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A espetacularização do processo penal: quid prodest?

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A blague da hora é que dona Teresa abriu a geladeira na madrugada, uma luz acendeu e, para o seu espanto, iniciou-se mais uma (inesperada) live.

É verdade que as lives estão aí em vertiginosa profusão. Não menos verdade é que algumas são muito interessantes e outras são absolutamente enriquecedoras. Talvez nunca antes a internet tenha sido utilizada para gerar e difundir tanto conhecimento de qualidade como durante a presente pandemia. O que era reservado a suntuosos, caros e inacessíveis congressos e seminários está agora ao alcance do bom garimpeiro.

É o caso do debate promovido pela ConJur e pelo IDP neste sábado (8/8), a respeito da espetacularização do processo penal, sob a condução do advogado Alberto Zacharias Thoron, com a participação do ministro Gilmar Mendes, da advogada criminalista Gabriela Priolli (hoje trabalhando na comunicação social, na CNN), da desembargadora federal Simone Schreiber (TRF-2) e do desembargador Ney Bello (TRF-1).

Entre os temas tratados, por exiguidade de espaço, destaco um, que se revela árduo, complexo e urgente. Como evitar a deletéria associação (ilícita) entre imprensa e agentes públicos que resulta na captura e instrumentalização do processo penal (público, por excelência), privatizando-o a serviço da desenfreada busca de notoriedade de uns (todos sonham em ser Moro e Dallagnol) e de ansiosa competição por ascensão profissional de outros (todos são caçadores de “furos”)?

Imprensa hoje é pressa. Já não há mais o idílico fechamento do jornal, momento até o qual o jornalista podia mastigar a notícia, investigar os fatos, consultar as fontes, acautelar-se da perfídia da mentira destruidora de reputações e mesmo de vidas. O “agora ou nunca”, o medo pânico de perder o “furo” para outro órgão de imprensa e para as redes sociais faz com que, por ingenuidade ou má-fé, o jornalista comumente não resista à tentação e lance-se sem paraquedas no precipício da confiança absoluta no que lhe confidenciou a (interesseira) autoridade policial, ministerial ou judicial.

Mas nem sempre é ingenuidade, nem sempre é compreensível luta pela notícia. Por vezes, é prática sistemática de um execrável troca-troca. Foi dito por um dos debatedores que na gestão de um determinado procurador-geral da República da “era de ouro” do MPF (o Reino da Lista Tríplice da ANPR, iniciado em 2003 e findo com a tonitruante chegada de Augusto Aras) havia mais de uma dezena de jornalistas contratados pela PGR com a nobre missão de vazar informações.

Como o uso do cachimbo entorta a boca, os usos e costumes degradam as instituições. Há uma degenerescência institucional e é claro o sentimento desconfortante de descontrole e desordem. A atual conflagração no Ministério Público Federal é a expressão mais notável, não porque seja a mais grave (embora talvez seja), mas porque a ação terapêutica por parte da cúpula provoca reações dos que usufruíam do caos. O processo de restauração republicana que o procurador-geral Augusto Aras lidera provoca efeitos colaterais, como os que uma quimioterapia acarreta na guerra para extirpar um  câncer. O câncer é uma espécie de rebelião celular que resulta no crescimento desordenado das células. O lavajatismo, enquanto conceito guarda-chuva, é a expressão jurídico-institucional da desordem, quebra de unidade, desvio de propósitos, corporativismo deletério, encapsulamento e alienação “institucionais”, solipsismo, monadismo “heroico”, tudo, enfim, resultando em balbúrdia institucional e na privatização do Estado por indivíduos e corporações para o seu próprio gozo e glória.

Gozo e glória efêmeros de uns e prejuízos imensuráveis e de difícil recuperação para milhões de outros, do que são exemplos a destruição de parte da base industrial do país e seus centenas de milhares de empregos pela “lava jato” e a “heroica” operação “carne fraca” (Polícia Federal), que só não dizimou a indústria brasileira da carne porque o Brasil é uma potência no setor e o mundo não pode prescindir da proteína animal que produzimos. Mas os prejuízos para a indústria da carne teriam alcançado US$ 2,7 bilhões somente em 2017. Lindo, não?

Dizer que, ao final e ao cabo, o que é preciso é que as pessoas (agentes públicos e jornalistas) compenetrem-se de seus deveres éticos, mudem o seu comportamento e imbuam-se dos valores constitucionais é bom tema para sermões e palestras de auto-ajuda e de compliance, mas é de duvidosa e inaferível efetividade. Por isso, são necessárias mudanças legislativas e institucionais, algumas das quais foram sugeridas pelos ilustrados debatedores. Voltaremos a elas oportunamente.

 

**Publicado originalmente no site conjur.com.br

 

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