “caso”, na linguagem de hoje, é ato deliberado. A data do retorno e a data de lançamento do filme tornam tudo isso muito óbvio. Mas, veja, agora que há uma onda de ataques à Rússia, ninguém fala do “envenenamento”. O que eles estão dizendo é que Navalny foi condenado ilegalmente e deve ser libertado.

Vladimir Solovyov: Isto já ficou impresso na consciência pública. Esta é uma mentira que já se enraizou, assim como no caso dos Skripals.

Sergey Lavrov: É por isso que continuaremos fazendo perguntas a eles. Recentemente, recebi uma carta aberta do Sr. Kozak, biólogo pesquisador que vive na Suíça. Respondi à carta dele.

Literalmente hoje, enviaremos um inquérito oficial à OPCW, Alemanha, França e Suécia com um pedido para que comentem as descobertas de Kozak, feitas com base nas publicações que fundamentam e analisam o que aconteceu com Navalny, os biomateriais que foram obtidos dele e testados no Ocidente. De um ponto de vista puramente científico, esse pesquisador levanta uma série de questões relacionadas à ciência biológica e química.

Vladimir Solovyov: Li os documentos do Sr. Kozak e sua resposta. Curiosamente, os documentos da Lancet mostram um teste de sangue com lítio. Comecei a olhar atentamente vários documentos sobre o lítio e conversei com os profissionais. Curiosamente, houve vários estudos relatando o efeito do excesso de ingestão de lítio sobre os inibidores de colinesterase. É complicado. Nem estou falando das doenças que são tratadas com lítio. Claramente, precisamos consultar os psiquiatras sobre isso. No entanto, o silêncio completo do outro lado é surpreendente. Eu não acho que a Alemanha seja uma escolha aleatória. George Friedman da Stratfor escreveu certa vez que a aliança entre a Rússia e a Alemanha representava uma ameaça existencial para os estados Unidos. O objetivo é evitar uma melhoria nas relações entre nossos dois países. Ninguém esperava que a Alemanha fizesse parte deste ataque direto à Rússia. Afinal de contas, Navalny não foi levado para Porton Down no Reino Unido. A Alemanha foi sua primeira escolha.

Surpreendentemente, este filme, se estamos falando de Gelendzhik, consegue não dizer sequer uma palavra de verdade. Tudo é imaginário em 3D. Mas o Ocidente foi infectado por essa mentira. Eles estão fazendo o melhor que podem para que essa verdade não seja desmascarada.

Sergey Lavrov: Tenho certeza de que os estados Unidos não precisam de nós para ter boas relações com a Alemanha. O mesmo vale para os países europeus. A Grã-Bretanha também não precisa disto. Assim como o Ocidente não precisava de Alemanha unida. A União Soviética foi a principal proponente de uma Alemanha unificada.

Vladimir Solovyov: Primeiro, a preservação da Alemanha.

Sergey Lavrov: Sim. Eu já estou falando dos tempos modernos. O Ocidente estava muito preocupado na época e relutantemente concordou em reunificar a Alemanha. Operávamos com a crença de que o povo alemão tem o direito de ser uma nação, que é seu destino histórico como nação. Aqui se observa alguma coisa (bem engraçada) sobre dois pesos e duas medidas. Quando mencionei isto na Conferência de Segurança de Munique em 2015 e disse que estávamos fazendo deliberadamente o que fazíamos, entendendo as aspirações do povo alemão, e enfatizei que seria importante para outros países tratar a reunificação da Crimeia com a Rússia mais ou menos na mesma linha – como uma manifestação da vontade do povo da Crimeia; que na Crimeia, sim, houve um referendo, mas não na Alemanha.

O público foi tomado por um ataque de histeria. Os deputados alemães gritaram coisas como “Como ousam comparar essas coisas?” Tenho visto essa arrogância entre alemães, nos últimos anos. Há aí um enorme subtexto… Nada dizem em voz alta, mas a mensagem é clara: “Caros amigos, pagamos nossas contas. Não devemos mais nada a ninguém”.

