Cadastre-se Grátis

Receba nossos conteúdos e eventos por e-mail.

O baixo preço e a ilegalidade da venda da RLAM

Mais Lidos

Paulo César Ribeiro Lima
Paulo César Ribeiro Lima
Foi funcionário do Banco do Brasil e servidor do Banco Central. Depois de se formar em engenharia, na Universidade Federal de Minas Gerais, foi aprovado em concurso da Petrobrás, onde trabalhou por cerca de 16 anos. Por ter sido o primeiro colocado, escolheu o Centro de Pesquisas da Petrobrás (Cenpes), onde trabalhou no desenvolvimento de tecnologias para exploração e produção de petróleo em águas profundas. Fez mestrado em engenharia na Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutorado na Universidade de Cranfield na Inglaterra. Sua tese de doutorado foi premiada como a melhor tese da Escola de Engenharia. Também foi professor da Universidade Estadual do Norte Fluminense, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro – COPPE e do Instituto de Ensino Superior Planalto. Em 2002, fez concurso para Consultor Legislativo do Senado e da Câmara dos Deputados para a Área de Economia-Minas e Energia; foi aprovado em ambos. Ao longo dos seus 15 anos de trabalho como Consultor Legislativo, participou ativamente do processo legislativo no Congresso Nacional, com destaque para os novos marcos legais do Pré-Sal, dos royalties para a educação e saúde, dos biocombustíveis, do setor elétrico e do setor mineral. Depois de 38 anos de trabalho formal, aposentou-se em 2018. Atualmente, é consultor da Advocacia Garcez em Brasília.

No dia 22 de novembro de 2019, a Petrobrás, em continuidade ao comunicado divulgado em 30 de agosto de 2019, informou o início da fase vinculante referente à venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), localizada no Estado da Bahia, e seus ativos logísticos correspondentes.

Segundo notícia divulgada na mídia, entre os possíveis candidatos a
compradores da RLAM estariam o fundo soberano dos Emirados Árabes Unidos, Mubadala Investment Co e a gigante de refino chinesa Sinopec[1].

Em 24 de junho de 2020, a Petrobrás informou, com relação a notícias divulgadas na mídia, que a data para recebimento de propostas vinculantes do projeto de desinvestimento da RLAM foi 25 de junho de 2020[2].

A Petrobrás, em 24 de março de 2021, comunicou que assinou o contrato
de venda da RLAM e de seus ativos logísticos associados para a Mubadala
Capital pelo valor de US$ 1,65 bilhão[3].

A RLAM possui capacidade de processamento de 333 mil barris por dia (14% da capacidade total de refino de petróleo do Brasil), e seus ativos incluem quatro terminais de armazenamento e um conjunto de oleodutos totalizando 669 km.

Segundo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), as refinarias da Petrobrás foram construídas com grande escala de produção, para minimizar o custo de abastecimento e para assistir regiões específicas do território nacional, complementando-se entre si na produção de derivados necessários ao atendimento de cada região[4]

Nessa lógica, algumas refinarias, ou um conjunto delas atuando complementarmente, configuram uma situação de monopólios regionais para o fornecimento de seus produtos aos mercados a que atendem. O monopólio regional da RLAM e seus ativos logísticos é evidente, bastar analisar a Figura 1, que mostra a localização da Refinaria e a infraestrutura de transporte, além das bases de distribuição primárias e secundárias.

Figura 1: A RLAM, a malha de transporte e as bases de distribuição

Conforme mostrado na Figura 1, o Estado da Bahia conta com três bases primárias: São Francisco do Conde, onde está localizada a RLAM; Jequié; e Itabuna. Essas bases primárias estão interligadas à RLAM por meio de polidutos, que transportam os derivados para tais bases.

A existência do monopólio regional, apontada pelo BNDES, é confirmada, ainda, por estudos da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

De acordo com Estudo da PUC-Rio, o processo de abertura do mercado de refino, por meio da venda de oito refinarias da Petrobrás, que respondem por cerca de 50% da capacidade de processamento de petróleo do país, pode criar nova distorção no mercado[5].

