A relação entre as rendas petrolíferas do Estado e a receita líquida decorrente da atividade de produção de petróleo, em termos percentuais, é denominada participação governamental. Em inglês, essa relação é chamada de government take.
No cenário mundial, o Brasil caracteriza-se por um baixo pagamento de participação governamental pelas empresas petrolíferas contratadas pela União. Conforme mostrado na Figura 1, a participação governamental no País é inferior a todos os outros países exportadores de petróleo bruto e onde a produção petrolífera é importante fonte de receitas estatais.
Figura 1: Participação governamental média em vários países
Nos Estados Unidos, onde a produção interna é extremamente incentivada, a participação governamental média de 2009 a 2014 foi de 67%; na Noruega, foi de 76%. Na Arábia Saudita, em razão do monopólio estatal do petróleo, a participação governamental é de praticamente 100%. No Brasil, entretanto, essa participação foi de apenas 56%.
Essa baixa participação governamental no Brasil é mais grave, ainda, em razão da elevada produção e produtividade da província petrolífera do Pré-Sal. Nessa província, estão localizados os poços mais produtivos do mundo; mais produtivos que na Arábia Saudita, conforme mostrado na Figura 2.
Figura 2: Produtividade dos poços em vários países
Com a altíssima produtividade dos poços do Pré-Sal, esperava-se que houvesse um aumento na participação governamental do Brasil, mas isso não ocorreu, por exemplo, no caso da Shell Brasil Ltda. Discute-se, a seguir, a participação governamental paga por essa empresa nos anos de 2018 e 2019.
A Shell Brasil Ltda., empresa do grupo mundial Royal Dutch Shell, atua na exploração e produção de petróleo no Brasil, principalmente no polígono do Pré-Sal. Essa empresa tem importante participação em campos desse polígono, como os de Lula e Sapinhoá, que foram os campos de maior produção nos anos de 2018 e 2019.
A participação da Shell Brasil Ltda. no campo de Lula é de 25%; em Sapinhoá, a participação da empresa é de 30%.
Em 2018, a produção do campo de Lula foi de 50,1 milhões de metros cúbicos de petróleo, o que corresponde a 315,1 milhões de barris. Assim, a Shell Brasil Ltda. produziu 78,8 milhões de barris nesse campo. Em 2019, o campo de Lula, já com o nome de Tupi, produziu 54,9 milhões metros cúbicos, o que corresponde a 345,3 milhões de barris. Desse modo, a Shell Brasil Ltda. produziu nesse campo 86,3 milhões de barris de petróleo.
O campo de Sapinhoá produziu, em 2018, 14,5 milhões de metros cúbicos de petróleo, o que corresponde a 91,2 milhões de barris. Desse modo, a Shell Brasil Ltda. produziu nesse campo 27,4 milhões de barris. Esse campo produziu, em 2019, 14,2 milhões de metros cúbicos, o que corresponde a 89,3 milhões de barris. Assim, a Shell Brasil Ltda. produziu 26,8 milhões de barris de petróleo.
Dessa forma, em 2018, a Shell Brasil Ltda. produziu, em Lula e Sapinhoá, 106,1 milhões de barris de petróleo, o que correspondeu a 89,2% da produção da empresa no Brasil. Em 2019, essa empresa produziu 113,1 milhões de barris em Lula e Sapinhoá, o que correspondeu a 88,3% da sua produção total de petróleo no País.
Observa-se, então, que a produção da Shell Brasil Ltda., em 2018 e em 2019, ocorreu, basicamente, nesses dois campos do Pré-Sal, que são extremamente rentáveis, como demonstra o pagamento da participação especial, cuja alíquota incide sobre a receita líquida do campo.
Em 2018, a Shell Brasil Ltda. pagou R$ 6,366 bilhões a título de participação especial em decorrência da participação nos campos de Lula e Sapinhoá. Houve, ainda, o pagamento de royalties no valor de R$ 1,833 bilhão. Como a empresa apresentou um prejuízo contábil de R$ 1,230 bilhão, não houve pagamento de IRPJ nem de CSLL.
Nesse ano, a Shell Brasil Ltda. pagou, então, receitas governamentais de R$ 8,199 bilhões em Lula e Sapinhoá. Nesses campos, a receita líquida da empresa foi de RS 18,334 bilhões. Desse modo, em 2018, a participação governamental da Shell Brasil Ltda. foi de apenas 44,720%.
