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A baixa participação governamental no Brasil e o caso da Shell

Por Paulo César Ribeiro Lima

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Paulo César Ribeiro Lima
Paulo César Ribeiro Lima
Foi funcionário do Banco do Brasil e servidor do Banco Central. Depois de se formar em engenharia, na Universidade Federal de Minas Gerais, foi aprovado em concurso da Petrobrás, onde trabalhou por cerca de 16 anos. Por ter sido o primeiro colocado, escolheu o Centro de Pesquisas da Petrobrás (Cenpes), onde trabalhou no desenvolvimento de tecnologias para exploração e produção de petróleo em águas profundas. Fez mestrado em engenharia na Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutorado na Universidade de Cranfield na Inglaterra. Sua tese de doutorado foi premiada como a melhor tese da Escola de Engenharia. Também foi professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – COPPE e do Instituto de Ensino Superior Planalto. Em 2002, fez concurso para Consultor Legislativo do Senado e da Câmara dos Deputados para a Área de Economia-Minas e Energia; foi aprovado em ambos. Ao longo dos seus 15 anos de trabalho como Consultor Legislativo, participou ativamente do processo legislativo no Congresso Nacional, com destaque para os novos marcos legais do Pré-Sal, dos royalties para a educação e saúde, dos biocombustíveis, do setor elétrico e do setor mineral. Depois de 38 anos de trabalho formal, aposentou-se em 2018. Atualmente, é consultor da Advocacia Garcez em Brasília.

A relação entre as rendas petrolíferas do Estado e a receita líquida decorrente da atividade de produção de petróleo, em termos percentuais, é denominada participação governamental. Em inglês, essa relação é chamada de government take.

No cenário mundial, o Brasil caracteriza-se por um baixo pagamento de participação governamental pelas empresas petrolíferas contratadas pela União. Conforme mostrado na Figura 1, a participação governamental no País é inferior a todos os outros países exportadores de petróleo bruto e onde a produção petrolífera é importante fonte de receitas estatais.

Figura 1: Participação governamental média em vários países

Nos Estados Unidos, onde a produção interna é extremamente incentivada, a participação governamental média de 2009 a 2014 foi de 67%; na Noruega, foi de 76%. Na Arábia Saudita, em razão do monopólio estatal do petróleo, a participação governamental é de praticamente 100%. No Brasil, entretanto, essa participação foi de apenas 56%.

Essa baixa participação governamental no Brasil é mais grave, ainda, em razão da elevada produção e produtividade da província petrolífera do Pré-Sal. Nessa província, estão localizados os poços mais produtivos do mundo; mais produtivos que na Arábia Saudita, conforme mostrado na Figura 2.

Figura 2: Produtividade dos poços em vários países

Fonte: Sandrea and Goddard, 2016, New reservoir-quality index forecasts field well-productivity worldwide, Oil & Gas Journal.

Com a altíssima produtividade dos poços do Pré-Sal, esperava-se que houvesse um aumento na participação governamental do Brasil, mas isso não ocorreu, por exemplo, no caso da Shell Brasil Ltda. Discute-se, a seguir, a participação governamental paga por essa empresa nos anos de 2018 e 2019.

A Shell Brasil Ltda., empresa do grupo mundial Royal Dutch Shell, atua na exploração e produção de petróleo no Brasil, principalmente no polígono do Pré-Sal. Essa empresa tem importante participação em campos desse polígono, como os de Lula e Sapinhoá, que foram os campos de maior produção nos anos de 2018 e 2019.

A participação da Shell Brasil Ltda. no campo de Lula é de 25%; em Sapinhoá, a participação da empresa é de 30%.

Em 2018, a produção do campo de Lula foi de 50,1 milhões de metros cúbicos de petróleo, o que corresponde a 315,1 milhões de barris. Assim, a Shell Brasil Ltda. produziu 78,8 milhões de barris nesse campo. Em 2019, o campo de Lula, já com o nome de Tupi, produziu 54,9 milhões metros cúbicos, o que corresponde a 345,3 milhões de barris. Desse modo, a Shell Brasil Ltda. produziu nesse campo 86,3 milhões de barris de petróleo.

O campo de Sapinhoá produziu, em 2018, 14,5 milhões de metros cúbicos de petróleo, o que corresponde a 91,2 milhões de barris. Desse modo, a Shell Brasil Ltda. produziu nesse campo 27,4 milhões de barris. Esse campo produziu, em 2019, 14,2 milhões de metros cúbicos, o que corresponde a 89,3 milhões de barris. Assim, a Shell Brasil Ltda. produziu 26,8 milhões de barris de petróleo.

Dessa forma, em 2018, a Shell Brasil Ltda. produziu, em Lula e Sapinhoá, 106,1 milhões de barris de petróleo, o que correspondeu a 89,2% da produção da empresa no Brasil. Em 2019, essa empresa produziu 113,1 milhões de barris em Lula e Sapinhoá, o que correspondeu a 88,3% da sua produção total de petróleo no País.

Observa-se, então, que a produção da Shell Brasil Ltda., em 2018 e em 2019, ocorreu, basicamente, nesses dois campos do Pré-Sal, que são extremamente rentáveis, como demonstra o pagamento da participação especial, cuja alíquota incide sobre a receita líquida do campo.