Segundo esse Estudo, há alta possibilidade de formação de monopólios privados regionais nas áreas de influência da maioria das refinarias à venda, sem garantia de aumento de competitividade que possa se refletir em redução de custo aos consumidores finais.

A primeira etapa do levantamento indicou que, das seis refinarias analisadas, quatro delas têm potencial elevado para a formação de monopólios regionais, entre elas a RLAM. Nesses casos, a falta de infraestrutura de modais de alta capacidade que interligue os mercados restringe a possibilidade de competição.

Em Estudo enviado ao Ministério de Minas e Energia, a ANP defende venda separada de terminais e refinarias[6]. A Agência ressalta que organização física de ativos em desinvestimento nem sempre favorece a competição.

De acordo com o Estudo da ANP, os terminais aquaviários incluídos no acordo assinado pela Petrobrás e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) para desinvestimentos em refino e ativos de logística associada, devem ser operados por empresas separadas do refinador, mesmo que constituídos pelos adquirentes das refinarias. A avaliação da Superintendência de Infraestrutura e Movimentação (SIM) da ANP foi enviada, como contribuição, ao programa federal “Novo Cenário Downstream: Infraestrutura”.

No caso da RLAM, a situação atual atende às exigências da ANP. Os Terminais de Candeias, Itabuna, Jequié e Madre de Deus, e os dutos Becan 6”; Becan 8”; 21 oleodutos de petróleo e derivados ligando a RLAM ao Terminal Madre de Deus; ORSUB, que liga a RLAM aos Terminais de Jequié e Itabuna; ORPENE L1/14”, ORPEN 12”; e ORPENE 8”, que liga a RLAM ao Complexo Petroquímico de Camaçari, já são operados por empresa separada do refinador, que é a Petrobrás Transportes S.A. (Transpetro). A Figura 2 mostra o enorme conjunto de ativos que está sendo vendido.

Figura 2: A RLAM e seus ativos de logística

Fonte: Petrobrás

Em linha similar aos Estudos da PUC-Rio e da ANP, manifestou o Conselho Nacional de Política Energética por meio da Resolução CNPE nº 9/2019, art. 1º, IV. Esse inciso estabelece que a transferência de ativos de movimentação de insumos e produtos por parte do refinador deve ocorrer preferencialmente para grupos econômicos desverticalizados, considerando o mercado relevante, observada a regulação da ANP para o acesso de terceiros.

Quanto ao valor de venda informado pela Petrobrás, de US$ 1,65 bilhão, ele pode ser considerado extremamente baixo. A indústria de refino requer altos investimentos. Seus custos são de cerca de US$ 10 mil para refinar um barril de cru[7]. Assim sendo, estima-se que para refinar 333 mil barris por dia, o custo de capital seria de US$ 3,33 bilhões.

A fato de algumas das instalações da RLAM serem antigas poderia ser compensado pelo elevado Índice de Nelson de 7[8]. Dessa forma, o valor de US$ 3,33 bilhões é compatível com o custo de capital das unidades da RLAM.

Além disso, a RLAM e os terminais têm capacidade de estocagem de 4,1 milhões de barris de petróleo; capacidade de estocagem de produtos de 4,3 milhões de barris; e de 0,4 milhões de barris para o gás de cozinha (GLP). É importante destacar, ainda, que o Terminal Madre de Deus conta com vários pontos de atracação: PP-1, PP-2, PP-3, PP-4, PS-1 e Píer de barcaças.

O custo de capital dessa capacidade de estocagem é de cerca de U$ 130 milhões, sem considerar as facilidades marítimas e de GLP. Com essas facilidades, o custo de capital poderia chegar a US$ 300 milhões.

No caso da rede de dutos de 669 km, admitindo-se um “diâmetro médio de 10 polegadas”, o custo de capital seria US$ 300 milhões, incluindo-se as estações de bombeamento.
Dessa forma, apenas o custo de capital da RLAM e seus ativos logísticos, composto por refinaria, terminais e dutos seria de US$ 3,93 bilhões.

