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Construção do Estado Nacional: estrutura e administração

Por Felipe Quintas e Pedro Pinho

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Felipe Quintas
Felipe Quintas
Mestre e doutorando em Ciência Política pela Universidade Federal Fluminense - UFF

O Estado brasileiro foi criado como estado colonial, em 1549, quando Tomé de Souza (1503–1579) chegou a Salvador (Bahia) com soldados, colonos e animais.

O modelo de gestão privada para colônia brasileira, o primeiro a ser implantado com as Capitanias Hereditárias, havia fracassado, pois outros impérios coloniais também se aproveitavam da riqueza natural existente no território e ameaçavam o próprio domínio português na terra por eles descoberta.

As Capitanias Hereditárias existiram formalmente até 1821, embora a sucessão hereditária fosse abolida, em 1759, pelo Marques de Pombal. Mas, voltando às mãos do Reino Português, os territórios das capitanias foram redimensionados e ganharam outras estruturas administrativas.

Retornemos a 1549 para compreender o que o Reino Português entendia ser função do Estado colonial: a defesa do território, a ordem pública, ou seja, as seguranças externa e interna, e as finanças. Para tal o governador-geral contava com o capitão-mor, com o ouvidor-mor e com o provedor-mor.

Todas demais ações, inclusive as da produção, as iniciativas econômicas, bem como as assistenciais, as educacionais, as das comunicações sociais estavam inteiramente entregues à iniciativa privada. Podemos, na expressão neoliberal vigente, dizer que o Brasil começa com o Estado Mínimo. E de certo modo assim continuará até a Revolução de 1930.

O baiano Eduardo Portella (1932–2017), membro da Academia Brasileira de Letras, ministro de Estado da Educação, Cultura e Desportos, no Governo João Figueiredo (1979–1985), secretário de Estado no Rio de Janeiro, entre outras experiências políticas e intelectuais, autor de ensaios e obras literárias e técnicas, escreveu, em 1996, o artigo “A Qualidade do Estado” (in A Reforma do Estado no Brasil, número especial do Tempo Brasileiro, nº 126, julho–setembro 1996). Deste retiramos a seguinte análise:

“Começa a tomar corpo, com inexplicável atraso, a obrigação inadiável de qualificar as ações do Estado. Construir ou reconstruir a nação de cidadãos pressupõe intensa mobilização em diferentes níveis”. “Com uma tradição desafortunada somos, de há muito, um país correndo atrás do prejuízo histórico”.

O Brasil independente tinha na estrutura do Estado, de acordo com a Constituição outorgada de 1824, quatro poderes: o Legislativo, o Executivo, o Judiciário e o Poder Moderador, este último, acima dos demais poderes, era exercido pelo Imperador.

O Executivo tinha em sua estrutura organizacional: Secretaria de Estado dos Negócios do Império; Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros; Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda; Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça; Secretaria de Estado dos Negócios da Guerra; Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha, e após 1860, a Secretaria de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas.

Veem-se poucas alterações, em relação àquela de Tomé de Souza, e que tratavam das novas condições trazidas pela independência: os Negócios Estrangeiros (Relações Exteriores) e do Império, ou seja, a administração dos encargos diretamente afetos ao governante. Apenas em 1860, a produção e os serviços entram na órbita pública.

Na primeira República, de 1889 a 1930, quase não houve alteração daquela estrutura do executivo no Império. Com mínimas mudanças, algumas de simples nomenclatura, repetem-se o capitão-mor, como secretários ou ministros da guerra e da marinha, o ouvidor-mor, da justiça e o provedor-mor, da fazenda. O País, cuja economia dependente é formada de exportação agrícola, vê-se obrigado a dar atenção especial à agricultura. Os demais órgãos: transporte, viação e obras públicas, vão atender às pressões do desenvolvimento demográfico e à ocupação territorial.

Atividades próprias da construção da cidadania, tais como educação, saúde e trabalho, só ocorrerão com o governo de Getúlio Vargas.

Após a Constituição de 1988 e o poder financeiro conduzindo as gestões brasileiras, os governantes voltaram a buscar a redução do Estado. É mais um período em que os efetivos donos do poder não se envergonhariam de propugnar pelo Estado Mínimo, como foi da Colônia a 1930, e, coerentemente, pelo fim da Era Vargas.

