Mikhail Gorbachev nasceu em 1931, em Stavropol, região ao sul da Rússia. Em 1955 graduou-se em Direito na Universidade Pública de Moscou, já casado com Raissa Titarenko. Após a obtenção do diploma, o casal fixou residência em Stavropol. Ali, Em 1970, chegando aos 40 anos, Gorbachev tornou-se primeiro secretário do Comitê Regional do Partido Comunista da União Soviética/PCUS. Em 1978 tornou-se Secretário do Comitê Central do PCUS, transferindo então domicílio para Moscou. No ano seguinte, 1979, passou a integrar o Politburo (Comitê Central).
Nos anos 1980, década de início do abandono das regras keynesianas e adoção das práticas neoliberais na condução do Estado e das políticas nacionais, Gorbachev foi tentado pelo “canto de sereia” do neoliberalismo anglo-saxão, após uma sucessão de encontros com lideranças norte-americanas, entre as quais o Presidente/ator Ronald Reagan. Tornou-se então conhecido mundialmente como o porta-voz de profundas reformas econômicas e políticas que poderiam ser introduzidas na União Soviética.
Suas idéias sobre a reorganização política e econômica da União Soviética foram reunidas em um livro intitulado PERESTROIKA. Comprei este livro, li, gostei e dele fiz propaganda. Se bem que não houvesse claramente, no livro, a defesa de retorno ao capitalismo, sua leitura permitia vislumbrar a firme vontade de mudança das estruturas sócio-políticas da URSS. Mudança que deveria amenizar os denominados rigores da estrutura de comando do primeiro Estado soviético, dirigido inicialmente por Lenine e Stalin. Estado soviético que se afirmou perante o mundo capitalista, durante o século XX, como estrutura social e política que promoveu modernização acelerada e alto desenvolvimento tecnológico nas unidades integrantes da URSS. Além disso o Estado soviético, sob a direção de Stalin, foi o principal responsável pela derrota do exército nazista de Hitler, na batalha de Stalingrado.
Não cabe aqui discutir as razões que impeliram Gorbachev a se tornar um bem sucedido propagandista da necessidade de introduzir reformas democráticas no aparelho de Estado soviético. Há poucas obras a respeito. Mas há um livro imperdível para quem queira estudar o conjunto de reformas econômicas e políticas da época, feitas sob inspiração da Escola de Chicago e configuradas sob o modelo de “doutrina do choque”. Quem quiser aprofundar o tema, pode consultar o livro da jornalista canadense, NAOMI KLEIN, intitulado
A Doutrina do Choque. A ascensão do capitalismo de desastre. (RJ: Editora Nova Fronteira, 2008)
À guisa de apresentação, na orelha do livro, Emir Sader esclareceu:
…As palavras ascéticas de Milton Friedman parecem não ter nada a ver com as baionetas de Pinochet. No entanto, sem os choques elétricos, os choques econômicos não sairiam do papel. O “livre mercado” – quem diria – irmão siamês da ditadura militar.
A certa altura do livro, de 590 páginas, Naomi Klein expõe sua própria visão a respeito das políticas interligadas de glanost (abertura) e perestroika (reestruturação) de Gorbachev. Para ela, houve sucesso nas políticas de democratização que viabilizaram liberdade de imprensa, eleições para o Parlamento da Rússia, para as assembleias locais e para os cargos de presidente e vice-presidente, independência do Tribunal Constitucional e introdução de reformas econômicas visando o livre mercado.
Tamanho sucesso garantiu em 1990 o Prêmio Nobel da Paz para Gorbachev, em razão de sua contribuição para o fim da Guerra Fria entre o Ocidente e o Leste, na sequência da queda do muro de Berlim, em 1989. (https://www.jn.pt/mundo/ultimo-lider-da-uniao-sovietica-sauda-nobel-da-paz-como-muito-boa-noticia-para-o-jornalismo-14200616.html. Acesso em 08.03.2022)
Certamente aquele foi um momento em que todos aplaudiram Gorbachev. Pouco depois desapareceriam a União Soviética e as estruturas centrais do primeiro Estado socialista da Idade Moderna. Para Naomi Klein, o objetivo final de Gorbachev era construir uma democracia social nos moldes escandinavos, “um farol socialista para toda a humanidade.” (p.260).
Em seguida a jornalista nos conta que Gorbachev sofreu uma rasteira inesperada, no encontro do G7, em 1991. Naquele encontro foi dito a Gorbachev, por seus colegas chefes de Estado, que, se ele não adotasse a terapia de choque econômico radical, imediatamente eles puxariam a corda e o deixariam cair. Na ocasião, Gorbachev recebeu as mesmas instruções para avançar, do FMI, do Banco Mundial e de todas as outras grandes instituições. (idem, p.260)
Pouco depois, quando se tratou de equacionar a dívida da ex-URSS, através da Rússia, diretrizes foram no sentido de honrar, absolutamente, os compromissos assumidos. Gorbachev foi afastado, renunciou ao governo em 1991 e tornou-se acionista de um pequeno jornal. O bem menos ilustre Boris Yeltsin assumiu o governo da Rússia, desestruturou o aparelho de Estado, privatizou as estatais, etc… e governou a Federação Russa até 1999. Foi substituído por Vladimir Putin, que se dedicou a reerguer a Rússia, moral e economicamente.
A queda de Gorbachev em 1991, sua substituição por B. Yeltsin, são fatos cujos detalhes são praticamente desconhecidos da sociedade ocidental. Diz Naomi Klein:
O que aconteceu depois disso- a dissolução da União Soviética, a anulação de Gorbachev por Yeltsin e o curso tumultuado da terapia de choque econômico na Rússia – é um capítulo muito bem documentado da história contemporânea. Entretanto, essa é uma passagem frequentemente contada na linguagem amena da “reforma”, uma narrativa tão genérica que foi capaz de esconder um dos maiores crimes cometidos contra a democracia na história moderna. A Rússia, como a China, foi forçada a escolher entre o programa econômico da Escola de Chicago e uma revolução democrática autêntica.
Diante da escolha os dirigentes chineses atacaram seu próprio povo… A Rússia era diferente: a revolução democrática já estava em curso – no intuito de implantar o programa econômico da Escola de Chicago, aquele processo pacífico e auspicioso que Gorbachev tinha começado precisava ser violentamente interrompido, e depois radicalmente revertido.
Assim, permito-me supor que Gorbachev nada teve a ver com a formação de uma oligarquia russa. Esta, se existe, decorreu diretamente da opção que foi imposta à Rússia em 1991, levando-a a uma reforma política e econômica configurada nos termos da famosa Escola de Chicago. Estilo que modela o comportamento dos maiores oligarcas que se encontram hoje no comando da economia ocidental.
______ RJ, 8 de março de 2022.
*Economista, mestre em Desenvolvimento Econômico, doutora em Políticas Públicas, foi servidora do Estado e professora universitária, atualmente pesquisadora independente. Membro do Conselho Consultivo da CNTU e do Conselho Diretor do CICEF.