Mas o valor desses ativos é ainda maior, pois permitirá ao comprador exercer uma atividade de quase monopólio na Bahia e contar com vantagens comparativas para abastecer outros Estados da Região Nordeste e, inclusive, da Região Norte.

Além disso, o “comprador” terá toda uma infraestrutura operacional, comercial e de recursos humanos desenvolvida pela Petrobrás para o exercício da atividade.

Assim sendo, o “preço justo” para venda do “ativo RLAM” seria de, no mínimo, US$ 4,2 bilhões. Admitindo-se uma vida útil do conjunto de ativos mostrado na Figura 2 de 25 anos e uma taxa de desconto de 10% ao ano, apenas para recuperar o valor investido, seria necessária uma receita anual adicional de US$ 462 milhões.

Admitindo-se um fator de utilização de 90%, a RLAM produziria, por ano, 109 milhões de barris de derivados a um custo de operação e manutenção de US$ 275 milhões. Se a RLAM for privatizada, a esse custo deve ser somado o valor anual de US$ 462 milhões, apenas para recuperar os custos de investimento. Dessa forma, o custo de refino anual da RLAM privada passaria a ser de US$ 737 milhões, o que representa um aumento de 168% no custo médio de refino. A privatização da RLAM e seus ativos logísticos representaria, então, um monopólio privado de alto custo, o que impactaria os preços dos derivados.

Conclui-se, então, que a venda da RLAM não atende aos interesses do órgão regulador, dos consumidores e da sociedade brasileira.

Desse modo, não se considera adequada a decisão do CADE, de 11 de junho de 2019, de homologar um Termo de Compromisso de Cessação (TCC) com a Petrobrás, no qual a estatal se comprometeu a alienar oito de suas treze refinarias, inclusive a RLAM[9].

Além disso, é flagrante a ilegalidade da venda, sem licitação, da RLAM e seus ativos logísticos.

As licitações foram uma das grandes preocupações do estatuto jurídico da empresa pública e da sociedade de economia mista, a Lei nº 13.303/2016, que dispensou 56 dos seus 97 artigos a deste assunto.

Em afronta a essa Lei, a Petrobrás decidiu que a venda da RLAM e seus ativos logísticos seria conduzida de acordo com a “Sistemática de Desinvestimentos da Petrobras”, alinhada ao regime especial de desinvestimento de ativos pelas sociedades de economia mista federais, previsto no Decreto nº 9.188/2017.

O Decreto nº 9.188/2018 regulamenta a dispensa de licitação pública, tendo em vista o disposto no art. 28, § 3º, inciso II, e § 4º, e no art. 29, caput, inciso XVIII, da Lei n º 13.303/2016.

No entanto, a dispensa de licitação prevista no art. 29, caput, inciso XVIII, da Lei nº 13.303/2016 não diz respeito a alienação de ativos de refino e logística, pois essa própria Lei exige licitação pública para esse tipo de alienação.

É importante ressaltar ainda que, em razão de dispositivos da Lei nº 9.478/1997 e da Lei nº 9.491/1997, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de dispensa de autorização legislativa e licitação para venda de controle acionário de subsidiárias, proferida em 6 de junho de 2019 no âmbito da ADI 5624, não se aplica à RLAM e seus ativos logísticos.

Nos termos do art. 64 da Lei nº 9.478/1997, a Petrobrás está autorizada a criar subsidiárias para o estrito cumprimento de atividades de seu objeto social, como refino e transporte. Essas subsidiárias, no entanto, somente podem ser constituídas, nos termos do art. 173 da Constituição Federal, por imperativos de segurança nacional ou de relevante interesse coletivo.

O art. 64 da Lei nº 9.478/1997 é, na realidade, o reconhecimento pelo Congresso Nacional de que as atividades de refino e transporte, quando exercidas pela Petrobrás, atendem às condições exigidas pelo art. 173 da Carta Magna.