Vladimir Solovyov: Daí a revisão dos resultados da Segunda Guerra Mundial e a tentativa de equiparar a União Soviética à Alemanha nazista.

Sergey Lavrov: Isso é verdade. Uma parte bastante grande de sua elite está seguindo esta política. Há pessoas que querem que a Alemanha perca todas as suas chances de desfrutar de uma cooperação normal conosco. Ao mesmo tempo, ainda há lá vozes de sanidade. Recentemente, o Presidente da República Federal da Alemanha Frank-Walter Steinmeier disse que era sempre melhor discutir as coisas, estar atento ao futuro e operar com base nos interesses nacionais ao abordar as questões mais desafiadoras. Até agora, ele tem sido o único político estrangeiro a mencionar nosso passado. Ele disse que 2021 marcou 80 anos desde a invasão da Alemanha nazista à União Soviética. Isto não é nada menos do que coragem política na Alemanha moderna.

Existem várias organizações públicas, como as Reuniões de Potsdam, ou o fórum do Diálogo de São Petersburgo. Essa data não pode passar despercebida. Quando Vladimir Putin foi eleito presidente pela primeira vez, nós declaramos a reconciliação histórica de nossas nações. Agora, quando eles estão tentando nos colocar uns contra os outros (há pessoas que querem fazê-lo dentro e fora da Alemanha), esta data poderia servir como uma importante mensagem psicológica no sentido de que a lógica de confronto deve ser abandonada e tudo não deve ser visto como uma oportunidade para impor mais sanções à Rússia.

Falando no Bundestag, meu colega alemão Heiko Maas, Ministro das Relações Exteriores, disse que o Nord Stream 2 deve ser preservado, mas somente para ter uma alavanca para controlar a Rússia. Aqui novamente vem a lógica de “quem tem influência sobre quem”. Parece-me que os projetos energéticos soviéticos e russos na Europa sempre foram base material para interdependência positiva. É sempre bom quando os países dependem um do outro em termos de economia. Isso facilita a superação de muitas outras questões. O Sr. Maas disse então que a Alemanha deveria considerar sanções contra a Rússia por causa do caso Navalny, e “está tudo bem” que eles não conseguiram atingir seu objetivo mais cedo. Mais importante ainda, seria dado um sinal de que as ações de Moscou não passariam despercebidas. As sanções são impostas a fim de se darem por satisfeitos por cumprir a “punição”. Mas as sanções não levam a lugar algum e não podem resultar em mudança em nosso rumo na defesa de nossos interesses nacionais.

Vladimir Solovyov: Elas levam à consolidação de nossa sociedade.

Sergey Lavrov: O que estou dizendo é que elas não são propícias a alcançar os objetivos que o Ocidente nos estabeleceu.

Vladimir Solovyov: Eles não entendem nossa lógica, nossa sociedade. Por exemplo, Yulia Navalnaya voa repentinamente para a Alemanha, apesar das restrições do coronavírus.

Sergey Lavrov: Eu li sobre isso. Poderíamos perguntar aos alemães se eles sabem alguma coisa sobre as regras especiais criadas para ela. Mas não vão responder. Acho que não há necessidade de perguntar até que esta história adquira uma dimensão que afete nossa legítima exigência de que os alemães digam o que exatamente encontraram nos testes de Alexey Navalny.

Vladimir Solovyov: Eles sequer se preocupam em entrar em diálogo conosco.

Sergey Lavrov: Eles não têm argumentos, mas não vamos deixar isso assim.

