Por Ceci Juruá*
Em agosto de 1822, o então Príncipe Regente, D. Pedro, deixou o Rio e foi a São Paulo resolver questões políticas daquela província. Em sua ausência, atracou no Rio de Janeiro o navio português Três Corações, trazendo ordens emitidas pelas Côrtes de Lisboa a respeito do Brasil. Entre tais ordens, teve repercussão altamente desfavorável a decisão de mandar instalar juntas de governo subordinadas a Lisboa nas províncias brasileiras, pois tratava-se de medida que limitaria, necessariamente a autoridade do Principe Regente.
D, Pedro, ao tomar conhecimento desse fato, e das opiniões de José Bonifácio e da Imperatriz Leopoldina transmitidas por cartas que lhe foram entregues na ocasião, proclamou ali, às margens do arroio Ipiranga (São Paulo) , em 7 de setembro de 1822, o brado simbólico : Independência ou morte. Não se tratou de gesto impulsivo, pois na Côrte do Rio de Janeiro a opinião corrente já considerava a independência um fato consumado, desde a convocação da Assembléia Constituinte, em 3 de junho, ou, pelo menos, desde o decreto do dia 1º de agosto (p.371-372, Dicionário do Brasil Imperial), uma Proclamação que começava com a frase
“Esclarece os Povos do Brazil das causas da guerra travada contra o Governo de Portugal” (sic)
Entre as denúncias contidas na Proclamação aos Povos do Brazil, em 1º de agosto de 1822, figuram graves acusações do tipo : “mãos roubadoras dos recursos aplicados no Banco do Brasil”, e a denúncia de que o Congresso de Lisboa “negociava com Nações estranhas a alienação de porções do território brasileiro, visando enfraquecer e escravizar”.
Por outro lado, Gonçalves Ledo, de quem pouco se fala atualmente, apresentou moção em 9 de setembro, em sessão extraordinária do Grande Oriente do Brasil, para a organização de uma cerimônia traduzindo o rompimento total e definitivo com a antiga metrópole… Daí a Aclamação de D. Pedro “pela graça dos povos e de Deus”, enquanto Imperador constitucional do Brasil em 12 de outubro, data do aniversário de 24 anos do Imperador. (idem, p.371-372)
Por ocasião da aclamação do imperador, em outubro de 1822, apenas os estados que hoje constituem as regiões Sul e Sudeste apoiavam a nova organização política, enquanto Pernambuco apenas participara das eleições para a Assembléia Constituinte. Goiás e Mato Grosso juntaram-se ao Império em janeiro de 1823, em seguida foi a vez de Pernambuco, Sergipe e Alagoas.
Em artigo sobre Estado e Política na Independência, a historiadora Lúcia M. Bastos P. Neves, explica a não adesão imediata de uma parte da Bahia, assim como das províncias nordestinas Piauí/Ceará e Maranhão, e do Pará ao Norte. Para ela, o jogo político acabou gerando conflitos entre o centralismo da corte fluminense e um eventual autogoverno provincial.
… finda a invasão do território português pelas tropas francesas, algumas províncias, como passavam a ser chamadas as capitanias, voltavam a ligar-se diretamente a Lisboa, em função, sobretudo, de seus interesses econômicos e comerciais… acabaram por constituir um grupo bastante homogêneo e poderoso, solidamente enraizado no Centro Sul, cuja atuação seria decisiva na independência, de forma distinta daqueles que habitavam o Norte e o Nordeste, ainda dependentes em muito das casas comerciais portuguesas.
Foi esta dependência comercial, mais a presença de tropas portuguesas nas províncias, que explicam parcialmente as guerras da independência que ocorreram em território da Bahia, nas província nordestinas de Piauí/Ceará e Maranhão, e ao Norte, no Pará. Foram guerras com efusão de sangue, acentua Lúcia Neves. Guerras para expulsar os que se tornaram estrangeiros. Em cada local, foram fixadas datas de comemoração local da independência com adesão ao Império do Brasil e à autoridade de Pedro I.