Assim, a administração da Petrobrás pode criar ou extinguir subsidiárias para realizar essas atividades apenas para descentralização administrativa. Não pode, contudo, alienar o controle acionário de subsidiárias criadas por mera decisão administrativa, pois o legislador considera que as atividades da Petrobrás, ainda que exercidas por subsidiárias, atendem às condições exigidas pela Constituição Federal. Desse modo, se extintas as subsidiárias por decisão administrativa, seus ativos e atividades devem à controladora, como estabeleceu o Congresso Nacional.

A Lei nº 9.491/1997 também veda, em seu art. 3º, a desestatização da Petrobrás e suas subsidiárias que desempenham as atividades previstas no art. 177 da Constituição Federal, que incluem as atividades da RLAM e seus ativos logísticos.

É importante ressaltar, contudo, que a Petrobrás, apesar da menção feita à consideração de um modelo de venda de participação de 100% em uma empresa (subsidiária integral) que englobaria a RLAM e seus ativos logísticos associados, isso ainda não ocorreu.

Dessa forma, a Petrobrás, em afronta à Lei nº 13.303/2016 está vendendo ilegalmente, sem licitação, por US$ 1,65 bilhão um ativo com valor superior a US$ 4,2 bilhões. Dessa forma, deve-se buscar a imediata suspensão da alienação da RLAM e seus ativos logísticos.
Ressalte-se, por fim, que, em razão da ausência do processo licitatório exigido pela Lei nº 13.303/2016, essa alienação está ocorrendo sem a devida transparência, como já ocorreu em outras privatizações no Sistema Petrobrás. Nunca se saberá, por exemplo, o valor do ativo estimado pela Petrobrás, as empresas que participaram do “processo” e os valores das ofertas. Isso é uma evidente ofensa ao princípio constitucional da publicidade, de que trata o art. 37 da Carta Magna.

Paulo César Ribeiro Lima, PhD
Consultor Legislativo Aposentado da Câmara dos Deputados
Ex-Consultor Legislativo do Senado Federal
Ex-Engenheiro da Petrobrás

[1] Disponível em https://br.reuters.com/article/topNews/idBRKBN23V2WR-OBRTP. Acesso em 26 de junho de 2020.
[2] Disponível em https://mz-prod-cvm.s3.amazonaws.com/9512/IPE/2020/182fd236-164c-4a5a-b05a-35ab55e2d2d6/20200624231652640891_9512_771261.pdf. Acesso em 26 de junho de 2020.
[3] Disponível em https://petrobras.com.br/fatos-e-dados/nosso-conselho-de-administracao-aprova-venda-da-refinaria-landulpho-alves-rlam-na-bahia.htm. Acesso em 31 de março de 2021.
[4] Disponível em https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/handle/1408/16041. Acesso em 26 de junho de 2020.
[5] Disponível em https://www.biodieselbr.com/noticias/biocombustivel/negocio/venda-de-refinarias-pode-criar-monopolio-privado-260520. Acesso em 26 de junho de 2020.
[6] Disponível em https://petroleohoje.editorabrasilenergia.com.br/anp-defende-venda-separada-de-terminais-e-refinarias/. Acesso em 26 de junho de 2020.
[7] Disponível em https://www.dawn.com/news/1058291. Acesso em 31 de março de 2021.
[8] A presença de unidades de conversão e tratamento contribui para maior complexidade das refinarias. A medida usual de complexidade das refinarias é o Índice de Nelson.
[9] Disponível em https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-curioso-caso-do-tcc-da-petrobras-no-cade-03072019. Acesso em 16 de julho de 2019.

Artigos Relacionados

Na década de 1930, para o exercício da profissão, os militares reagiram

Estávamos em meados da década de 1930, o titular do então denominado Ministério da Guerra é informado que o combustível existente no Brasil não...

Comentários Sobre Conjuntura Internacional, por Marcelo Zero

Essequibo i. Dizer que a questão de Essequibo é uma agenda de Maduro ou do chavismo seria a mesma coisa que afirmar que a questão...

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here

Em Alta!

Colunistas