Vladimir Solovyov: Em toda esta situação, estou muito preocupado com Donbass. A Rússia, como um dos garantidores dos Acordos de Minsk, não tem outra escolha senão manter o diálogo com nossos colegas alemães e franceses. Aparentemente, eles perderam de vista seu papel nesse diálogo, e não sabem mais por que estão ali. A guerra em Donbass já se arrasta há sete anos. Essa não é função direta do Ministério das Relações Exteriores russo, mas é uma tragédia para essas pessoas. E você tem que olhar seus colegas nos olhos durante todo este tempo. Eles parecem não querer nada lá, apenas esperar por uma mudança de governo na Rússia. Eles acham que estamos alheios a isso e vão fazer o jogo deles.

Sergey Lavrov: Essa é uma história triste, e a cada dia que passa está assumindo uma natureza cada vez mais perversa. Paris e Berlim agora quase inquestionavelmente exigem que as questões sejam resolvidas apenas no formato da Normandia, o que significa sem Donbass. Argumentamos que os acordos de Minsk dizem que o Grupo de Contato formado sob esses acordos deve resolver questões diretamente entre Kiev, Donetsk e Lugansk. Eles nos dizem que não, o Grupo de Contato desempenha um papel de apoio, enquanto tudo será decidido no formato Normandia, e Donetsk e Lugansk receberão soluções prontas. É uma péssima posição em relação às pessoas que foram declaradas terroristas, embora nunca tenham atacado ninguém. Eles ainda são considerados terroristas, só porque expressaram insatisfação com o que estava acontecendo em Kiev, e declararam seus movimentos inconstitucionais, e pediram para serem deixados em paz. Na verdade, eles foram atacados pelo regime ilegal que chegou ao poder como resultado de um golpe de estado.

O Ocidente tudo engoliu: o próprio golpe e a nova abordagem russófoba de seus instigadores em relação à língua russa na Ucrânia, ou sua retórica de banir tudo que seja russo. Em resposta a isso, o povo revoltou-se, num plano político. Donbass disse que queria ser independente, e mais tarde concordou com as negociações, e a Crimeia votou pela reunificação com a Rússia. A onda russofóbica que trouxe consigo as mudanças geopolíticas na Ucrânia e na Crimeia tinha sido aprovada pelo Ocidente, ou pelo menos o Ocidente não se opôs a ela e até a encorajou em certa medida. Mas a Rússia foi punida por isso.

Vladimir Solovyov: Mas nós aguentamos. Por alguma razão, não podemos simplesmente dizer-lhes que, se não vão cumprir os acordos de Minsk, então decidiremos o destino do povo russo lá. É nosso legítimo direito proteger os interesses de nossos compatriotas.

Sergey Lavrov: Nós os estamos protegendo. Não apenas na Ucrânia, mas também nos países Bálticos e em outros países. Isto não é nem desamparo, por parte da UE. Acho que é uma política consciente de fazer vista grossa aos russos que são perseguidos, seja a mídia ou a população de língua russa. No Báltico, negam-lhes o acesso à informação em sua língua nativa, ao contrário do que é garantido pelas leis locais e convenções internacionais. Essa atitude em relação aos problemas de língua russa na União Europeia, bem como suas histórias de que eles têm seus próprios mecanismos e os usarão para influenciar a situação, tudo isso é mentira. Nada farão, não levantarão um dedo para trazer os bálticos à razão e fazê-los parar com aquela histeria russófoba. Nem imagino que possa acontecer.

Mas voltemos à Ucrânia. Estamos interessados em manter os acordos de Minsk em cima da mesa. Eles foram aprovados pelo Conselho de Segurança da ONU e contêm acordos que são muito difíceis de abandonar.

Vladimir Solovyov: Eles não estão cumprindo.

Sergey Lavrov: Não, não estão. Significa que Donbass está vivendo do jeito que vive agora. Como você deve se lembrar, com relação aos acordos de Minsk e ao mecanismo de conformidade no Grupo de Contato e no formato da Normandia, temos aceito repetidamente um compromisso, como a fórmula Steinmeier. Originalmente, os acordos de Minsk exigiam que o Donbass recebesse um status especial e, em seguida, que a eleição fosse realizada. A fórmula de Steinmeier estipula a provisão gradual deste status.

