“Tenho certeza de que os matadores nos cercam.
Idiotas unidos enfeitiçados por palavras
Controlam aquelas armas.
Quem dá partida na máquina de guerra?”
“Declare a lei!” (Lay Down The Law, INXS)[1]
É luta de escorpiões num vórtice de espelhos distorcidos dentro do circo. Comecemos com os espelhos no circo.
A não entidade que se faz passar por ministro de Relações Exteriores da Ucrânia viajou a Bruxelas para ser cortejado pelo secretário de Estado Blinken dos EUA e pelo secretário-geral Stoltenberg da OTAN.
No máximo, circo de jogo de sombras. Muito mais do que conselheiros da OTAN numa porta giratória girando freneticamente em Kiev, o verdadeiro jogo de sombras é o MI6 trabalhando mesmo, muito próximo, com o presidente Zelensky.
O roteiro belicista de Zelensky chega-lhe diretamente de Richard Moore do MI6. A inteligência russa sabe muito bem disso, até das letrinhas miúdas. Viram-se vazamentos atentamente selecionados para um especial de TV no canal Rossiya 1.
Confirmei com fontes diplomáticas em Bruxelas. A mídia britânica também soube de alguma coisa – mas obviamente lhe foi ordenado que distorcesse ainda mais os espelhos, e jogasse todas as culpas, claro – e em que seria? –, na “agressão russa”.
Em Kiev praticamente não há inteligência alemã. E abundam legiões dos tais conselheiros da OTAN. Mas ninguém fala da explosiva conexão MI6.
Vozes descuidadas que sussurram pelos corredores em Bruxelas juram que o MI6 realmente crê que, no caso de guerra quente vulcânica (mas ainda evitável, no pé em que está) com a Rússia, a Europa continental arderá, e a Brexitlândia será poupada.
Que sonhem! Agora, voltemos ao circo.
Oh, você está-me provocando
Ambos, o Pequeno Blinken e o espantalho Stoltenberg da OTAN papaguearam o mesmo roteiro em Bruxelas, depois de conversar com o ministro de Relações Estrangeiras da Ucrânia.
Foi parte de uma “reunião especial” da OTAN sobre a Ucrânia – na qual alguns eurocratas devem ter dito a um bando de eurocratas extra desentendidos como serão carbonizados em segundos pelas ogivas aterrorizantemente explosivas dos TOS-1 Buratino russos, caso a OTAN tente alguma gracinha.
Ouçam só a tagarelice de Blinken: ações russas são “provocações”.
Bem… Seu pessoal com certeza não lhe passou uma cópia do exame detalhado, passo a passo feito pelo ministro da Defesa da Rússia Sergei Shoigu, dos movimentos da operação DEFENDER-Europe 21, que o exército dos EUA realiza anualmente: “As principais forças estão concentradas no Mar Negro e região do Báltico”.
Agora, vem a tagarelice de Stoltenberg: Prometemos “apoio total” à Ucrânia.
Au ao au, uof ufo. Ok. Agora voltem a brincar na caixinha de areia de vocês.
Não, não, ainda não. Pequeno Blinken ameaçou Moscou com “consequências” se algo acontecer na Ucrânia.
A paciência infinita do porta-voz do Kremlin Dmitri Peskov é quase taoísta. A Arte da Guerra de Sun Tzu, por falar nisso, é obra prima taoísta. Resposta de Peskov a Blinken: “Simplesmente não precisamos andar por aí aos gritinhos de “Sou o maioral!”. Quanto mais alguém age desse modo, mais duvidosa essa ‘valentia’ toda…”
Quando em dúvida, convoque o insubstituível Andrei Martyanov – que escreve as coisas como as coisas são. A gangue do Torso para Simulador de Choque Frontal que governa em Washington ainda não entendeu – mas alguns profissionais do Estado Permanente,[2] sim, já entenderam.
Eis Martyanov (em ing. Why It Is Not Advised, Por que não se recomenda):
Como digo repetidas vezes on record – os EUA jamais combateram guerra com seu sistema de Comando e Controle sob impacto de fogo sustentado e ininterrupto, com a retaguarda atacada e desorganizada. Convencionalmente, os EUA não podem vencer a Rússia na Europa, pelo menos na parte ocidental dela. Melhor o governo “Biden”[3] tratar de acordar para a realidade de que pode, sim, não sobreviver a qualquer tipo de escalada. Fato é que os modernos Kalibrs, 3M14Ms têm, sim, alcance de uns 4.500 km, e há os mais de 5 mil km de alcance dos mísseis cruzadores X-101 – que não terão qualquer dificuldade para penetrar o espaço aéreo da América do Norte, quando lançados pelos bombardeiros estratégicos russos, os quais sequer terão de abandonar a segurança do espaço aéreo da Rússia.
