“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.
Bíblia Sagrada, João 8:31-32.
Inscrição escolhida por Allen Dulles, para o saguão da Sede da CIA, 1957
“O passado resolvido ‘por cima’, mal resolvido, voltou.
Estamos outra vez em 1979. Está tudo pronto para que
a ‘Justiça’ re-absolva os golpistas-de-sempre e re-autoabsolva-se…”
Deputado José Genoíno, em entrevista ao canal GGN, 10/3/2021 (editado)
Em 1998, o Grupo de Trabalho Interagências de Crimes de Guerra Nazistas e Registros Governamentais Imperiais Japoneses (IWG), a pedido do Congresso, lançou o que se tornou o maior esforço para levantar o sigilo sobre um só assunto, ordenado pelo Congresso em toda a história. Como resultado, mais de 8,5 milhões de páginas de registros foram abertas ao público, em cumprimento da Lei de Divulgação de Crimes de Guerra Nazistas (P.L. 105-246) e da Lei de Divulgação do Governo Imperial Japonês (P.L. 106-567). Esses registros incluem arquivos operacionais do Escritório de Serviços Estratégicos, ESS (ing. OSS), da CIA, do FBI e da inteligência do Exército. O IWG emitiu três relatórios para o Congresso entre 1999 e 2007.
Estas informações lançam luz importante sobre o período e confirmam um dos maiores segredos da Guerra Fria – o uso que a CIA deu a extensa rede de espionagem nazista, para mover vasta campanha secreta contra a União Soviética.
Esta campanha contra a União Soviética, que começou enquanto a 2ª Guerra Mundial ainda rugia, sempre aparece como ‘explicação’ para a tolerância que Washington sempre manifesta com abusos dos direitos civis e outros atos criminosos praticados em nome do anticomunismo – como se viu nas atividades do McCarthyismo e do Programa de Contrainteligência (ing. COINTELPRO, desde 1956, não se sabe até quando). Por causa das decisões fatídicas tomadas naquele momento, a CIA não só teve rédea solta para executar intervenções antidemocráticas em todo o mundo, como também para intervenções antidemocráticas em solo norte-americano, o que continua até os dias de hoje.
Com a origem sombria da Guerra Fria vindo à tona, surgem perguntas: “Quem dirige hoje a política externa e a inteligência dos EUA? Essa ‘oposição’ pode ser justificada? E a que interesses serviu e continua a servir a Guerra Fria? O presente ensaio é o primeiro, de três, que abordará estas questões.
Allen Dulles, o agente duplo que criou o Império Americano de Inteligência
Allen Dulles nasceu em 7/4/1893 em Watertown, Nova Iorque. Formou-se em Princeton com mestrado em política em 1916 e no mesmo ano entrou para Serviço Diplomático. Pouco antes de os EUA entrarem na 1ª Guerra Mundial, Dulles foi transferido para Berna, Suíça, com todo o pessoal da embaixada. De 1922 a 1926, serviu como chefe da divisão de Oriente Próximo do Departamento de Estado.
Em 1926, formou-se pela Faculdade de Direito da Universidade George Washington e aceitou um emprego na Sullivan & Cromwell, a mais poderosa firma de advocacia para empresas do país, da qual seu irmão mais velho (cinco anos mais velho) John Foster Dulles era sócio. Curiosamente, Allen só foi admitido na Ordem dos Advogados em 1928, dois anos depois de começar a trabalhar no escritório do irmão – o que aparentemente não o impediu de passar seis meses em Genebra como “assessor jurídico” da Conferência de Armamento Naval.
Em 1927, tornou-se Diretor do Conselho de Relações Exteriores, CRE, (cujos membros, destacados empresários e formuladores de políticas, tiveram papel fundamental na formação do então emergente [e hoje reemergente – como farsa] – consenso da Guerra Fria), primeiro diretor desde a fundação do Conselho em 1921. Tornou-se rapidamente amigo de Hamilton Fish Armstrong, Princetoniano como ele e editor da revista do CRE, Foreign Affairs. Juntos, escreveram dois livros: Podemos ser neutros? (1936) e EUA podem continuar neutros? (1939). Allen atuou como secretário do CRE de 1933-1944, e como seu presidente de 1946-1950.