Quanto ao ano de 2019, a Shell Brasil Ltda. pagou R$ 6,506 bilhões a título de participação especial em decorrência da participação nos campos de Lula e Sapinhoá. Houve, ainda, o pagamento de royalties no valor de R$ 1,848 bilhão. Como a empresa apresentou um lucro contábil de R$ 262 milhões, houve pagamento a título de IRPJ e de CSLL de R$ 89 milhões.
Nesse ano, a Shell Brasil Ltda. pagou, então, receitas governamentais de R$ 8,443 bilhões. Nesses campos, a receita líquida da empresa foi de RS 18,478 bilhões. Desse modo, em 2018, a participação governamental da Shell Brasil Ltda. foi de apenas 45,692%.
A receita líquida anual média da Shell Brasil Ltda., em 2018 e 2019, foi de R$ 18,406 bilhões e a participação governamental média, nesses anos, foi de apenas 45,206%, percentual muito abaixo da média histórica do Brasil de 2009 a 2014, que foi de 56%.
Para se atingir essa média de 56%, a Shell Brasil Ltda, teria que pagar um valor médio anual adicional de R$ 1,986 bilhão. No entanto, em províncias tão rentáveis como o Pré-Sal, a participação governamental deveria ser maior que na Noruega.
A participação governamental média nesse país, conforme mostrado na Figura 1, foi de 76%. Para se chegar a esse percentual, a Shell Brasil Ltda. deveria pagar R$ 5,668 bilhões a mais aos cofres públicos.
Esse pagamento, de R$ 1,986 bilhão a R$ 5,767, bilhões poderia ter como fonte o Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) ou o Imposto de Exportação (IE) sobre o petróleo bruto.
A tributação sobre o lucro depende de profundas alterações na Lei nº 13.586/2017, oriunda da Medida Provisória nº 795/2017, que permite que uma empresa tão rentável quanto a Shell Brasil Ltda. apresente prejuízo contábil. Ainda que houvesse essas alterações, a arrecadação estaria sujeita a toda sorte de artifícios para evasão fiscal.
O caminho mais simples para se aumentar a participação governamental seria a tributação da exportação do petróleo bruto. Essa tributação teria como outro efeito estimular os tão importantes investimentos em refino no Brasil.
O Imposto de Exportação poderia ter alíquotas diferenciadas em função do valor do petróleo bruto. Até o valor de US$ 40 por barril, não haveria cobrança de IE. Para a parcela acima de US$ 40 por barril, haveria a incidência do IE.
Quanto maior essas parcelas, maior a rentabilidade da empresa. Propõe-se, então uma alíquota de 30% para a parcela acima do valor de US$ 40 por barril. Para a parcela acima de US$ 70 por barril, a alíquota seria de 50%.
A cotação média do Brent em 2018 e 2019 foi de US$ 67,82 por barril. Admitindo-se um desconto médio de 10% em relação ao Brent, o valor médio do barril foi de US$ 61,04.
O IE seria então de 30% para a diferença entre US$ 61,04 por barril e US$ 40 por barril, que é US$ 21,04 por barril, o que corresponde a uma tributação de US$ 6,312 por barril. A alíquota efetiva sobre o valor de US$ 61,04 por barril seria, então, de 10,341%.
Se houvesse a cobrança dessa alíquota efetiva de 10,341%, nos anos de 2018 e 2019 a Shell Brasil Ltda. teria pagado um tributo anual médio sobre a exportação de R$ 1,903 bilhão, o que teria elevado sua participação governamental nos campos de Lula e Sapinhoá de 45,207% para apenas 55,549%.
Empresas parcialmente refinadoras de petróleo por elas produzido no País ou pagadoras de participação governamental compatível com a produtividade dos seus campos, tendo padrões internacionais como referência, poderiam ser isentas do pagamento do Imposto de Exportação sobre petróleo bruto.
Em suma, historicamente, a participação governamental no Brasil é muito baixa, especialmente no caso do Pré-Sal, onde estão localizados os poços mais produtivos do mundo. Ainda que se estabeleça uma tributação sobre a exportação de petróleo bruto de 30% para a parcela acima do valor de US$ 40 por barril e de 50% para a parcela do valor acima de US$ 70 por barril, a participação governamental da Shell Brasil Ltda., por exemplo, ainda estaria muito abaixo dos padrões mundiais.