Esse post é, de certo modo, uma complementação do Última Chance II, onde analisamos a experiência brasileira na década de 90 e mostramos que, ao contrário das promessas do “fim de um estado intervencionista”, termo comumente empregado pelos que defendem a privatização, tivemos uma intervenção continuada e oclusa para a maioria dos cidadãos.
Em primeiro lugar, ninguém nega que, em um sistema capitalista, o estado deve adotar políticas de incentivo para conduzir a economia a um resultado desejado numa política pública explícita. O mundo inteiro adota essa estratégia.
A grande diferença para o que foi adotado aqui é que essas políticas não foram especificadas quanto à dimensão relativa de um país em desenvolvimento e nem “dosadas” quanto à capacidade financeira de instituições estatais que estivessem no centro dessa estratégia.
O caso que chama a atenção é certamente o da Eletrobras. Desde o racionamento de 2001, quando o consumo de energia elétrica se reduziu drasticamente, se percebeu que, por defeito de construção mimetizada do modelo mercantil brasileiro, o mercado livre capturou energia a preços extremamente baixos. A partir de 2003, por mais de 5 anos, se percebeu que esse nicho de consumo, apesar de já representar quase 30% do total, não participou da expansão da oferta de energia nova. Como já mostramos diversas vezes, a Eletrobras, por ter sido descontratada, foi a maior patrocinadora de verdadeiro Bolsa MW em favor do “mercado”.
O gráfico abaixo mostra o tangenciamento do consumo total com a chamada “Garantia Física”, o limite de segurança do sistema. Só não tivemos problemas de abastecimento porque as hidrologias de 2009 até 2011 foram extremamente favoráveis e pela política de parcerias público privadas adotadas usando a Eletrobras como minoritária.
Nem sempre é possível obter os dados abaixo em todos os relatórios de administração da Eletrobrás, mas, no documento de 2017 é possível ver que a “dose” do “remédio” foi exagerada.
A tabela acima mostra que os investimentos totais orçados em 2017 superestimaram os investimentos corporativos. Ao invés dos aportes em SPE’s representarem 37% do investimento corporativo, chegou-se quase ao dobro! Chama a atenção o fato que, nos anos anteriores, essa proporção foi significativa, sendo que, em 2016, os recursos destinados à sociedades onde a Eletrobrás é minoritária, superaram os investimentos nos ativos próprios!
Mais do que isso, o orçado para os anos seguintes mostram um decréscimo de aportes nos ativos da própria estatal e um aumento de recursos para as SPE’s. Reparem que esses valores são os orçados, e , se superestimações como a que ocorreu em 2017 se repetem, o exagero está mais do que demonstrado.
Há duas conclusões óbvias:
1 – A Eletrobrás, por já ter sofrido a descontratação do período do racionamento e por esse peso extra que não consta do seu estatuto, passou a ter um custo de capital muito acima das taxas de retorno desses empreendimentos.
2 – Esses dados mostram, sem sombra de dúvida que, ao contrário do propagado pelo atual governo e pela maioria da mídia, o capital privado não se comporta no Brasil como se comporta em países desenvolvidos. Se não entendermos esse aspecto que esses números mostram, vamos assistir a destruição da Eletrobras sem nenhuma garantia de investimento.
Esse artigo foi retirado da publicação feita no site “ILUMINA”, do dia 19 de fevereiro de 2021.