Deve-se notar que o Conselho de Relações Exteriores é a filial americana do Royal Institute for International Affairs (aka: Chatham House) com sede em Londres, Inglaterra. Deve-se notar também que a própria Chatham House foi criada pelo Movimento da Round Table como parte do programa do Tratado de Versalhes em 1919.
Em 1935, Allen Dulles tornou-se sócio de Sullivan & Cromwell, o centro de uma intrincada rede internacional de bancos, empresas de investimento e conglomerados industriais que ajudaram a reconstruir a Alemanha após a Primeira Guerra Mundial.
Depois que Hitler assumiu o controle, na década de 1930, John Foster Dulles continuou a representar cartéis alemães como IG Farben, apesar de já integrados na crescente máquina de guerra nazista e ajudou-os a garantir o acesso a materiais fundamentais de guerra. (1)
Embora o escritório de Berlim da Sullivan & Cromwell, (cujos advogados foram forçados a assinar sua correspondência com “Heil Hitler”) tenha sido fechado em 1935, os irmãos Dulles continuaram a fazer negócios com a rede financeira e industrial nazista; como Allen Dulles juntando-se à diretoria do J. Henry Schroder Bank, subsidiária norte-americana do banco londrino que a revista Time chamaria em 1939 de “impulsionador econômico do eixo Roma-Berlim”. (2)
Os irmãos Dulles, especialmente Allen, trabalharam muito de perto com Thomas McKittrick, velho amigo de Wall Street que foi presidente do Banco de Compensações Internacionais, BCI (ing. BIS). Cinco de seus diretores seriam posteriormente acusados de crimes de guerra, incluindo Hermann Schmitz, um dos muitos clientes do escritório de advocacia dos Dulles envolvidos com o BCI. Schmitz foi CEO da IG Farben, o conglomerado químico que ganhou fama por fabricar o gás Zyklon B, gás utilizado nos campos de morte de Hitler, e por fazer uso extensivo de trabalho escravo durante a guerra. (3)
David Talbot escreve em seu (port.) “O Tabuleiro de Xadrez do Diabo”:
“O secreto BCI tornou-se parceiro financeiro crucial para os nazistas. Emil Puhl – vice-presidente do Reichsbank de Hitler e sócio próximo do McKittrick – uma vez chamou o BCI de a única “agência estrangeira” do Reichsbank. O BCI lavou centenas de milhões de dólares em ouro nazista saqueado dos Tesouros dos países ocupados”.
O Banco de Compensações Internacionais, BCI, está sediado na Suíça, a própria região que Allen Dulles trabalharia tanto durante a Primeira como na 2ª Guerra Mundial.
O Escritório de Serviços Estratégicos (ESE; ing. OSS) foi formado em 13 de junho de 1942 como uma agência de inteligência em tempo de guerra durante a 2ª Guerra Mundial. Foi decisão tomada pelo Presidente Franklin Roosevelt. William J. Donovan foi escolhido por Roosevelt para construir a agência e foi criada especificamente para tratar das necessidades secretas de comunicação, decodificação e espionagem relevantes para a estratégia de guerra; para interceptar a inteligência inimiga e identificar aqueles que se coordenavam com a Alemanha e o Japão nazistas.
O ESE foi o primeiro de seu tipo, diferente de tudo que jamais houvera nos EUA. Para Roosevelt a tal agência detinha imenso poder para abuso, se caísse em mãos erradas e nunca poderia ser autorizada a continuar, uma vez que a guerra contra o fascismo fosse ganha.
Allen Dulles foi recrutado para a ESE logo no início. E em 12 de novembro de 1942 foi rapidamente transferido para Berna, Suíça, onde viveu na rua Herrengasse, n. 23 durante a 2ª Guerra Mundial. Sabendo o papel sombrio que a Suíça desempenhou durante toda a 2ª Guerra Mundial com seu estreito apoio à causa nazista e o envolvimento próximo de Allen Dulles em tudo isso, deve-se perguntar, neste momento, o que diabos estariam pensando Donovan e Roosevelt?
