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Esclarecimentos sobre o resultado contábil da Petrobrás em 2020

Por Paulo César Ribeiro Lima

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Paulo César Ribeiro Lima
Paulo César Ribeiro Lima
Foi funcionário do Banco do Brasil e servidor do Banco Central. Depois de se formar em engenharia, na Universidade Federal de Minas Gerais, foi aprovado em concurso da Petrobrás, onde trabalhou por cerca de 16 anos. Por ter sido o primeiro colocado, escolheu o Centro de Pesquisas da Petrobrás (Cenpes), onde trabalhou no desenvolvimento de tecnologias para exploração e produção de petróleo em águas profundas. Fez mestrado em engenharia na Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutorado na Universidade de Cranfield na Inglaterra. Sua tese de doutorado foi premiada como a melhor tese da Escola de Engenharia. Também foi professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – COPPE e do Instituto de Ensino Superior Planalto. Em 2002, fez concurso para Consultor Legislativo do Senado e da Câmara dos Deputados para a Área de Economia-Minas e Energia; foi aprovado em ambos. Ao longo dos seus 15 anos de trabalho como Consultor Legislativo, participou ativamente do processo legislativo no Congresso Nacional, com destaque para os novos marcos legais do Pré-Sal, dos royalties para a educação e saúde, dos biocombustíveis, do setor elétrico e do setor mineral. Depois de 38 anos de trabalho formal, aposentou-se em 2018. Atualmente, é consultor da Advocacia Garcez em Brasília.

No dia 24 de fevereiro de 2021, a Petrobrás anunciou que conseguiu reverter a trajetória do resultado contábil nos primeiros nove meses do ano e alcançou o lucro líquido de R$ 59,9 bilhões no quarto trimestre de 2020. No resultado consolidado de 2020, a estatal obteve lucro líquido de R$ 7,1 bilhões.

A reação de alguns meios de comunicação foi imediata. Importante sítio da internet publicou a seguinte manchete: “Lucro da Petrobras é o maior já registrado na história da Bolsa brasileira”[1].

Um jornal de grande circulação publicou “A doce ironia de Castello Branco e um tapa de luva de R$ 59 bilhões em Bolsonaro”[2]. Outra matéria desse mesmo jornal tem o seguinte título: “Após lucro recorde, Petrobras repassará R$ 2,9 bi a União”[3].

Nesse contexto, é muito importante apresentar alguns esclarecimentos sobre o resultado contábil da Petrobrás no exercício de 2020.

No primeiro trimestre de 2020, a estatal apresentou um prejuízo contábil de R$ 48,5 bilhões, o pior resultado da empresa em um trimestre. Esse prejuízo foi consideravelmente afetado pela “perda no valor recuperável” de ativos no valor de R$ 65,3 bilhões derivada da realização de teste de impairment.

A mais relevante causa para essa perda foi a inadequada projeção da Administração da estatal para o preço do Brent, que mudou de US$ 65 por barril para a escala mostrada na Figura 1[4].

Figura 1: Escala do Brent para cálculo do impairment no primeiro trimestre

Fonte: Petrobrás

O Brent médio em termos reais no ano de 2020 foi US$ 41,96 por barril e não de US$ 25,00 como projetado pela Administração da Petrobrás, liderada pelo Sr. Roberto Castello Branco.

Para o ano de 2021, o Administração da estatal tinha previsto um Brent médio de US$ 30,00 por barril. Em 2021, até o dia 22 de fevereiro de 2021, o Brent médio foi de US$ 57,68 por barril. No dia 22 de fevereiro de 2021, o preço do Brent foi de US$ 64,73 por barril.

Observa-se, então, quão equivocada foi a projeção feita pela equipe do Sr. Roberto Castello Branco, que levou a uma “perda contábil” de R$ 65,3 bilhões no primeiro trimestre de 2020.

Se nada fosse feito, em razão das equivocadas projeções, a Petrobrás apresentaria um prejuízo bilionário no exercício de 2020. Veio então a solução: a reversão parcial dos “equivocados impairments”. No resultado do quarto trimestre de 2020, a estatal apresentou uma reversão de perdas por impairments de R$ 31 bilhões[5].

Apesar dessa reversão, no resultado consolidado da Petrobras do exercício de 2020, a perda anual no valor de recuperação de ativos (Impaiment) foi R$ 34,26 bilhões, conforme mostrado na Figura 2; no resultado anual da controladora, essa perda foi de R$ 43,34 bilhões.

Também é importante ressaltar que a Petrobrás ainda é uma empresa de elevado lucro bruto. Nos resultados consolidados de 2020 e 2019, esse lucro foi de, respectivamente, R$ 123,96 bilhões e R$ 122,11 bilhões. Esses elevados lucros, entretanto, não geram justo pagamento de tributos.

Conforme mostrado na Figura 2, no resultado consolidado, o lucro da Petrobrás antes dos impostos foi de apenas R$ 37 milhões. Ou seja, praticamente não houve lucro. Essa ausência de lucro decorre de duas grandes deduções: despesa de vendas, de R$ 25,02 bilhões, e impairment de R$ 34,26 bilhões.

Geralmente, o impairment não é dedutível para fins de tributação, a menos que haja venda ou baixa[6]; ou seja, os impairments são after-tax.

