Ceci Juruá ( RJ , setembro 2022)
No Prefácio à 3ª edição da obra O NOVO ESTADO INDUSTRIAL, o autor informa que as 2 mil maiores empresas dos Estados Unidos “compreendem cerca de metade da economia, em termos de participação no produto total”. A este conjunto, em lugar da denominação habitual, “sistema industrial”, JKG irá chamar sistema de planejamento. Segundo ele, esta denominação vincula-se ao fato que, no conjunto de grandes empresas, é que “ocorrem as grandes mudanças organizacionais e tecnológicas”. Na outra metade da economia estão as empresas menores, dos diferentes setores, conjunto para o qual Galbraith manteve a usual denominação, sistema de mercado.
JKG informa também que a redação desta 3ª edição de sua obra (em 1979) incluiu, principalmente, os eventos e mudanças importantes ocorridos, na economia norte-americana, ao longo da primeira metade da década de 1960. Foram estas mudanças que o levaram a substituir a denominação “sistema industrial” por “sistema de planejamento”, tendo em conta:
(…) as firmas menores, pequenas, têm condição de ficar subordinadas ao mercado, conforme indicam as orientações conceituais das teorias econômicas de maior aceitação ou circulação no mundo acadêmico; já para as grandes empresas, do setor industrial, o termo que melhor as representa é sistema de planejamento, “que define de maneira mais exata a parte da moderna economia bimodal que é dominada pelas grandes empresas e onde estas, como aspecto fundamental de seu planejamento, têm os mercados sob controle.”(grifo meu) (p.10)
¹O NOVO ESTADO INDUSTRIAL. São Paulo: Nova Cultural, 1985 (3ª edição do Autor, 2ª edição de Nova Cultural)
Galbraith justifica este encaminhamento tendo em vista o surgimento da empresa conglomerada, ator que teve influência distinta daquela que fora observada durante a segunda metade do século XIX, quando se haviam constituído as primeiras sociedades anônimas. Enfatiza que os conglomerados, de formação recente, decorreram de atos de encampação, envolvendo “firmas de segunda ordem de grandeza, e combinaram algumas delas em sociedades anônimas do primeiro escalão” (p.11) . Ao concluir, Galbraith dá ênfase a um traço particular da conjuntura e do contexto histórico daquele momento :
“O conglomerado moderno não é criação de uma tecnoestrutura … [é outra] a motivação que há por trás da formação de conglomerados. É o crescimento, a formação de impérios. Longe de fazerem aumentar os lucros, normalmente esses conglomerados se realizam com sacrifício de lucros. E também parece razoavelmente seguro que os conglomerados só melhoram seu desempenho na medida em que a chamada equipe de direção eficiente substitua o idealizador original ou preencha suas deficiências. Ou seja, o conglomerado só começa a funcionar quando a tecnoestrutura assume o seu controle.
A outra mudança envolve uma questão bem mais subjetiva: relaciona-se com nossa percepção da corrida armamentista. (…) penso que mudou a base da competição. Creio que um número cada vez maior de pessoas vê nessa corrida uma armadilha… a sobrevivência definitiva dos dois sistemas, sejam quais forem suas tendências divergentes ou convergentes, consiste em controlar esse processo macabro.” (p.11)
Comparando a estruturação de um espaço econômico unificado no centro do sistema capitalista, – a Inglaterra no século XIX e os Estados Unidos no século XX , em meados da década de 1960 – , Celso Furtado[1] deu ênfase, igualmente, ao momento histórico em que “a grande empresa assumiu o papel de centro de decisão… [pois ela] requer um grau de coordenação das decisões econômicas muito mais avançado do que aquele que corresponde aos mercados atomizados “ (p.27).
Acentuou Furtado a coincidência temporal deste evento com a formação do importante mercado de eurodólares e com outro marco da concentração empresarial – os oligopólios. Chegava-se então, em certos mercados, a um momento estratégico para o grande capital. Em vez de se submeter à concorrência tradicional dos mercados competitivos, via flutuação de preços, nos mercados oligopolizados a situação se inverteu – o oligopólio /a grande empresa passou a administrar os preços de oferta de seus produtos, segundo seus próprios interesses estratégicos. Como observara Galbraith, o sistema de mercado deu lugar, na virada dos anos 60 para a década seguinte, ao sistema de planejamento. Cairia assim, uma tese central do liberalismo clássico : a soberania do consumidor.