Bem, Dulles não era o único mestre do xadrez envolvido nesse jogo de apostas altas. “Queriam Dulles em claro contato com seus clientes nazistas para que pudessem ser facilmente identificados” (4), disse John Loftus, antigo investigador nazista de crimes de guerra do Departamento de Justiça dos Estados Unidos.
Em outras palavras, Dulles foi enviado à Suíça como espião americano, com o pleno conhecimento de que ele era de fato um agente duplo, a missão era obter informações sobre as redes americana, britânica e francesa, dentre outras, que estavam secretamente apoiando a causa nazista.
Problema com este plano era que o espião britânico MI6 William Stephenson conhecido como o “Homem Chamado Intrepid” foi supostamente escolhido para manter Dulles sob controle (5); pouco sabia Roosevelt, na época, quão funda foi a toca do coelho.
Entretanto, como Elliott escreveria em seu livro “As He Saw It”, Roosevelt estava muito consciente de que a política externa britânica não estava na mesma página com suas opiniões sobre um mundo do pós-guerra:
“Sabe, muitas vezes os homens do Departamento de Estado tentaram esconder mensagens para mim, atrasá-los, retê-los de alguma forma, só porque alguns daqueles diplomatas de carreira ali não estão de acordo com o que eles sabem que eu penso. Eles deveriam estar trabalhando para Winston. Na verdade, muitas vezes, eles estão [trabalhando para Churchill]. Pare para pensar neles: qualquer número deles está convencido de que o caminho para a América conduzir sua política externa é descobrir o que os britânicos estão fazendo e depois copiar isso”! Foi-me dito… há seis anos, para limpar aquele Departamento de Estado. É como o Ministério das Relações Exteriores Britânico….”.
Quando a verdadeira lealdade das finanças do BCI e de Wall Street ficou clara durante a guerra, Roosevelt tentou bloquear os fundos do BCI nos Estados Unidos. Quem interveio com sucesso, em defesa dos interesses do banco, foi ninguém menos que Foster Dulles, contratado como consultor jurídico do McKittrick. (6)
Deve-se notar também que o presidente do Banco da Inglaterra, Montague Norman, permitiu a transferência direta de dinheiro para Hitler, porém, não com o dinheiro da própria Inglaterra, mas com 5,6 milhões de libras de ouro de propriedade do Banco Nacional da Tchecoslováquia.
Com o fim da guerra se aproximando, o Projeto Safehaven, operação de inteligência americana concebida por Roosevelt, foi criado para rastrear e confiscar bens nazistas que estavam escondidos em países neutros. Era preocupação legítima que, se os membros da elite nazista alemã conseguissem esconder grandes tesouros, poderiam esperar o que fosse necessário e tentar recuperar o poder, em futuro não tão distante.
Foi Allen Dulles que, com sucesso, empatou e sabotou a operação Roosevelt, explicando em um memorando de dezembro de 1944 a seus superiores do ESE que seu escritório de Berna não tinha “pessoal adequado para fazer trabalho eficaz neste campo e atender a outras demandas”. (6)
E enquanto Foster trabalhou arduamente para esconder os ativos americanos de grandes cartéis alemães como IG Farben e Merck KGaA, e proteger essas subsidiárias de serem confiscadas pelo governo federal como propriedade alienígena, Allen cobria a retaguarda de seu irmão e estava bem posicionado para destruir provas incriminatórias e bloquear quaisquer investigações que ameaçassem os dois irmãos e seu escritório de advocacia.
“A destruição dos registros nazistas capturados foi a tática favorita de Dulles e seus [associados] que ficaram para trás para ajudar a dirigir a ocupação da Alemanha do pós-guerra” – declarou John Loftus, ex-investigador nazista de crimes de guerra do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. (7)
Não há dúvida de que, depois de vencida a guerra, Roosevelt pretendia processar os irmãos Dulles e muitos outros que foram cúmplices no apoio à causa nazista. Roosevelt estava ciente de que os irmãos Dulles e Wall Street haviam trabalhado duro contra sua eleição; estava ciente de que grande parte de Wall Street estava apoiando os alemães contra os russos na guerra, ele estava ciente de que não estavam satisfeitos com a manipulação da Grande Depressão, indo atrás dos grandes banqueiros, como J.P. Morgan, mediante a Comissão Pecora, e odiavam Roosevelt por isso. Mas acima de tudo discordavam da visão de Roosevelt, de um mundo pós-guerra. De fato, opunham-se violentamente a ele, como visto por sua tentativa de assassinato poucos dias depois de ganhar as eleições, e com a exposição do General Smedley Butler, que foi transmitida pela televisão, de como um grupo de oficiais da Legião Americana pagos pelos homens de J.P. Morgan (8) abordou Butler no verão de 1933 para liderar um golpe de Estado contra o Presidente Roosevelt – tentativa fascista de ocupar os Estados Unidos em plena luz do dia.