Chegamos a 2020, com o governo eleito pelas inúmeras fraudes e farsas, produzidas pelas finanças internacionais e seus agentes no Brasil, apresentando um projeto de Emenda Constitucional que avilta as funções públicas e, mais grave, autoriza a transferência de encargos públicos para terceiros. Coloca o Estado Nacional para agir subsidiariamente em relação aos encargos próprios da soberania e da cidadania. Ou seja, transforma, por emenda constitucional, o Brasil em verdadeira subsidiária de empresas financeiras constituídas e estabelecidas em paraísos fiscais.

Referimo-nos à PEC 32, elaborada na área econômica, firmada pelo ministro Paulo Guedes, onde se lê, como exemplo:

“Art. 37-A. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão, na forma da lei, firmar instrumentos de cooperação com órgãos e entidades, públicos e privados, para a execução de serviços públicos, inclusive com o compartilhamento de estrutura física e a utilização de recursos humanos de particulares, com ou sem contrapartida financeira”.

Para bem compreender o que está acontecendo neste desmonte do Estado Nacional e a transformação do Brasil em empresa subsidiária de capitais internacionais sediados em paraísos fiscais, nos quais há a presença de capitais de drogas, contrabandos e outras ilicitudes, recomendamos a consulta ao trabalho da Auditoria Cidadã da Dívida (ACD).

Do trabalho da ACD selecionamos alguns temas dos slides apresentados pela auditora fiscal Maria Lúcia Fattorelli, na Câmara dos Deputados, em 26/4/2021, que tratam das inconstitucionalidades, incoerências e outros erros encontrados na Proposta de Emenda Constitucional 32/2020 (PEC 32).

a) Ausência de motivação. Constou da exposição de motivos apresentada pelo Executivo ao Congresso apenas: “… a percepção do cidadão, corroborada por indicadores diversos, de que o Estado custa muito, mas entrega pouco…”.

b) Desvio de finalidade. Descumprimento do princípio da Legalidade. A Lei 4.717/65 prevê em seu artigo 2º, que são nulos os atos lesivos ao patrimônio da União, quando deles se evidenciar: b.1) incompetência b.2) vício de forma; b.3) ilegalidade do objeto; b.4) inexistência dos motivos; b.5) desvio de finalidade.

c) Violação a cláusulas pétreas. O constituinte originário se referiu às funções públicas como atribuições do Estado que são desempenhadas pelos seus agentes públicos. A PEC32 suprime o termo “função pública” e usa “vínculos”: flagrante redução das atribuições a serem exercidas diretamente pelo Estado.

d) Propõe o desaparelhamento do Estado por meio de extinções de órgãos públicos da administração direta e ministérios.

e) Ofende o princípio da moralidade pública retornando ao apadrinhamento.

f) Rompe com a garantia fundamental retratada pelo conceito de direitos e interesses coletivos, encerrando a proteção coletiva trazida pelo Estado Democrático de Direito.

g) Ofende o princípio da separação dos poderes em evidente violação à CF/88 (artigos 51,IV; 52,XIII; 92; 93,III, 96,II,“b” e “c”; 99; e 127,§2º, primeira parte).

h) Invade competência legislativa: exclui competências do Poder Legislativo e, ao mesmo tempo acresce essas atribuições às competências do Chefe do Poder Executivo.

i) Desregulamenta o serviço público, diminuindo direitos de servidores públicos em evidente redução indireta do salário, enfraquecimento e desvalorização do servidor, propondo a extinção da função pública conceituada na doutrina como gênero que tem como espécie os cargos e empregos públicos, as funções de confiança, as funções comissionadas, os cargos em comissão e os de natureza especial.

Como verificamos, há todo um processo de desconstrução do Estado Nacional, aviltamento das funções públicas, cessão a terceiros dos encargos próprios do Estado, e com isso não possibilitando a existência do estado soberano, que defenda suas riquezas e os seus habitantes, e do estado cidadão, verdadeiramente democrático, onde todos sejam pares, iguais em direitos, em deveres, e na participação ativa nas decisões do País.

Felipe Maruf Quintas é doutorando em Ciência Política na Universidade Federal Fluminense.

Pedro Augusto Pinho é administrador aposentado.

 

Esse artigo foi retirado da publicação feita no site “Monitor Mercantil”, do dia 11 de maio de 2021.

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