A derrota é grande para quem trabalhou na Eletrobras. Confesso que dói muito ver o prédio de Furnas em Botafogo vazio. Difícil acreditar que aquele endereço, onde passei grande parte da minha vida, se tornou um edifício fantasma.
Tenho orgulho de ter trabalhado na Eletrobras. Todos nós nos sentíamos como parte de um período de industrialização com poucas semelhanças no mundo. O setor brasileiro sempre foi admirado e quando pude apresentar a arquitetura do sistema fora do país, fiquei feliz ao ver a surpresa que causava nos assistentes.
A derrota é intensa, mas não como uma visão corporativa ou sentimental. Não se trata disso.
A derrota é árdua porque, com a Eletrobras privada ou não, o preço do kWh brasileiro vem agindo como um carrasco sobre o cidadão, sobretudo os mais pobres. Em 1995, marco zero do mercantilismo e privatização, a tarifa média residencial era R$ 76/MWh. Hoje, sem bandeiras tarifárias, se paga R$ 666, um aumento de 876%, quando a inflação nesses anos foi de 422%. A Agência Internacional de Energia já nos colocou como os vice-campeões de kWh caro.
A derrota é dura quando a ANEEL, ao analisar esta alta tarifária, chega ao absurdo de usar o índice IGP-M para atualizar dados passados. Esse indicador é influenciado pelo dólar e infla os valores de anos anteriores fazendo parecer que a tarifa atual é mais barata do que a de 2010. Ver https://portalrelatorios.aneel.gov.br/mercado/cativo.
A derrota é vergonha quando os países líderes da hidroeletricidade no mundo, Canadá, Rússia, Índia, Noruega, Suécia, Estados Unidos e China não entregam seu setor elétrico em mãos privadas. Ou estamos dizendo que estão todos errados ou, pior, se estão certos, somos incapazes.
A derrota é penosa quando, a Duke Energy, uma empresa americana com aproximadamente a capacidade de geração da Eletrobras vale 82 bilhões de dólares e a nossa empresa foi liquidada por menos de um sétimo desse valor.
A derrota é dolorosa quando se percebe que argumentos falsos foram usados para desmerecer a empresa por ex-presidentes do período privatista ao afirmar que a empresa era um cabide de emprego. Qualquer um poderia contestar a “fake news”, pois, mesmo com as distribuidoras rejeitadas pelo setor privado, ela tinha o menor índice de empregados por MW instalado quando comparada às principais empresas do setor no mundo.
A derrota é profunda ao se afirmar que, sob mãos privadas, a Eletrobras vai investir. Dados oficiais mostram que, ao se anunciar privatização de usinas prontas, o capital se retrai de novos investimentos. Já aconteceu na década de 90, onde o déficit de adição de capacidade chegou a 8 GW, que, só foi “esquecido” porque o racionamento reduziu o consumo em 15%.
A derrota é dura quando o consumidor ignora que apenas 8% das usinas hidroelétricas surgiram de iniciativa privada. Aproximadamente 42 GW, 37% do total, foram usinas compradas prontas ou realizadas em parcerias com estatais. Quase 17 GW só se tornaram realidade com as parcerias minoritárias da Eletrobras. Consultar a base SIGA da ANEEL.
A derrota é de todos, quando se ignora que 70% das usinas térmicas, caras e poluentes, essas sim, pertencem ao setor privado. Desde o racionamento de 2001 até hoje, nossas térmicas fosseis foram quintuplicadas! Truques de redução de impostos não vão mudar a vergonhosa realidade de que, em pleno século 21, com tantas fontes renováveis, o Brasil investe em fontes sujas.
A derrota é vergonhosa quando não se consegue informar que usinas térmicas podem esvaziar reservatórios! Sendo caras, muitas vezes não são usadas e quem gera no lugar são as hidroelétricas.
A derrota bate no bolso da população quando ela desconhece que pagou subsídios para o setor privado investir em fontes renováveis como eólica e solar e, mesmo assim, ainda temos uma parcela reduzida quando comparada a outros países.
A derrota é aguda quando se camufla que a Eletrobras foi usada para reduzir os defeitos do modelo que elevou tarifas, forneceu energia quase gratuita para os ricos do “mercado livre”, obrigou a estatal a aceitar uma redução violenta de receita para compensar a verdadeira explosão de preços resultantes da falta de planejamento. Hoje, proporciona lucros líquidos recordes ao setor privado num setor básico como energia elétrica.
A derrota é uma afronta ao se ver que nenhum governo obedeceu ao estatuto da Eletrobras que define que, quando orientada pela União a praticar políticas públicas, “somente assumirá obrigações ou responsabilidades que se adequem ao seu equilíbrio econômico”. Caso contrário, a União compensará a empresa, pela diferença entre as condições de mercado e o resultado operacional ou retorno econômico da obrigação assumida.
A derrota do consumidor brasileiro pode ser a vitória de certos grupos econômicos que, sob uma visão de curto prazo, ganham muito dinheiro e não percebem que nosso projeto de futuro está sendo fragorosamente dominado.
Roberto D´Araújo é diretor do Instituto Ilumina – roberto@ilumina.org.br
“A Duke Energy, uma empresa americana com aproximadamente a capacidade de geração da Eletrobras vale 82 bilhões de dólares e a nossa empresa foi liquidada por menos de um sétimo desse valor.”
Não é preciso saber mais nada dos fantásticos dados da empresa e do setor trazidos à luz pela excelente matéria. Era de serem acionados todos os cães farejadores da Polícia Federal e do Ministério Público para uma investigação profunda sobre a venda da Eletrobrás! Não parar enquanto não se ficasse sabendo todos os elementos que participaram na venda e como ela foi feita, tanto nos bastidores como na parte legal. Devem ser investigados todos os envolvidos, quanto de dinheiro foi repassado legal e ilegalmente na venda. Deve haver levantamento de sigilo bancário de todos os participantes, porque é notóriamente sabido que o Governo Bolsonaro foi corrupto do começo ao fim.
Porque um patrimonio público da magnitude da Eletrobras não pode permanecer alienado para cobrir falsas vergonhas e pudores de quem não tem a coragem de lutar por eles nesta administração Lula.