Roosevelt só tomou posse dia 4 de março de 1933. Ficou claro assim que Wall Street não precisava esperar para ver o que o presidente faria: já tinham ideia muito boa de que Roosevelt pretendia perturbar o equilíbrio do controle imperial, com Wall Street e a cidade de Londres como seus centros financeiros. Era claro que, sob Roosevelt, os dias de Wall Street estariam contados.
Mas Roosevelt não viveu para além da guerra, e sua morte permitiu a rápida entrada de um golpe ‘suave’, contido dentro dos corredores do governo e de suas agências. E qualquer um que tivesse sido estreitamente associado com a visão de FDR foi empurrado para os bastidores.
David Talbot escreve em seu “The Devil’s Chessboard”:
“Dulles estava mais envolvido com muitos líderes nazistas do que com o Presidente Roosevelt”. Dulles não só desfrutou de familiaridade profissional e social com muitos membros da elite do Terceiro Reich que antecedeu a guerra; ele também compartilhou com aqueles homens muitos dos objetivos do pós-guerra”.
A verdadeira história da origem da Guerra Fria
Em seu livro “The CIA, Vietnam and the Plot to Assassinate John F. Kennedy”, L. Fletcher Prouty descreve como, em setembro de 1944, enquanto servia como capitão nas Forças Aéreas do Exército dos EUA e estava estacionado no Cairo, foi-lhe pedido para conduzir o que lhe foi dito que seriam 750 tripulantes da Força Aérea dos EUA que haviam sido abatidos nos Bálcãs durante ataques aéreos nos campos de petróleo de Ploesti. Essa informação foi baseada em seu encontro com oficiais da inteligência britânica que haviam sido informados por seus Serviços Secretos de Inteligência e pelo ESE.
Prouty escreve:
“Voamos para a Síria, encontramos o trem de carga de Bucareste, carregamos os Prisioneiros de Guerra (ing. POWs) em nossa aeronave e começamos o voo de volta ao Cairo. Entre os 750 prisioneiros de guerra americanos estavam algo como uma centena de agentes de inteligência nazistas, além de dezenas de agentes nazistas simpatizantes, dos Balcãs. Haviam sido misturados nessa operação do Escritório de Serviços Estratégicos, ESE, para tirá-los do caminho do exército soviético que havia marchado para a Romênia em 1º de setembro.
Esta operação de setembro de 1944 foi a primeira grande atividade de seu tipo, pró-Alemanha nazista e antissoviética, na Guerra Fria. Com a ajuda do ESE, muitos seguiram em rápida sucessão, incluindo a fuga e o voo cuidadosamente planejado do General Reinhart Gehlen, chefe dos serviços secretos do exército alemão, para Washington, em 20 de setembro de 1945”.
No livro, Prouty discute o modo como, mesmo antes da rendição da Alemanha e do Japão, já se ouviam os primeiros murmúrios da Guerra Fria, e que aqueles murmúrios partiram, particularmente, de Frank Wisner em Bucareste e de Allen W. Dulles em Zurique, que eram ambos fortes proponentes da ideia de que teria chegado a hora de se juntarem novamente a centros de poder nazistas selecionados, a fim de dividir a aliança ocidental da União Soviética.
Prouty escreve:
“Foi esta facção secreta dentro do ESE, coordenada com facção similar da inteligência britânica e suas políticas, que encorajou os nazistas escolhidos a conceberem o conceito divisório de uma “Cortina de Ferro”, para meter uma cunha na aliança com a União Soviética já em 1944 – para salvar os próprios pescoços, para salvar certos centros de poder e suas riquezas, e para despertar ressentimento contra os russos, logo no momento de seu maior triunfo militar”.