Vladimir Solovyov: Por que ir ao encontro deles na metade do caminho se eles tomam isso como garantido e nunca retribuem? Sei que você é um diplomata e eu sou um defensor de soluções fortes.

Sergey Lavrov: Vou lhe dar um exemplo. Tomemos, por exemplo, a reiterada e grosseira violação da Carta da ONU pelos EUA e aliados. Entretanto, ninguém está sugerindo que deixemos a ONU e rasguemos nossa assinatura sob a Carta das Nações Unidas. Se existe um documento completamente “inatacável” e alguém está tentando justificar seu descumprimento com garantias ridículas, nós tratamos de extrair daí algum benefício diplomático.

Vladimir Solovyov: Nós podemos ficar. Mas talvez precisemos agir de uma maneira completamente diferente.

Sergey Lavrov: Como? A vida toma seu próprio rumo. Donbass aprendeu a viver em uma situação de bloqueio ilegítimo, que os franceses e os alemães “recusam-se a ver”. Em vez disso, eles nos importunam com a exigência de abrir mais dois postos de controle. Mas não se trata aqui de levantar o bloqueio. Os acordos de Minsk não se referem aos postos de controle, mas ao desbloqueio total dos laços econômicos.

Vladimir Solovyov: Por que falar com eles? Eles mesmos não decidem nada. Precisamos conversar diretamente com os americanos.

Sergey Lavrov: Acho que seria a coisa errada a fazer. Trocamos opiniões com os americanos sobre a Ucrânia quando eles tinham um representante especial para este conflito. Acho que não devemos chamar os EUA para influenciar seus “subalternos” e dizer que não temos nenhuma utilidade para os acordos de Minsk.

Vladimir Solovyov: Eles mesmos não decidem nada. Já não adianta nem lembrar o nome de mais um daqueles ministros das Relações Exteriores.

Sergey Lavrov: O processo que estamos observando agora, sendo obrigatório que os acordos de Minsk sejam mantidos sobre a mesa, significa que o descrédito da liderança ucraniana está em pleno andamento.

Vladimir Solovyov: Você está jogando xadrez com eles, e eles estão jogando damas com você.

Sergey Lavrov: Nós não estamos jogando xadrez com eles. Não estamos conversando completamente com eles. Aqui estão os acordos de Minsk. Vá em frente e cumpra-os. Ponto final.

Vladimir Solovyov: Eu gosto disso. Sem moções extras. E se eles não cumprirem?

Sergey Lavrov: Deixe-os explicar ao seu próprio público por que não cumprem acordos.

Vladimir Solovyov: Em seu próprio país, eles explicam que é normal fechar três canais, com sanções impostas a um de seus próprios cidadãos, um deputado do Parlamento da Ucrânia (Verkhovna Rada).

Sergey Lavrov: Os americanos disseram que isso seria o certo a fazer. A Europa resmungou (desculpe por este termo não diplomático) algo, no sentido de que eles iam pensar no caso. O que mais haveria para pensar? A liberdade de expressão existe, ou não existe.

Vladimir Solovyov: Não há liberdade de expressão.

Sergey Lavrov: A Ucrânia quer que os acordos de Minsk deixem de existir. OK, que digam o que quiserem. O presidente Zelensky diz que os acordos de Minsk são ruins, mas que ajudam a manter vigentes as sanções contra a Rússia. Estamos dizendo aos alemães e aos franceses: os senhores escreveram que retomariam comunicação normal com a Rússia, uma vez cumpridos os acordos de Minsk, embora não haja nenhuma menção a nós lá. Os acordos só falam apenas de Kiev, Donetsk e Lugansk. Portanto, se eles mantiverem intactos seus cinco princípios que exigem que Moscou cumpra os acordos de Minsk, o Presidente Zelensky responderá dessa forma. Ele não está fazendo nada.