O efeito Patrushev
O circo prosseguiu com o telefonema de “Biden” – quer dizer, o Torso para Simulador de Choque Frontal falando com ‘ponto’ no ouvido e telepronter diante do telefone – para o presidente Putin.
Podem chamar de efeito Patrushev.
Em sua muito surpreendente entrevista a Kommersant,[4] o Triplo Yoda Patrushev mencionou uma muito civilizada conversa telefônica, no final de marco, com o Conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan. Claro que não há pistola fumegante no local do crime, mas se alguém poderia aparecer com a ideia ‘salva-cara’ dos americanos, de um telefonema Biden-Putin seria Sullivan.
As conversas que chegam de Washington e de Moscou, são só superficialmente divergentes. Os norte-americanos destacam que “Biden” – na verdade, todo o combo que manda e decide por trás do presidente – quer construir “relacionamento estável e previsível com a Rússia, consistente com os interesses dos EUA.”
O Kremlin informou que Biden “manifestou interesse em normalizar as relações bilaterais.”
Longe desse denso nevoeiro, o que realmente interessa é Patrushev-Sullivan. Tem a ver com Washington ter de dizer à Turquia que naves de guerra dos EUA transitarão pelo Bósforo rumo ao Mar Negro. Sullivan deve ter dito a Patrushev que não, as naves não estarão “ativas” no Donbass. E Patrushev respondeu a Sullivan, que OK, então não as incineraremos ali mesmo.
Em Moscou absolutamente não há ilusões de que esse suposto encontro Putin-Biden em futuro remoto venha a acontecer algum dia. Especialmente depois que o taoísta Peskov esclareceu, sem deixar qualquer dúvida, que “ninguém admitirá que os EUA falem com a Rússia de alguma posição de força”. Se soa como frase saída diretamente de Yang Jiechi – que fez sopa de barbatana de tubarão de Blinken-Sullivan no Alasca – é porque, sim, saiu dele.
Kiev, previsivelmente, permanece presa no modo circo. Depois de ouvir duras mensagens do Senhor Iskander, Senhor Khinzal e Senhor Buratino, Kiev logo mudou de opinião, ou pelo menos finge que teria mudado, e agora diz que não quer guerra.
E aqui vem a intersecção entre circo e coisa séria. O combo “Biden” jamais disse, explicitamente, on the record, que não quer guerra. Ao contrário: estão mandando aqueles navios de guerra para o Mar Negro – e vem o circo outra vez! – designou enviado tipo “Ministério dos Passos Idiotas”, cujo único serviço é fazer descarrilhar o gasoduto Nord Stream 2.
No “Ministério dos Passos Idiotas”
(de Monty Python, do show Monty Python’s Flying Circus,
2ª série, episódio 1, intitulado “Enfrente a imprensa”.
Aqui [ imagem acrescentada pelos tradutores]
Assim sendo, o suspense – feito teaser de O Expresso do Amanhã – está em saber o que acontecerá quando o gasoduto Nord Stream 2 estiver concluído.
Mas antes disso há algo ainda mais momentoso: 4ª-feira que vem, em sua fala ao Conselho de Segurança da Rússia, o presidente Putin estabelecerá a lei.
É Minsk 2, estúpido
O vice-ministro de Relações Exteriores, Sergei Ryabkov, percutiu resposta bem menos taoísta que Peskov: “Os EUA são nosso inimigo, fazendo de tudo para minar a posição da Rússia na arena internacional. Não vemos quaisquer outros elementos, na abordagem que os EUA adotam em relação à Rússia. Essas são nossas conclusões”.
Realpolitik da boa, na veia. Ryabkov conhece por dentro e por fora a mentalidade “incapaz para acordos”[5] do hegemon. Uma outra dimensão à sua observação é a conexão direta que fez com a única solução para a Ucrânia: os acordos Minsk 2.