A versão “história oficial” marcou os britânicos como os primeiros a reconhecer a “ameaça comunista” na Europa Oriental, e que Winston Churchill teria sido ‘autor’ da expressão “Cortina de Ferro”, ao se referir às ações dos países do bloco comunista da Europa Oriental. E que teria criado a expressão após o fim da 2ª Guerra Mundial. Não.
Churchill não é autor nem da frase nem da “Cortina de Ferro”
Pouco antes do fim da 2ª Guerra Mundial na Europa, o ministro alemão das Relações Exteriores Conde Lutz Schwerin von Krosigk fez um discurso em Berlim, publicado no London Times em 3/5/1945, no qual ele usou a expressão “Cortina de Ferro”, já corrente na propaganda nazista. A mesma expressão reapareceria precisamente no mesmo contexto, usada por Churchill, menos de um ano depois.
Depois daquele discurso alemão, apenas três dias após a rendição alemã, Churchill escreveu a Truman, para expressar sua preocupação com o futuro da Europa e para dizer que uma “Cortina de Ferro” tinha sido fechada. (9)
Em 4 e 5 de março de 1946, Truman e Churchill viajaram de Washington para o Missouri, onde, no Westminster College em Fulton, Churchill enunciou para a história oficial: “De Stettin no Báltico até Trieste no Adriático, uma cortina de ferro desceu por todo o continente”.
As implicações disso são enormes. Aí se tem não só a origem da fonte que tropeçou na suposta ameaça da Guerra Fria vinda da Europa Oriental, o próprio inimigo nazista dos Aliados, ainda durante os combates da 2ª Guerra Mundial, mas também vem à tona o fato de que menos de um mês após a morte de Roosevelt, a “Grande Estratégia” já havia sido superada.
Já não haveria qualquer equilíbrio entre as quatro potências (EUA, Rússia, Grã-Bretanha e China) planejado em um mundo pós-guerra: haveria sim uma Cortina de Ferro, que cobriria de sombra mais da metade do mundo.
Os parceiros nessa nova estrutura de poder global seriam EUA, Grã-Bretanha, França, Alemanha e Japão, três dos vencedores da 2ª Guerra Mundial e dois dos derrotados. Não importava que a Rússia e a China, apenas alguns momentos antes, estivessem morrendo e lutando ao lado dos Aliados.
Com a Declaração de Independência de Ho Chi Minh, em 2/9/1945, os franceses entrariam no Vietnã apenas poucas semanas após a 2ª Guerra Mundial, terminando com a união dos EUA, alguns meses após o discurso da Cortina de Ferro de Churchill. Assim, em pouco mais de um ano após uma das guerras mais sangrentas da história, França e EUA desencadearam o que seria uma guerra indochinesa de várias décadas… já em nome da “liberdade” e contra uma suposta ameaça comunista.
Prouty escreve:
“Assim que a ilha de Okinawa ficou disponível como local de lançamento para [a planejada invasão do Japão pelos EUA], os suprimentos e equipamentos para uma força invasora de pelo menos meio milhão de homens começaram a ser entregues, depositados em pilhas de 5-6 m de altura, por toda a ilha. Com a rápida rendição do Japão, a invasão maciça não ocorreu, e este enorme estoque de equipamentos militares não foi necessário. Quase imediatamente, os navios de transporte da Marinha dos EUA começaram a aparecer no porto de Naha, Okinawa. Aquelas montanhas de material de guerra foram novamente carregadas naqueles navios. Eu estava em Okinawa naquela época. Durante negócios na área portuária, perguntei ao capitão do porto se todo aquele novo material estava sendo devolvido aos EUA.
Sua resposta foi direta e surpreendente: ‘Diabos, não! EUA nunca mais verão essas coisas! Metade deste material, suficiente para equipar e sustentar pelo menos cento e 50 mil homens, está indo para a Coréia; a outra metade, para a Indochina’.’’
O Padrinho da CIA
“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.
João 8:31-32. Inscrição escolhida por Allen Dulles para o saguão da Sede da CIA.