Em 2018, a Shell Brasil Ltda. pagou R$ 6,366 bilhões a título de participação especial em decorrência da participação nos campos de Lula e Sapinhoá. Houve, ainda, o pagamento de royalties no valor de R$ 1,833 bilhão. Como a empresa apresentou um prejuízo contábil de R$ 1,230 bilhão, não houve pagamento de IRPJ nem de CSLL.

Nesse ano, a Shell Brasil Ltda. pagou, então, receitas governamentais de R$ 8,199 bilhões em Lula e Sapinhoá. Nesses campos, a receita líquida da empresa foi de RS 18,334 bilhões. Desse modo, em 2018, a participação governamental da Shell Brasil Ltda. foi de apenas 44,720%.

Quanto ao ano de 2019, a Shell Brasil Ltda. pagou R$ 6,506 bilhões a título de participação especial em decorrência da participação nos campos de Lula e Sapinhoá. Houve, ainda, o pagamento de royalties no valor de R$ 1,848 bilhão. Como a empresa apresentou um lucro contábil de R$ 262 milhões, houve pagamento a título de IRPJ e de CSLL de R$ 89 milhões.

Nesse ano, a Shell Brasil Ltda. pagou, então, receitas governamentais de R$ 8,443 bilhões. Nesses campos, a receita líquida da empresa foi de RS 18,478 bilhões. Desse modo, em 2018, a participação governamental da Shell Brasil Ltda. foi de apenas 45,692%.

A receita líquida anual média da Shell Brasil Ltda., em 2018 e 2019, foi de R$ 18,406 bilhões e a participação governamental média, nesses anos, foi de apenas 45,206%, percentual muito abaixo da média histórica do Brasil de 2009 a 2014, que foi de 56%.

Para se atingir essa média de 56%, a Shell Brasil Ltda, teria que pagar um valor médio anual adicional de R$ 1,986 bilhão. No entanto, em províncias tão rentáveis como o Pré-Sal, a participação governamental deveria ser maior que na Noruega.

A participação governamental média nesse país, conforme mostrado na Figura 1, foi de 76%. Para se chegar a esse percentual, a Shell Brasil Ltda. deveria pagar R$ 5,668 bilhões a mais aos cofres públicos.

Esse pagamento, de R$ 1,986 bilhão a R$ 5,767, bilhões poderia ter como fonte o Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) ou o Imposto de Exportação (IE) sobre o petróleo bruto.

A tributação sobre o lucro depende de profundas alterações na Lei nº 13.586/2017, oriunda da Medida Provisória nº 795/2017, que permite que uma empresa tão rentável quanto a Shell Brasil Ltda. apresente prejuízo contábil. Ainda que houvesse essas alterações, a arrecadação estaria sujeita a toda sorte de artifícios para evasão fiscal.

O caminho mais simples para se aumentar a participação governamental seria a tributação da exportação do petróleo bruto. Essa tributação teria como outro efeito estimular os tão importantes investimentos em refino no Brasil.

O Imposto de Exportação poderia ter alíquotas diferenciadas em função do valor do petróleo bruto. Até o valor de US$ 40 por barril, não haveria cobrança de IE. Para a parcela acima de US$ 40 por barril, haveria a incidência do IE.

Quanto maior essas parcelas, maior a rentabilidade da empresa. Propõe-se, então uma alíquota de 30% para a parcela acima do valor de US$ 40 por barril. Para a parcela acima de US$ 70 por barril, a alíquota seria de 50%.

A cotação média do Brent em 2018 e 2019 foi de US$ 67,82 por barril. Admitindo-se um desconto médio de 10% em relação ao Brent, o valor médio do barril foi de US$ 61,04.

O IE seria então de 30% para a diferença entre US$ 61,04 por barril e US$ 40 por barril, que é US$ 21,04 por barril, o que corresponde a uma tributação de US$ 6,312 por barril. A alíquota efetiva sobre o valor de US$ 61,04 por barril seria, então, de 10,341%.

Se houvesse a cobrança dessa alíquota efetiva de 10,341%, nos anos de 2018 e 2019 a Shell Brasil Ltda. teria pagado um tributo anual médio sobre a exportação de R$ 1,903 bilhão, o que teria elevado sua participação governamental nos campos de Lula e Sapinhoá de 45,207% para apenas 55,549%.

Empresas parcialmente refinadoras de petróleo por elas produzido no País ou pagadoras de participação governamental compatível com a produtividade dos seus campos, tendo padrões internacionais como referência, poderiam ser isentas do pagamento do Imposto de Exportação sobre petróleo bruto.

Em suma, historicamente, a participação governamental no Brasil é muito baixa, especialmente no caso do Pré-Sal, onde estão localizados os poços mais produtivos do mundo. Ainda que se estabeleça uma tributação sobre a exportação de petróleo bruto de 30% para a parcela acima do valor de US$ 40 por barril e de 50% para a parcela do valor acima de US$ 70 por barril, a participação governamental da Shell Brasil Ltda., por exemplo, ainda estaria muito abaixo dos padrões mundiais.

 

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