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Sobre política malévola aplicada a combustíveis da Petrobras

Por Ceci Juruá

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Ceci Vieira Juruá
Ceci Vieira Juruá
Economista, mestre em desenvolvimento e planejamento econômico, doutora em políticas públicas. Foi servidora pública e professora do Departamento de Economia na Faculdade Católica de Brasilia. Atualmente é pesquisadora independente em temas relativos a Finanças Públicas e História Econômica. Integra o Conselho Diretor do Centro Internacional Celso Furtado e o Conselho Consultivo da CNTU-Confederação Nacional de Trabalhadores profissionais liberais Universitários.

1.-O Valor estampou, ontem, artigo intitulado- Planalto pressiona por demissão de Silva e Luna. O general de reserva Joaquim de Silva e Luna é ou era, até ontem,  presidente da Petrobrás (coluna ‘Opinião’, p.A-18). Deve ser substituído por Rodolfo Landim, em abril próximo, caso este nome seja confirmado na assembléia de acionistas da empresa.

2.-Pesa sobre o general Silva e Luna a acusação de não interferir na política de preços da Petrobras, política responsável por aumentos extorsivos ou abusivos no mercado brasileiro de combustíveis, conforme tabela elaborada pelo Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep.org.br), a seguir.

3.-As tentativas de interferência nessa política de preços, por parte do Congresso e da Presidência da República, vem surtindo efeitos indesejados sobre as finanças públicas, especialmente sobre os tributos voltados para direitos sociais e poupança dos trabalhadores. Em lugar de procurar entender o movimento dos preços praticados no mercado brasileiro de combustíveis, a grande mídia brasileira, mas também parcela majoritária dos políticos, prefere culpar o Estado pelos descaminhos da economia, especialmente no caso do petróleo. Justifica assim propostas de redução de impostos, de efeitos inócuos.

Exemplo de proposta inócua é o projeto de lei complementar 11/2022 que acaba de ser sancionado pelo presidente JB, fixando alíquota única para o ICMS sobre combustíveis. A coordenação do Fórum Nacional de Governadores anunciou que a entidade irá entrar com recurso na justiça contra esta medida, vista como inócua em matéria de redução do preço dos combustíveis, porém capaz de gerar prejuízos nas unidades da federação onde a arrecadação de ICMS é a base central da autonomia financeira de universidades (Perdas no ICMS podem afetar financiamento de universidades estaduais, artigo de César Xavier, jornal Vermelho de 18-03-2022).

4.-Frente ao impasse que se arrasta há tempos e permanece em zona cinzenta, pois não é assimilado nem goza do bom entendimento de setores estratégicos da sociedade – Congresso, Presidência da República, Setor educacional/cultural –,  a opinião pública se mantém estarrecida.  Como entender a ameaça de demissão do presidente da Petrobrás, quando é ou deveria ser fato notório que não dependem dele as variações de preços dos combustíveis da Petrobrás ? Explico.

5.-Desde 2016, quando um golpe parlamentar destituiu a presidente Dilma Roussef e ofereceu a Michel Temer a presidência da República, a Associação de Engenheiros da Petrobrás vem insistindo na denúncia  dos efeitos negativos desta política de preços, associando-a a interesses estrangeiros, o que motivou a alcunha AMERICA FIRST!

Ganharam os produtores norte-americanos, os “traders” multinacionais, os importadores e distribuidores de capital privado no Brasil. Perderam os consumidores brasileiros, a Petrobras, a União e os estados federados com os impactos recessivos e na arrecadação.  Batizamos essa política de América First… (boletim Aepet dezembro de 2016)

São inúmeros e sucessivos os artigos da AEPET criticando a política de preços dos combustíveis.  Estão disponíveis no site da AEPET.

6.-Na verdade, a aplicação de uma política com tal configuração, contrária aos interesses do Brasil,  poderia ter sido prevista há muito  tempo. Pesquisas eventuais que realizo sobre a Constituição e a legislação brasileiras, sugerem que é necessário investigar a década perversa (1990), se quisermos entender reformas e descaminhos  do Estado brasileiro.

Em matéria de petróleo, o passo inicial das mudanças introduzidas nas ordenações constitucionais de 1988 foi dado pela Lei do Petróleo, Lei N.9.478 de 6-08-1997. Foi nesse mesmo ano que se aprovou a  Emenda Constitucional N.16 autorizando a reeleição de Presidente, Governadores e Prefeitos do Brasil, através de modificação parcial dos artigos 28, 29, 77 e 82 da Constituição Cidadã.  Na ocasião a Mesa da Câmara dos Deputados era presidida por Michel Temer.

A Lei do Petróleo viabilizou a política America First, fixando  novas diretrizes para a política energética nacional e para atividades concernentes ao monopólio do petróleo. Instituiu para esses fins duas instituições: CONSELHO NACIONAL DE POLÍTICA ENERGÉTICA/CNPE  e  AGENCIA NACIONAL DE PETRÓLEO/ANP. Esta lei foi um dos passos mais avançados (ou retrógrada, segundo os seus opositores) na Reforma do Estado daquela década. Foi combatida pelos defensores do desenvolvimentismo brasileiro sob liderança do Estado.