Piauí/Ceará, 13 de março, após Batalha de Jenipapo
Bahia, 2 de julho, após expulsão das tropas portuguesas que ocupavam Salvador
Maranhão e Pará, 7 e 15 de agosto respectivamente.
Os cinco estados, ex-provincias, que conquistaram guerreiramente o direito de pertencer ao Brasil merecem, neste ano de 2023, uma comemoração à altura do papel que desempenham, ainda hoje, como guardiães da verdadeira cultura brasileira, Uma cultura poderosa, que resiste a séculos de escravidão e de genocídio dos povos originários e nos brindou, em 2022, com heroica vitória eleitoral contra velhos fantasmas nazi-fascistas. Vai ficando claro, para os brasileiros, que a Bahia é o nosso berço nativista,
Nosso povo gosta de festa, de alegria e de liberdade. Quem sabe o governo atual terá disponibilidade para festejar este outro Brasil, ao norte das regiões Sul e Sudeste, o Brasil dos guerreiros humildes que nos legaram um imenso território e a capacidade de sobreviver com dignidade e esperança.
O DOIS DE JULHO de 2023 merece comemoração especial, na Bahia e no Brasil. Aquelas batalhas, de adesão ao Brasil que se formava, estão descritas na magnífica obra O FEUDO, de Moniz Bandeira, historiador brasileiro que mergulhou nos arquivos provinciais e descreveu pormenores de gloriosas batalhas que uniram indígenas, negros e senhores feudais. Delas fizeram parte Maria Quitéria, Joana Angélica, o Barão da Torre de Garcia d´Ávila (titulo de nobreza de Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque, primeiro barão é único visconde com grandeza, o Visconde de Pirajá), heróis e heroínas das guerras baianas por adesão ao Brasil imperial, homenageados no Centenário de 1922, quando foram renomeadas as ruas de Ipanema, bairro da zona sul do Rio de Janeiro.
Há também, em perspectiva internacional, o projeto de celebração de outro bicentenário, festejando o início das relações diplomáticas entre Brasil e Argentina. Unidos enfim, a dupla Argentina-Brasil permite sonhar e renovar as esperanças de que poderemos construir um grande futuro para nossos povos, com bem-estar e justiça social para todos cidadãos e cidadãs de nosso sub-continente. Sonho de muitos heróis que já deram a vida pela Pátria Latina.
A Independência foi duramente conquistada por nosso povo. Devemos festeja-la na sua integridade e honrar a memória dos que nos legaram este imenso, lindo e rico território. A festa companheiros-as ! Festejemos nosso Brasil !
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Consulta bibliográfica.
Bastos P. Neves, Lúcia M. Estado e Política na Independência. In O BRASIL IMPERIAL, vol.1 – 1808-1831. Por Keyla Grinberg e Ricardo Salles (orgs). Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2009
Vainfas, Ronaldo (Dir.) DICIONÁRIO DO BRASIL IMPERIAL . Rio de Janeiro: Ed. Objetiva, 2002
História das ruas do Rio. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi Produções literárias, 2013 (6ª edição). Por Vivi Nabuco (org) e Alexei Bueno (na 6ª edição)
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Ceci Juruá. Economista, mestre em Desenvolvimento e Planejamento Econômico, doutora em Políticas Públicas. Ocupou os cargos de; Economista Sênior da Cia do Metropolitano do Rio de Janeiro, Assessora-Chefe da Assessoria de Orçamento da Secretaria de Estado de Transportes do RJ, Diretora Geral do DTC-RJ e Presidente do DETRO-RJ, Diretora de Estudos e Pesquisas do Ministério dos Transportes. Foi professora de Economia da Universidade Católica de Brasilia, Conselheira do Corecon-RJ por dois triênios, Vice-presidente da Federação Nacional dos Economistas. Atualmente é membro do Conselho Diretor do Centro Internacional Celso Furtado e do Conselho Consultivo da Confederação Nacional CNTU.