²Cf O MITO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO (RJ: Paz e Terra, 1996, 4ª. Edição)
O oligopólio, diz Celso Furtado,
(…)permite que um pequeno número de grandes firmas criem barreiras à entrada de outras em um setor de atividade econômica e administrem conjuntamente os preços de certos produtos , conservando, contudo, autonomia financeira, tecnológica e administrativa. (…) Favorecendo, por todas as formas a inovação, o oligopólio constitui poderoso instrumento de expansão econômica. (…) a enorme capacidade financeira que essas firmas [oligopólicas] tendem a acumular leva-as a buscarem a diversificação, dando origem ao conglomerado internacional, que é a forma mais avançada da empresa moderna. “
Foi lançada, desta forma, a pedra fundamental de um novo sistema imperial, centrado nos Estados Unidos, em aliança estratégica, inicialmente, com a Inglaterra. O principal marco do novo sistema imperial foi o surgimento de poderosos conglomerados internacionais.
Conceituando o “Sistema de Planejamento”
Ao iniciar o primeiro capitulo desta obra cujas linhas gerais ora apresento, Galbraith enfatiza que a particularidade do debate sobre a economia moderna é o papel da mudança, considerando-se extensão das inovações e alterações na vida econômica, principalmente a partir do início da II Guerra Mundial. As máquinas não só incorporam tecnologia nova, como se sabe. É necessário entender que as máquinas substituíam a mão–de-obra elementar, diz nosso autor, e à medida que eram utilizadas para dirigir outras máquinas, chegaram até a substituir “as formas mais elementares da inteligência humana”. (p.13).
Dentre as mudanças ocorridas, destacam-se:
-os dirigentes da grande empresa na época, diferentemente do que ocorria há menos de um século, não são mais grandes acionistas, e são escolhidos por um conselho de diretores;
-nas relações entre Estado e economia, observa-se o aumento da participação do Estado, para 20% ou ¼ da atividade econômica e parcela considerável da atividade pública ”destina-se à defesa nacional e à exploração espacial”; além disso, através de regulamentos e outras formas de legislação, a atividade pública direcionou-se para atividades de regulação da economia e, principalmente, para o controle da inflação ;
-citam-se, ainda, no conjunto de mudanças observadas, o declínio na filiação a sindicatos, em proporção à força de trabalho, e, enfim, expansão nas matriculas para o ensino superior.
Concluindo esta apresentação sumária das idéias centrais do grande economista político que foi John Kenneth Galbraith, idéias reveladas na obra seminal O NOVO ESTADO INDUSTRIAL, cito o próprio autor :
“(…) as forças que incitam o esforço humano mudaram. Isso ataca a mais majestosa de todas as idéias econômicas, a saber, a de que o homem, em suas atividades econômicas, está sujeito à autoridade do mercado. Ao invés, temos um sistema econômico que, independentemente de seu posicionamento ideológico formal, é substancialmente uma economia planejada. A iniciativa de decidir o que se deve produzir não vem do consumidor soberano (…); antes, vem da grande empresa produtora que se adianta para controlar os mercados… E, ao fazê-lo, influencia profundamente suas crenças e valores… uma das conclusões decorrentes dessa análise é que existe uma ampla convergência entre sistemas industriais. Os imperativos da tecnologia e da empresa, não as imagens da ideologia, é que determinam a forma da sociedade econômica.” (grifo meu, p.16-17)
Sabia Galbraith que suas idéias não seriam bem acolhidas, tanto à direita como à esquerda. Ele o diz. Acrescenta que foi levado à conclusão de que “nos estamos tornando servos em pensamento, como também em ação, da máquina que criamos para servir-nos. (…) Nosso presente método de apoiar a tecnologia avançada recorrendo a justificativas militares é excessivamente perigoso, podendo custar-nos a existência.”
Quanta sabedoria, digo eu, mais uma vez. Entre seus discípulos destaco o mestre Furtado, que passou décadas nos advertindo sobre os riscos inerentes à dominação dos conglomerados em nosso território e em nossa sociedade. Não foram muitos os que, entre nós, acataram seus ensinamentos e conselhos. E há os que fizeram ouvidos moucos. Por isto repetem, até hoje, idéias ultrapassadas. Exemplo é a afirmação reiterada na imprensa sobre as razões de introdução da metodologia de precificação adotada em 2016 pela PETROBRÁS, o denominado PPI, preço de paridade de importação. Lemos em várias fontes, na ocasião, que tal metodologia vinha atender exigências da economia de mercado, na qual o consumidor é soberano. Ora ora, consumidor soberano em setor cartelizado… simplesmente inexiste !
Ainda: a eventual convergência de métodos empresariais nos conglomerados chineses e norte-americanos, é fruto de ideologias distintas e divergentes, ou dos imperativos da tecnologia na Moderna Economia Capitalista ?