Em 20/9/1945, o Presidente Truman dissolveu o ESE, algumas semanas após o fim oficial da 2ª Guerra Mundial. Era a coisa certa a fazer, considerando que a ESE nunca deveria existir fora do tempo de guerra, e o Presidente Roosevelt teria feito a mesma coisa, se não tivesse falecido em 12/4/1945.
No entanto, Truman foi muito ingênuo ao pensar que um pedaço de papel bastaria. Truman também não tinha qualquer compreensão da luta de facções entre os patriotas de Roosevelt, que realmente queriam derrotar o fascismo, contra aqueles que acreditavam que se tratava sempre de uma guerra com a União Soviética e estariam dispostos a trabalhar com “ex-”fascistas para atingir tal objetivo.
Truman pensava no ESE como bolha homogênea: não compreendia a intensa luta que se travava dentro do governo dos EUA e comunidade de inteligência, pelo futuro do país. Não via que havia o Escritório de Serviços Estratégicos (ESE) de Roosevelt, e que havia outro Escritório de Serviços Estratégicos, subterrâneo, de Allen Dulles.
Logo depois, em 18/9/1945, a CIA foi fundada – evento que Truman lamentaria como o e maior arrependimento de toda a sua presidência. Truman não tinha ideia do tipo de canais clandestinos que corriam nos bastidores. Pouco sabia na época, mas viria a descobrir parcialmente, que o desmantelamento do ESE, que tirara o comando de William J. Donovan como chefe da inteligência dos EUA, americana abrira a porta para as piranhas.
Os patriotas da FDR foram expurgados, incluindo o próprio William J. Donovan, a quem Truman negou o cargo de diretor da CIA. Em vez disso, Truman, insensatamente, atribuiu-lhe a tarefa de chefiar um comitê que estudava os bombeiros do país.
Em abril de 1947, Allen Dulles foi convidado pelo Comitê de Serviços Armados do Senado a apresentar suas ideias para uma agência de inteligência forte e centralizada. O memorando que produziu ajudaria a formatar a legislação que deu origem à CIA mais tarde, ainda no mesmo ano.
Dulles, insatisfeito com a “timidez” da nova CIA, organizou o relatório do Comitê Dulles-Jackson-Correa, sobre o qual Dulles naturalmente assumiu rapidamente o controle, o qual concluiu sua avaliação fortemente crítica da CIA, ao exigir que a agência estivesse disposta a iniciar essencialmente uma guerra com a União Soviética. A CIA, declarou “tem o dever de agir”. A agência “foi dotada, por lei, de ampla autoridade”. Era hora de aproveitar ao máximo esse poder generoso, insistiu o comitê, vale dizer, Dulles em pessoa.
Dulles, impaciente com o ritmo lento da CIA em desencadear o caos no mundo, criou um novo posto avançado de inteligência chamado Gabinete de Coordenação de Políticas, GCP (ing. OPC) em 1949. Frank Wisner (que trabalhava como advogado de Wall Street para o escritório Carter, Ledyard & Milburn e era ex-ESE, obviamente do ‘setor’ de Dulles) foi trazido como chefe do GCP, e rapidamente trouxe a unidade para as artes negras da espionagem, incluindo sabotagem, subversão e assassinato (10). Em 1952, a GCP tinha 47 estações no exterior, e seu pessoal contava com quase três mil funcionários, com outros três mil contratados independentes em campo.
Essencialmente, Dulles e Wisner estavam operando sua própria agência privada de espionagem.
O GCP era administrado com pouca supervisão governamental e poucas restrições morais. Muitos dos recrutas da agência eram “ex” nazistas. (11) Dulles e Wisner estavam envolvidos numa guerra sem limites com o bloco soviético – e de fato sem qualquer supervisão governamental.
Como Prouty mencionou, a evacuação sombria dos nazistas escondidos entre os prisioneiros de guerra seria a primeira de muitas operações desse tipo, incluindo a evacuação do General Reinhart Gehlen, oficial chefe da inteligência do exército alemão, para Washington, em 20/9/1945.