Dizem que a Rússia deve cumprir, mas as sanções permanecem em vigor, o que o deixa Zelenski feliz.

Francamente, estou até satisfeito com essa situação de sanções. Ainda não totalmente, mas já percebemos que devemos confiar somente em nós mesmos. Não, não queremos autoisolamento. Queremos tirar proveito da divisão internacional do trabalho. Mas se alguém diz que haverá concorrência, mas seremos “cortados” daqui, daqui e também dali… Como disse o Ministro Maas, eles vão impor sanções apenas para garantir que nossas ações não passem despercebidas. Que tipo de parceiro confiável seriam eles, nesse caso?

Vladimir Solovyov: Esta frase feriu a sensibilidade deles…

Sergey Lavrov: Primeiro, já dissemos isso não há um ano, mas há alguns anos, quando as sanções estavam sendo impostas, e a substituição de importações foi discutida. Depois, eles começaram a lamentar, porque estávamos respondendo às sanções, significando que eles podiam ter boas razões para impô-las, mas nós, não. Era impressionante vê-los agir como crianças de jardim de infância, não como políticos.

Eu li trechos da imprensa estrangeira. O Suddeutsche Zeitung alemão escreveu há alguns dias que é necessário pensar duas vezes antes de agir emocionalmente e impor “sanções em nome de sanções”, porque o lado punitivo deve entender que as sanções também ameaçam os próprios alemães, pois deixam de ser vistos como parceiros confiáveis. Portanto, não somos os únicos a tirar essas conclusões que, de minha parte, subscrevo.

Vladimir Solovyov: Estamos nos encaminhando para uma ruptura com a UE?

Sergey Lavrov: Acreditamos que estaríamos prontos para isso. Somos vizinhos. Falando coletivamente, eles são nosso maior parceiro comercial e de investimento. Muitas empresas da UE operam aqui; há centenas ou até milhares de joint ventures. Quando uma empresa beneficia ambos os lados, nós continuaremos.

Tenho certeza de que nos tornamos totalmente auto-suficientes na esfera da Defesa. Devemos também alcançar a mesma posição na economia para podermos agir de acordo com isso, se virmos novamente (vimos mais de uma vez) que sanções são impostas em uma esfera onde podem criar riscos para nossa economia, inclusive nas áreas mais sensíveis, como o fornecimento de componentes.

Não queremos ficar isolados do mundo, mas devemos estar preparados para isso. Se você quer paz, prepare-se para a guerra.

Vladimir Solovyov: Deve-se dizer que nossa vacina contra o coronavírus veio como um golpe para eles. Nunca esperaram que fosse acontecer. Acontece que eles não sabem nada sobre a Rússia e não entendem a Rússia. Estão chocados ao ver que nossa economia não está em farrapos, e que temos pesquisa e cientistas [avançados].

Sergey Lavrov: Foi Barack Obama quem disse que a economia da Rússia estava em farrapos. Eles não aprenderam com os erros dos outros. E parece que eles tampouco são capazes de aprender com seus próprios erros.

Vladimir Solovyov: Você vai sentir falta do Presidente Donald Trump?

Sergey Lavrov: O presidente Trump é uma pessoa extraordinária. Lembro-me de meus dois encontros com ele, uma vez quando estava em visita a Washington, e também das conversas que ele teve com o Presidente Vladimir Putin, nas quais eu participei.

Donald Trump é um político notável, atuando a partir de sua própria experiência. Onde há benefício, tudo deve ser feito para maximizá-lo; onde não há benefício, deixe as coisas seguirem seu curso.

Quanto ao respeito às nossas leis, espanholas ou americanas, estou chocado com o processo do impeachment. As acusações apresentadas contra ele… Você pode assistir e ouvir os vídeos em que Trump fala…

Vladimir Solovyov: E não encontrar nada de criminoso neles?