Ficou estabelecido na ocasião que as determinações da Lei do Petróleo teriam prazo de implantação, com final fixado em dezembro de 2001. A partir dessa data, caberia exclusivamente aos agentes econômicos determinar preços de venda e margens de comercialização, segundo práticas da livre concorrência. Esta livre concorrência, em mercado que não é exatamente um mercado de livre concorrência, é o coração, ou pulmão das políticas America First!  Sabe-se, até prova em contrário, que este é um mercado cartelizado.  Falhou na ocasião, sem dúvida, o nosso CADE, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, onde se verificou alta rotatividade entre 1997 e 2001… !

ANP, a nova agência reguladora, organizada segundo o espírito da Reforma do Estado, isto é, contrário à intervenção econômica do Estado, foi designada como órgão competente para implementar a política energética nacional…, garantindo o suprimento de derivados de petróleo, de gás natural e seus derivados, bem como dos biocombustíveis, em todo o território nacional.  Coube-lhe ainda a missão de proteger os interesses do consumidor quanto a preço, qualidade e oferta desses produtos no mercado brasileiro.

 Decisões de gabinete não levadas ao debate social entenderam que o melhor ambiente capaz de garantir o sucesso das missões atribuídas à ANP seria o ambiente de mercados regidos pela livre competição, a sagrada livre concorrência do liberalismo norte-americano.  Na prática, os autores dessa lei e os defensores de tal lógica, estavam colocando a pedra fundamental, colonialista, das novas políticas de regulação dos mercado brasileiro de combustíveis.

Deu no que deu.  Os números acima apresentados, relativos à variação acumulada do preço dos derivados e do IPCA (índice nacional de preços ao consumidor amplo), segundo o IBGE/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, sob elaboração do INEEP, são números que falam por si só. A variação de preços dos combustíveis ficou entre 2 a 9 vezes maior que a variação do IPCA,  índice que mede a inflação oficial dos preços no Brasil.

Os resultados empresariais devem ter sido vistos como excelentes, suponho.  Podem ter gerado lucros e dividendos excepcionais, afagando a ilusão da possibilidade de volta ao tempo colonial de produção do açúcar, sob a gestão econômica dos holandeses tendo portugueses e brasileiros por capatazes ou gerentes .

7.-Segundo a legislação, não cabe ao presidente da República, determinar as políticas de petróleo e derivados. Esta é uma atribuição da Agência Reguladora, a ANP.  No comando da ANP há um diretor geral e 4 diretores em colegiado, cujos mandatos não coincidem com o calendário eleitoral, sua nomeação é feita em decreto do presidente da República após autorização do Senado Federal.

Para concluir transcrevo boletim da ANP, de 23 de dezembro de 2020, onde se anuncia a posse do Almirante Rodolfo Sabóia como diretor geral da Agência, com mandato de 4 anos, até 2024 portanto.

 

Rodolfo Saboia toma posse como Diretor-Geral da ANP

Publicado em 23/12/2020 09h34 Atualizado em 26/02/2021 12h11

Rodolfo Saboia tomou posse hoje (23/12) como Diretor-Geral da ANP. Ele foi aprovado em 20/10 no plenário do Senado Federal e ocupará, em mandato com duração de quatro anos, a vaga deixada por Décio Oddone, que renunciou ao cargo em março deste ano.  

Da saída de Décio Oddone até ontem, quando seu mandato se encerrou oficialmente, a diretoria-geral da ANP foi ocupada por servidores da Agência designados pelo Presidente da República, em uma lista tríplice, conforme determina a Lei 9.986, de 2000, com redação dada pela Lei Geral das Agências (Lei nº 13.848, de 25 de junho de 2019).  

O almirante Rodolfo Henrique de Saboia é bacharel em Ciências Navais pela Escola Naval (1978), mestre no Curso de Comando e Estado-Maior, doutor em Política e Estratégia Marítimas, ambos pela Escola de Guerra Naval, e especialista em Gestão Internacional pela Coppead-UFRJ. Exerceu diversos cargos na Marinha do Brasil, sendo o último de superintendente de Meio Ambiente da Diretoria de Portos e Costas (DPC), até agosto de 2020. Com mais de 40 anos de serviço à Marinha, foi transferido para reserva em 2012 no posto de Oficial General Contra-Almirante.  (https://www.gov.br/anp/pt-br/canais_atendimento/imprensa/noticias-comunicados/rodolfo-saboia-toma-posse-como-diretor-geral-da-anp

 

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Necessitamos de sugestões e propostas diferentes daquelas que tem sido encaminhadas e que consistem, basicamente, em sustentar lucros de monopólio para mercados não competitivos através do corte de tributos necessários à execução de programas governamentais. Muitas outras opções  podem ser elaboradas a partir do debate social, o que já vem ocorrendo no Brasil e em outros países do mundo ocidental.

______________   CJ, Rio de Janeiro, 19 de março de 2022

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