Figura 2: Demostração do Resultado da Petrobrás

Fonte: Petrobrás

No ano de 2019, a despesa de vendas no resultado consolidado foi muito menor: R$ 17,75 bilhões. Em 2018, a despesa de vendas foi de apenas R$ 13,94 bilhões. Esse grande aumento da despesa de vendas decorreu, principalmente, da venda de ativos de transporte de gás natural. Em 2019, a Transportadora Associada de Gás S.A.- TAG, proprietária dos gasodutos das regiões Nordeste e Norte, foi privatizada com a venda de 90% das ações por R$ 33,5 bilhões[7].

No fluxo de caixa consolidado da Petrobrás de 2019, os recebimentos pela venda de ativos foram de R$ 41,05 bilhões. Nesse ano, a estatal teve um “melhor” resultado financeiro por causa da venda de ativos estratégicos, mas que compromete os resultados seguintes, como já ocorreu em 2020. De 2018 a 2020, a despesa de vendas, por exemplo, aumentou de R$ 13,94 bilhões para R$ 25,02 bilhões.

Como já mencionado, o lucro consolidado da Petrobrás antes dos impostos foi de apenas R$ 37 milhões. No caso da controladora, esse lucro foi de somente R$ 2 bilhões. O aumento de R$ 2 bilhões para o celebrado lucro contábil de R$ 7,1 bilhões foi decorrência tão somente de imposto de renda e contribuição social diferidos no valor de R$ 5,6 bilhões. O valor corrente desses tributos foi de apenas R$ 489 milhões.

Apesar do mal resultado anual de 2020, o Conselho de Administração aprovou remuneração aos acionistas sob a forma de dividendos no valor de R$ 10,3 bilhões[8]. Esse valor é equivalente a 5% do capital social, aplicado tanto às ações preferenciais quanto ordinárias. Os acionistas estrangeiros, que detêm 43,11% do capital social da Petrobrás[9], serão importantes recebedores de dividendos.

Do valor de R$ 10,3 bilhões de pagamento de dividendos, R$ 5,7 bilhões são referentes à destinação do resultado do exercício de 2020 e R$ 4,6 bilhões são oriundos da conta de reserva de retenção de lucros.

Em suma, não há o que celebrar no resultado contábil da Petrobrás de 2020. Nesse ano, a estatal teve um mal desempenho contábil e o lucro da controladora de R$ 7,1 bilhões decorreu, principalmente, da parcela referente ao “recebimento” de R$ 5,1 bilhões de imposto de renda e contribuição social.

Desse modo, em vez de pagar, a Petrobrás “recebeu” imposto de renda e contribuição social em 2020, o que não é compatível com a lucratividade da estatal[10], que produz e exporta petróleo extraído dos poços mais produtivos do mundo localizados na província petrolífera do Pré-Sal. Nesse cenário, é urgente a alteração da Lei nº 13.586/2107, que permite grande renúncia fiscal.

[1] Disponível em https://economia.uol.com.br/cotacoes/noticias/redacao/2021/02/25/lucro-petrobras-bolsa-de-valores.htm#:~:text=Lucro%20da%20Petrobras%20%C3%A9%20o%20maior%20j%C3%A1%20registrado%20na%20hist%C3%B3ria%20da%20Bolsa%20brasileira&text=A%20Petrobras%20surpreendeu%20o%20mercado,no%20quarto%20trimestre%20de%202020. Acesso em 28 de fevereiro de 2021.

[2] Disponível em https://oglobo.globo.com/analitico/a-doce-ironia-de-castello-branco-um-tapa-de-luva-de-59-bilhoes-em-bolsonaro-24897873. Acesso em 28 de fevereiro de 2021.

[3] Disponível em https://oglobo.globo.com/economia/apos-lucro-recorde-petrobras-repassara-29-bi-uniao-suficiente-para-comprar-220-milhoes-de-doses-de-vacina-1-24900312. Acesso em 28 de fevereiro de 2021.

[4] Disponível em https://epbr.com.br/o-prejuizo-fake-da-petrobras-no-primeiro-trimestre-de-2020-por-paulo-cesar-ribeiro-lima/. Acesso em 28 de fevereiro de 2021.

[5] Disponível em https://www.canalenergia.com.br/noticias/53164624/petrobras-termina-2020-com-lucro-de-r-71-bilhoes. Acesso em 28 de fevereiro de 2021.

[6] Disponível em https://www.investopedia.com/terms/w/writedown.asp#:~:text=A%20write%20down%20is%20necessary,impairment%20loss%2C%20reducing%20net%20income.&text=An%20impairment%20can%20not%20be,asset%20is%20sold%20or%20disposed. Acesso em 28 de fevereiro de 2021.

[7] Disponível em https://mz-filemanager.s3.amazonaws.com/25fdf098-34f5-4608-b7fa-17d60b2de47d/comunicados-ao-mercadocentral-de-downloads/03f2c86364b77b53101b3249c0fe20283606ed3d4a0b84172ca50b41f0f53d45/petrobras_conclui_a_venda_da_tag.pdf. Acesso em 28 de fevereiro de 2021.

[8] Disponível em https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/25fdf098-34f5-4608-b7fa-17d60b2de47d/7aa804d9-b5c9-fe34-5ce0-3908e87e05fd?origin=1. Acesso em 28 de fevereiro de 2021.

[9] Disponível em https://www.investidorpetrobras.com.br/visao-geral/composicao-acionaria/. Acesso em 28 de fevereiro de 2021.

[10] Disponível em https://exame.com/negocios/custo-de-extracao-da-petrobras-se-aproxima-de-paises-do-oriente-medio/. Acesso em 28 de fevereiro de 2021.

 

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