Sergey Lavrov: Nada! Basta compará-los com o que Leonid Volkov ou Vladimir Ashurkov estão dizendo. Como dizem muitas pessoas, nunca exortaram jovens e crianças a saírem às ruas? Não, não o fizeram. Mas eu já os ouvi dizer: “O que haveria de errado em as pessoas saírem às ruas para defender suas posições?”

Vladimir Solovyov: Certo. Exatamente o que Volkov disse.

Sergey Lavrov: Eles acreditam que se as crianças quiserem participar de um comício de protesto, devem poder participar e nada há de errado em aprender a ser parte da sociedade civil.

Vladimir Solovyov: Durante suas reuniões com agentes secretos estrangeiros, Vladimir Ashurkov pediu US$ 10 a US$ 20 milhões e ofereceu-se para compartilhar informações sobre um banco russo [supostamente envolvido em corrupção].

Sergey Lavrov: Mostramos tudo isso. Mas é como falar com um muro de tijolos. O Ocidente não vê isto, assim como não presta atenção aos nossos argumentos sobre o suposto envenenamento (de Navalny). Só querem o nosso arrependimento.

Vladimir Solovyov: Mas nós também mudamos, não mudamos? Não reagimos mais tão nervosamente como antes. Eu estou preocupado com você. O recém-nomeado Secretário de Estado norte-americano Antony Blinken é o nono Secretário de Estado norte-americano com quem você trabalhará. Você disse que tem que recitar a história das relações russo-americanas a cada novo nomeado.

Sergey Lavrov: Isto me faz lembrar uma frase antiga: “Você é meu primeiro”. Já tive uma conversa com Antony Blinken. Acredito que tenha sido uma conversa normal. Concordamos que há muitos problemas entre nós.

Vladimir Solovyov: Você concordou em não concordar?

Sergey Lavrov: Sim, dificilmente podemos concordar com a maioria desses problemas. Mas é claramente inevitável que devemos continuar nosso diálogo sobre estabilidade estratégica e tentar reparar os danos causados pelos “especialistas em desarmamento” da administração americana anterior. Chegou-se a um acordo sobre a prorrogação do Novo Tratado de Redução de Armas Estratégicas (New START).

Vladimir Solovyov: Mas nossa posição permaneceu inalterada, não foi? Foram os americanos que hesitaram, não nós.

Sergey Lavrov: Sim, permaneceu inalterada.

Quanto à forma como nossas atividades de política externa estão sendo cobertas por alguns meios de comunicação, alguns jornalistas neoliberais escreveram que, assim que o Presidente dos EUA Joe Biden estalou seus dedos, o Presidente russo Vladimir Putin assinou imediatamente um acordo para estender o Novo Tratado START.

O problema foi resolvido nesse mesmo dia, embora antes disso, o Ministério das Relações Exteriores russo tivesse dito que exigia um longo procedimento de acordo com nossas leis (várias semanas). Portanto, foi tudo uma mentira, concluíram eles.

Não vou revelar nenhum grande segredo. Direi apenas que esperávamos que o bom senso prevalecesse com o Presidente dos EUA, Joe Biden. Poucas semanas antes de sua posse, fizemos todos os preparativos necessários sob nossa legislação para concluir um acordo para prorrogar o Novo Tratado START.

Vladimir Solovyov: Joe Biden disse no verão passado que essa seria uma de suas prioridades.

Sergey Lavrov: Não estava 100% garantido.

Vladimir Solovyov: Mas ele falou sobre isso.

Sergey Lavrov: Em outras palavras, nós simplesmente nos preparamos antecipadamente para um cenário otimista para evitar problemas de tempo. É que às vezes nosso compromisso com a prorrogação do Tratado é mostrado de forma perversa – como dizem, Joe Biden o propôs, e Vladimir Putin concordou.

Vladimir Solovyov: Quer conhecer uma teoria da conspiração?

Sergey Lavrov: Continue.

Vladimir Solovyov: Que tal Vladimir Putin ajudar a substituir Donald Trump por Joe Biden porque Trump não concordou em estender o Novo START?

