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Soberania, integridade do patrimônio nacional: síntese

Por Felipe Quintas e Pedro Augusto Pinho

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Felipe Quintas
Felipe Quintas
Mestre e doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense - UFF

Parodiando a magnífica criação de René Goscinny (1926–1977) – o gaulês Asterix – podemos dizer que ao final do século XX todo mundo se curvara ao globalismo financeiro originado na Inglaterra. “Bem, não inteiramente”. Um povo de olhos puxados, no extremo oriental da Ásia, fazia questão de administrar estes invasores com sua milenar capacidade de resiliência, agora conduzida por um partido político, o Partido Comunista Chinês (PCC). E, ainda usando as expressões de Goscinny, não deixando tranquila a vida dos financistas rentistas.

Desde as derrotas nas duas grandes guerras, o modelo de poder financeiro lutara contra o industrialismo do sistema originado nos Estados Unidos da América (EUA) e adaptado, para o modelo socialista, na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).

Nos anos 1980, conseguiu se tornar vitorioso e proclamou ser aquele modelo de estado liberal, competitivo e excludente, o fim da história da proteção humana por Estados Nacionais. Agora seria cada um por si, havendo ou não um transcendente olhar para todos.

Mas as próprias contradições deste modelo promoveram, em duas décadas, uma transformação. Não mais capitais tradicionais, sob a fachada de fundações, escritórios ou bancos, agiriam em proveito de famílias, como os Stuart ou os Orange, por séculos dominadoras de povos e países. Surgia, com a força de seus abundantes e líquidos recursos, o capital marginal, o capital que nem mais seria ilícito pelas mudanças legislativas mundiais, das drogas, dos contrabandos de pessoas e órgãos humanos, de armas e de tudo que encontrasse comprador.

Os gestores de ativos, empresas sem controladores conhecidos, seriam os proprietários de todas as áreas de negócio, da saúde às armas, da alimentação ao turismo, dos bens domésticos aos aeroespaciais, de espaços territoriais e virtuais.

A partir dos paraísos fiscais, que proliferaram a partir de 1980, estes capitais marginais passaram a ter voz e voto nas decisões econômicas mundiais.

Mundiais? Não, como na antiga Roma. Agora, a República Popular da China (RPC) e a Federação Russa se insurgiam contra este poder financeiro, atacando-o no que ficara a descoberto: 1) as necessidades do cotidiano humano, que o sistema industrial e a ação protetora do Estado eram os únicos capazes de prover e 2) a ausência da nação e dos elementos indispensáveis para nacionalidade: território e cidadania.

Além do mais, os capitais financeiros, por serem mundiais, globais, unipolares, não pertenciam a país algum; e quem se considera apátrida? Trava-se então a guerra da globalização contra o nacionalismo, da unipolaridade financeira contra a multipolaridade econômica, dos robôs contra a diversidade humana.

O Brasil tem a especificidade do riquíssimo território para defender e uma população miscigenada, que acolhe facilmente a vinda de outros povos. Torna-se portanto um empecilho para a globalização; e as finanças logo organizam a tomada de poder com o apoio da legislação, do judiciário e de golpes políticos.

Mas se equivocam quanto à formação nacional. No trabalho de três brilhantes historiadores – João Fragoso, Manolo Florentino e Sheila de Castro Faria, A economia colonial brasileira (séculos XVI-XIX) (Atual Editora, SP, 2009, 4ª edição) – temos um mapa da América do Sul 1650, com as áreas ocupadas pelos colonizadores. No que veio a se constituir o Brasil de hoje, encontramos um imenso vazio, pois só estão ocupadas estreita faixa costeira ao Oceano Atlântico, quer por holandeses, quer por portugueses e descendentes, e um trecho junto ao rio Paraná, das missões jesuítas.

Embora tratando do século XVIII, cem anos depois, o livro de Sheila de Castro Faria A Colônia em Movimento (Editora Nova Fronteira, RJ, 1998) demonstra que, fora da análise histórica centrada em outros diferentes padrões, se verifica que uma população majoritariamente mestiça percorria um espaço geográfico e social em área muito superior àquela do mapa de 1650, para o suprimento de bens indispensáveis à existência e ao prestígio dos produtores de bens agrários ou semielaborados para exportação.

E, como é óbvio, estes transportadores, mascates, iam obtendo produtos não só nas cidades, os importados, como em pequenos produtores, à margem da economia contabilizada, com interesse na sobrevivência e nos equipamentos e instrumentos para os serviços domésticos. Embora não abrangente de todas as produções, podemos dizer que no Brasil Colonial desenvolviam-se ambientes econômicos e sociais mais numerosos do que os registrados pelos colonizadores.

No entanto, mesmo nestes registros não se distinguem os diferentes tempos de manutenção da produção agrícola da mineral, extrativista primária. Como no denominado ciclo da mineração.

E não estamos ainda incluindo os psicossociais que surgem das diferentes concepções transcendentes, quer dos orixás, dos brasileiros importados, quer das doutrinações disciplinadoras dos jesuítas colonizadores. E que moldarão uma cultura própria, exclusiva da nossa Nação.

Esta riqueza natural e social brasileira não pode ser contida num modelo institucional importado, quer liberal quer de outra matriz ideológica. E, deste modo, afronta o globalismo pretendido pelos neoliberais, atualmente no poder brasileiro.

Mas, por outro lado, cinco séculos de dominação pela pedagogia colonial toraram difícil o surgimento de lideranças capazes de alertar a população a respeito dos malefícios e dos falsos dilemas colocados para sua orientação.

Neste momento de pandemia ceifando vidas, não protegidas por um sistema de saúde que, embora existente, não possa receber recursos por uma inacreditável legislação que impede investimentos na saúde, na educação, no transporte público, na construção de moradias populares e de tudo mais que um povo necessita para viver com dignidade e compreensão de seus direitos de cidadão.

Esta é a situação em que nos encontramos. Um país rico transformado em colônia de interesses financeiros, inclusive de origem ilícita. E um povo que não sabe se defender. Por isso que, mais do que nunca, a Nação brasileira precisa de um Estado forte e realmente nacional para ser, de fato, soberana, e, assim, determinar seus rumos.

Felipe Quintas é doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense.

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

 

Esse artigo foi retirado da publicação feita no site “Monitor Mercantil”, do dia 27 de abril de 2021.

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