A maior parte da inteligência reunida pelos homens de Gehlen foi extraída da enorme população de prisioneiros de guerra soviéticos – que chegou a 4 milhões de pessoas – e que ficou sob controle dos nazistas. A exaltada reputação de Gehlen como ‘mago da inteligência’ derivou do uso generalizado da tortura na organização dirigida por ele. (12a)
Gehlen entendeu que a aliança EUA-soviética inevitavelmente se romperia (com suficiente sabotagem), proporcionando uma oportunidade para que pelo menos sobrevivessem alguns elementos da hierarquia nazista, os quais uniriam forças com o Ocidente, contra Moscou.
Conseguiu convencer os americanos de que sua inteligência sobre a União Soviética era indispensável; que se os EUA quisessem vencer contra os russos, precisariam trabalhar com ele e mantê-lo seguro. Portanto, em vez de serem entregues aos soviéticos como criminosos de guerra, como Moscou exigia, Gehlen e seus principais subordinados foram embarcados num navio de tropas, de volta à Alemanha! (12b)
Inacreditavelmente, a equipe de espionagem de Gehlen foi instalada pelas autoridades militares americanas em um complexo na vila de Pullach, perto de Munique, sem supervisão. Ali puderam viver seu sonho de reconstituir a estrutura de inteligência militar de Hitler dentro do sistema de segurança nacional dos EUA. Com o generoso apoio do governo americano, a Organização Gehlen – como veio a ser conhecida – prosperou em Pullach, tornando-se a principal agência de inteligência da Alemanha Ocidental. (12c) E não poderia ser surpresa para ninguém que “antigos” oficiais da SS e da Gestapo tivessem sido trazidos, incluindo pessoas como o Dr. Franz Six. Mais tarde, Six seria preso pelos agentes de contraespionagem do Exército dos EUA. Condenados por crimes de guerra, Six cumpriu apenas quatro anos de prisão; e semanas após sua libertação voltou ao trabalho na sede de Gehlen, em Pullach! (13a)
Para aqueles que chegaram a acreditar durante a guerra que os russos seriam seus verdadeiros inimigos (enquanto morriam em combate pela mesma causa que os americanos!), não foi comprimido difícil de engolir. Mas houve um recuo.
Muitos na CIA opuseram-se veementemente a qualquer associação com “ex” nazistas, incluindo o Almirante Roscoe Hillenkoetter, primeiro diretor da CIA, que em 1947 instou fortemente o Presidente Truman a “liquidar” a operação de Gehlen. Ainda não se sabe com clareza o que impediu que isso acontecesse. Mas sabe-se que Gehlen teve algum apoio muito poderoso em Washington, inclusive dentro do establishment de segurança nacional, com o apoio primário da facção Dulles. (13b)
Walter Bedell-Smith, que sucedeu Hillenkoetter como Diretor da CIA, apesar de ter trazido Allen Dulles e de o ter feito deputado, absolutamente não o apreciava. Enquanto Smith se preparava para renunciar, algumas semanas após a posse de Eisenhower, Smith informou Eisenhower que seria insensato dar a Allen a direção da agência. (14) Adiante, Eisenhower lamentaria profundamente não ter ouvido esse bom conselho.
Com a vitória de Eisenhower-Nixon – efeito culminante de anos de estratégia política dos Republicanos de Wall Street –, os escolhidos para chefiar o Departamento de Estado e CIA foram ninguém menos que Foster e Allen Dulles, respectivamente. Assim continuaram a dirigir as operações globais da nação mais poderosa do mundo.
Por esta razão, a eleição presidencial de 1952 entrou para a história como o triunfo da “elite do poder”. (15) [Continua].*******
NOTAS
- David Talbot,Devil’s Chessboard, pg 21.
- Ibid., pg 22.
- Ibid., pg 27.
- Ibid, pg 26.
- Ibid, pg 23.
- Ibid., pg 28.
- Ibid., pg 29.
- Ibid., pg 26.
- L. Fletcher Prouty,The CIA, Vietnam and the Plot to Assasinate John F. Kennedy, pg 51.
- David Talbot,Op. Cit., pg 128.
- Ibid., pg 128.
12 (a,b,c) Ibid., pg 228.
13 (a,b) Ibid., pg 229.
- Ibid., pg 174.
- C. Wright Mills,The Power Elite, 15/2/2000.
Esse artigo foi retirado do site “Strategic Culture Foundation” , do dia 12 de março de 2021.
Tradução: Coletivo Vila Mandinga