Sergey Lavrov: Tenho certeza de que foi isto o que aconteceu. Posso dizer apenas uma coisa a todos que estão procurando uma intriga sobre quem é mais importante, ou se a Rússia está fazendo a vontade dos estados Unidos ou de outra pessoa.

Na verdade, o presidente russo Vladimir Putin não se importa realmente com quem mais tarde ficará com os louros. Se chegarmos a um acordo que seja bom, útil e importante para nós e para o mundo inteiro – seja no desarmamento ou em qualquer outra coisa – é um prazer para nós.

Vladimir Solovyov: Ministro Lavrov, onde termina sua liberdade? E por onde ela começa? A Constituição diz que o Presidente determina a política externa do país.

Sergey Lavrov: Minha liberdade termina onde começa a de outro. Mas isso não está na Constituição.

Vladimir Solovyov: Quão livre você é em matéria de política externa?

Sergey Lavrov: Existe o conceito de política externa da Federação Russa que foi atualizado há vários anos. Foi aprovado pelo Presidente. Temos documentos de doutrina, que cobrem as áreas geográficas regionais. São sigilosos, como em qualquer outro país, mas são baseados no Conceito de Política Externa ao qual o público tem pleno acesso.

Além das áreas geográficas, cujos documentos doutrinais também são aprovados pelo Presidente, há áreas como estabilidade estratégica, controle de armas, etc. Isto também é relatado ao Presidente coletivamente por todos os departamentos envolvidos, como serviços de segurança, o Ministério da Defesa e o Conselho de Segurança. Uma vez que esteja já coordenada uma política comum, é ela que orienta a ação.

Vladimir Solovyov: Você não tem cada passo supervisionado?

Sergey Lavrov: Não. O Presidente confia em mim. Se temos uma diretiva que ele aprovou, seja na política externa ou em outro lugar, você deve agir independentemente para atingir os objetivos que ele estabelece. Se você tem ou não sucesso é uma questão à parte.

No caso de situações não convencionais que não são cobertas pelas abordagens estabelecidas, temos reuniões semanais, ou mais frequentes, dos membros permanentes do Conselho de Segurança, onde discutimos abertamente estes assuntos. É sempre uma decisão colegiada.

Vladimir Solovyov: Há tempo suficiente para o FC Spartak?

Sergey Lavrov: As férias de inverno estão chgando ao fim. Sinto falta de futebol.

Vladimir Solovyov: O senhor ainda joga futebol?

Sergey Lavrov: Sim, aos domingos. Domingo passado, jogamos ao ar livre, apesar de estarmos com 15 graus abaixo de zero.

Vladimir Solovyov: O senhor fez gol?

Sergey Lavrov: Minha modéstia à parte, mas devo dizer que … sim! Mas não sou artilheiro. Prefiro jogar nas assistências.

Vladimir Solovyov: Como Lionel Messi?

Sergey Lavrov: Messi é um grande artilheiro.

Vladimir Solovyov: Sim, mas também é mestre em passar a bola.

Sergey Lavrov: É verdade.

Vladimir Solovyov: E seu caiaque? E o Rafting?

Sergey Lavrov: Não no inverno… No verão, sim.

Vladimir Solovyov: Poesia?

Sergey Lavrov: Honestamente, há muito tempo não faço poesia de verdade. Por enquanto, só epigramas para os aniversários dos meus amigos. Alta poesia dá muito trabalho.

Vladimir Solovyov: O atual governo russo tem alguns escritores talentosos.

Sergey Lavrov: Eles escrevem poesia? Ou…

Vladimir Solovyov: Poesia, sim, não cartas uns para os outros.

Sergey Lavrov: Não sabia. Sei que Arkady Dvorkovich escreveu poesia quando trabalhou no governo, e que continua a escrever, provavelmente. O Primeiro Ministro Mishustin escreveu letras para muitas peças musicais populares. É uma maneira romântica de escapar do dia-a-dia. Mas não significa que sejamos românticos em questões práticas. Os russos somos realistas.

