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O fiscalismo do Espírito Santo e o ajuste fiscal permanente

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“As ideias aqui expressas com tanto esforço são extremamente simples e deveriam ser óbvias.” (John Keynes no Prefácio, Teoria Geral do Emprego e da Moeda)

Em 2021 o Espírito Santo recebeu, pela 10 vez seguida a nota A do Boletim de Finanças dos Entes Nacionais. Os estados com notas mais elevadas em relação ao indicador podem receber garantias da União na contratação de novos empréstimos. Mesmo assim, notas melhores em relação a este indicador não necessariamente indicam uma melhor trajetória econômica. No caso específico do Espírito Santo, o esforço para manutenção do padrão A parece ter efeitos econômicos bastante negativos, mesmo quando comparado a Estados com trajetória fiscal pior.

O caso parece ser elucidativo para verificar o que teria acontecido com o Brasil caso o ajuste fiscal realizado entre 2014 e 2017 tivesse gerado superávits expressivos em relação ao PIB. Também poderíamos imaginar o que aconteceria com o país, caso o setor público tivesse possibilidade de estabilizar ou até mesmo reduzir o gasto com pessoal e encargos sociais de maneira rápida e consistente. O Estado do Espírito Santo conseguiu esse feito, adquirindo desde 2012 e até hoje, sendo tratado como modelo de política fiscal.

Comparando receita e despesa, os dados do Portal da Transparência (ES)[1] mostram que o Estado conseguiu superávits no conceito primário em todos os anos entre 2010 e 2021. Entre 2011, quando o superávit foi de 1,5% do Valor Adicionado e 2019, quando foi 3,0% o estado somente teve superávit abaixo de 1,0% do PIB em 2014, 0,3%. O valor ainda chegou a expressivos 2,4% e 2,8% em 2015 e 2016, anos de recessão econômica no país inteiro. O primeiro ponto a se destacar é a queda nos investimentos, de R$ 2,5 bilhões em 2014 para R$ 0,89 bilhões em 2017. Essa queda é praticamente um corolário dos ajustes fiscais, uma vez que não são gastos contratados.

Mas o ponto mais interessante do ajuste fiscal capixaba é que baseou-se na queda nominal da despesa com pessoal entre 2014 e 2015, de R$ 8,1 bilhões para R$ 7,4 bilhões, somente ultrapassando o valor de 2014 em 2017, quando chegou a R$ 8,6 bilhões. Ou seja, a flexibilidade da política de pessoal do Estado permitiu com que pudesse ajustar rapidamente esse tipo de despesa, aplicando um ajuste muito acentuado nas contas públicas. O resultado foram superávits expressivos mesmo com a crise. Em que pese o esforço de ajuste fiscal do Estado, é importante comparar sua trajetória econômica com a de outros entes federativos.

Calculando um índice de Valor Adicionado[2] (Valor de 2019 ajustado pelo IPCA) atribuindo 100 a 2010 a 2019 (último dado das contas regionais do IBGE disponível), observa-se que o Espírito Santo apresenta uma trajetória superior ao restante dos Estados e do Brasil como um todo até 2014. A partir de então, a queda é muito significativa, e no final de 2019 o estado capixaba apresentava o pior resultado entre as unidades comparadas. Minas Gerais (nota D entre 2019 e 2021) que, assim como o Espírito Santo, foi afetada pelas tragédias do setor de indústria extrativa (mineração) se recupera de maneira mais acelerada. O Rio Grande do Sul que tinha nota D em política fiscal em 2019 (e que persistiu até 2021) teve a melhor trajetória entre todos os avaliados.

Para os liberais, um ajuste fiscal crível, e o caso do Espírito Santo é consistente, sendo inclusive laureado pelo Tesouro Nacional, deveria estimular os agentes privados que passariam a investir. Nesse caso, deveria haver uma diminuição do papel do Estado na economia, com substituição do Valor Adicionado pelo setor público por investimentos privados. Esse fenômeno não se observa. O gasto privado parece diminuir concomitantemente com o público é a queda é generalizada, com manutenção da proporção do Valor Adicionado pela administração. Na verdade, o valor que era de 15,9% em 2010 chegou a 16,5% em 2019, atingindo 17,7% em 2016, ano de superávit significativo.

Na verdade, o esforço fiscal do Espírito Santo, fez com que o valor adicionado pela Administração de 2019 fosse praticamente o mesmo, em termos reais que o de 2010, passando de 100,0 para 102,7 nove anos depois. O exuberante esforço fiscal capixaba somente permitiu que não houvesse ampliação do valor adicionado pelo setor público, sem nenhuma outra consequência econômica consistente. Cabe lembrar que o Espírito Santo obteve em 2021 expressivos resultados positivos do PIB em relação ao Brasil (segundo dados do Instituto Jones dos Santos Neves – PIB Trimestral 2021 III)[3], mas à partir de uma base que piorou em relação ao resultado nacional em 2020, ante os dados apresentados aqui. Mais que isso, Estados em condições fiscais extremamente difíceis conseguiram expandir o Valor Adicionado pela Administração em termos reais.

Ao contrário do que propõe a lógica liberal, a situação fiscal positiva do Espírito Santo não representou nenhum atrativo de investimentos vindos de outros Estados. A comparação entre entes federativos é inadequada uma vez que os países possuem diversos instrumentos de atração de capitais que os entes subnacionais não possuem como emissão monetária ou políticas de defesa do mercado interno. Entretanto, a mesma lógica liberal alega que a utilização dos mesmos é contraproducente, gerando mais distorções que resultados positivos. Na prática, a eliminação de todas as ferramentas de incentivo ao investimento nacional seria uma relação parecida com a dos entes subnacionais.

Por fim é importante salientar o óbvio. Seria consenso perceber que a diminuição do gasto de um grande agente econômico privado geraria apenas retração do gasto em geral, com consequências estritamente negativas e nenhuma positiva. Esses agentes obtem sua receita de outros e também pressionam os mecanismos de crédito. Da mesma forma, a retração do gasto público somente diminui a demanda em geral. Acreditar que no caso do Estado, outros mecanismos agiriam para compensar o encolhimento do gasto público é uma mistificação grosseira da lógica econômica, mas principalmente, não é observável em nenhum caso concreto.

[1] http://www.ijsn.es.gov.br/artigos/6095-pib-trimestral-3-trimestre-de-2022

[2] https://www.ibge.gov.br/estatisticas/economicas/contas-nacionais/9054-contas-regionais-do-brasil.html?=&t=downloads

[3] https://dados.es.gov.br/dataset/portal-da-transparencia-despesas-execucao-orcamentaria-e-financeira

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