Putin reiterou Minsk 2 na teleconferência com Merkel e Macron – e com certeza também com “Biden” no telefonema entre os dois. A turma da Beltway,[6] a União Europeia e a OTAN sabem perfeitamente de tudo isso. Minsk 2 foi firmado por Ucrânia, França e Alemanha e certificado pelo Conselho de Segurança da ONU, CSO. Se Kiev violar esse compromisso, a Rússia – como membro do CSO – pode fazer valer o acordo.
Kiev já há meses tem violado Minsk 2; recusa-se a cumprir o que assinou. Como satrapia fiel do hegemon, também não é gente “capaz para acordos”. Mas agora já estão sentindo o fogo em seus calcanhares, se sequer pensarem em iniciar guerra relâmpago contra o Donbass.
O segredo que todos conhecem na selva de espelhos que é a Ucrânia/Donbass sob a lona do circo é, claro, a China. Porque, em mundo não demente, a Ucrânia seria, além de corredor da Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE), também parte do projeto russo de uma Eurásia Expandida. Nikolai Vavilov, especialista em China, reconhece a importância da ICE, mas também é verdade que a Rússia defende, sobretudo, seus próprios interesses.
Idealmente, Ucrânia/Donbass seria inserido no renascimento geral das Rotas da Seda – como comércio interno centro-eurasiano baseado e desenvolvido em consideração à demanda de toda a Eurásia. A integração da Eurásia – na visão dos dois países, China e Rússia – tem a ver sempre com economias interconectadas mediante o comércio inter-regional.
Portanto, não é acaso que o hegemon a poucos passos de se tornar ator irrelevante em toda a Eurásia – salte sem medir consequências para acossar e tentar destruir a integração continental, por quaisquer meios que encontre à mão.
Nesse contexto, manipular um estado falhado, para que ande diretamente rumo à total destruição é apenas business (de picadeiro de circo).*******
[1] Epígrafe acrescentada pelos tradutores.
[2] Orig. Deep State (lit. “Estado Profundo”). Já há algum tempo temos optado por traduzir a expressão por “Estado Permanente”. Depois de muito discutir, chegamos a um consenso: “Afinal de contas, o tal Deep State (i) não é ruim por ser profundo: é ruim por ser eterno, permanente, imutável, inalcançável pelas instituições e forças da democracia; e além disso, (ii) nem ‘profundo’ o tal Deep State é: ele vive à tona, tem logotipos, marcas e nomes na superfície, é visível, portanto; mesmo assim, se autodeclara “profundo”. Não. Ele que se autodeclare o que queira. Nós o declaramos “Estado Permanente” (e anotamos nossos motivos, aqui, em nota dos tradutores. [NTs].
[3] O Saker, analista de The Vineyard of the Saker, usa a expressão “Biden” [o nome Biden, entre aspas de ironia]. É informação que se tem do próprio Pepe Escobar, em Duplo Expresso, na fala de 16/4/2020, “Censuram Pepe Escobar”, em Duplo Expresso, 01:21:00 ss, em https://www.youtube.com/watch?v=DTywFD8gOiA&t=4860s). Na coluna aqui traduzida, Escobar vale-se da mesma eloquente ironia [NTs].
[4] A entrevista está traduzida ao português (tradução automática ru.-port., revista), no Blog Bacurau Homenagem ao Filme.
[5] Sobre “incapaz para acordos”, ver 24/9/2016, The Saker, The Vineyard of the Saker, “Eventos recentes na Síria mostram que o governo Obama está em confusa agonia terminal”, traduzido no Pravda Brasil:
“Os russos manifestaram total desagrado e indignação contra o ataque e começaram a dizer abertamente que os norte-americanos são “недоговороспособны”. A palavra significa literalmente “[gente, pessoa] incapaz para acordos” ou sem as competências mínimas para firmar um acordo e para, na sequência, honrar o que assinou. (…) É expressão que só é usada para descrever entidade que sequer tenha condições mínimas indispensáveis para merecer a confiança necessária para que alguém inicie negociações, porque se sabe de antemão que não cumprirá o que for acordado. É diagnóstico absolutamente devastador.” [NTs]
[6] “Beltway” refere-se à parte da rodovia circular interestadual 495, que ‘cerca’ a Capital, Washington, desde 1964. Por metonímia, “Beltway” é expressão usada para designar o ‘círculo íntimo’ do governo federal dos EUA (mapa) [NTs].
Esse artigo foi retirado da publicação feita no site “Strategic Culture Foundation”, do dia 16 de abril de 2021.
Tradução: Coletivo Vila Mandinga