Vladimir Solovyov: Pé na terra?

Sergey Lavrov: Pode-se dizer que sim. E dose saudável de cinismo nunca fez mal à política.

Vladimir Solovyov: Você prepara com antecedência suas memoráveis ‘tiradas’? Ou eles simplesmente saem, por conta própria, sempre “matadoras”? Algumas já se tornaram lendárias, apesar de você negar a autoria.

Sergey Lavrov: As palavras foram aquelas, mas em outra ordem… Se você está pensando o que eu estou pensando.

Vladimir Solovyov: Você disse ao ex-secretário britânico das Relações Exteriores David Miliband: “Quem é você para me passar sermão?”

Sergey Lavrov: Bem, e você? Prepara todas as falas com antecedência? Não estou dizendo que eu sou um Viktor Chernomyrdin, que nunca preparou piadas com antecedência. Ele foi uma força da natureza. Mas, não, não preparo minhas piadas com antecedência.

Vladimir Solovyov: Você faz amizade com seus colegas internacionais, quando se sentem que se entendem bem?

Sergey Lavrov: Há muitos deles. Tenho medo de enumerá-los.

Vladimir Solovyov: Para que não sejam perseguidos?

Sergey Lavrov: Muitos deles ocupam cargos muito altos na União Europeia. Eles são bons rapazes. Não quero desistir deles.

Vladimir Solovyov: A coisa está assim tão ruim?

Sergey Lavrov: Acho que sim. Afinal de contas, somos “tóxicos”. Quero dizer, para eles.

Vladimir Solovyov: Para nós? Eu acho que é o contrário: somos os únicos que seguimos nossos princípios.

Sergey Lavrov: Eles pensam que somos “tóxicos”, mas não nos importamos. Se eles querem relações de trabalho cordiais (o Presidente da Rússia Vladimir Putin e o Ministério das Relações Exteriores disseram isto muitas vezes), a fundação tem de ser de respeito mútuo, não interferir nos assuntos internos um do outro e cooperar em questões de interesse mútuo. O único resultado possível de tais conversações é o equilíbrio entre nossos interesses e não apenas o nosso consentimento a suas propostas.

Vladimir Solovyov: Os ataques pessoais, insultos e tentativas de difamar os membros de sua família chegam até você?

Sergey Lavrov: Pessoalmente, não leio sobre isso. Às vezes, uma pessoa bem-intencionada chama minha atenção para uma ou outra conversa. Por exemplo, há seis ou sete meses mostraram-me um relatório (anônimo como sempre) sobre um meu filho ilegítimo que trabalha no departamento de instalações do Ministério das Relações Exteriores.

Vladimir Solovyov: Que surpresa agradável!

Sergey Lavrov: Mas nunca apareceu para visitar o pai. Aparentemente, está bem de dinheiro.

Vladimir Solovyov: Você é realmente afortunado de poder ter uma atitude tão leve e irônica em relação a tudo isso. Então, eles não conseguem, porque o senhor não se deixa levar por isso?

Sergey Lavrov: Não creio que um membro do governo, o governo, incluído o Ministro das Relações Exteriores, deva se deixar abalar. Para ser honesto, acho que é fácil lidar com isso. Mas aqueles que se deixam abalar mais têm de manter seus sentimentos perfeitamente justificados para si mesmos.

Como diz o velho ditado de Hollywood: “Nunca deixe que vejam você suar”.

Vladimir Solovyov: Obrigado, Sr. Lavrov.

Sergey Lavrov: Obrigado por uma conversa tão interessante.*******

 

Esse artigo foi retirado do site  “O Ministério das Relações Exteriores da Federação Russa”, do dia 12 de fevereiro de 2021.

Tradução: Coletivo Vila Mandinga 

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