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Sesquicentenário da independência (1972) e o uso de música e cinema como propaganda oficial

Por Evaldo Piccino

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O objetivo deste artigo é abordar as comemorações do sesquicentenário da proclamação da
independência do Brasil (1972). Durante a ditadura militar no Brasil (1964-1984), a censura e a repressão contra artistas que utilizaram suas obras como meios de propaganda de oposiçãoao governo tiveram como contraponto o patrulhamento ideológico contra aqueles que, por outro lado, tiveram suas obras utilizadas como propaganda oficial. Dentro deste período histórico e sob essa ótica,foram escolhidastrês obras como casos concretos para discussão: as canções: “Chamamos aos Heróis da Independência” de Geraldo Filme, “Hino do Sesquicentenário” de Miguel Gustavo (autor também da marcha “Pra frente Brasil”) e o filme “Independência ou Morte” de Carlos Coimbra.

Em 2004 ao tomar contato com a programação da mostra de cinema Golpe de 64: amarga memória, realizada no Centro Cultural São Paulo entre 9 a 24 de março deparei com um clássico do período: “Independência ou Morte” de Carlos Coimbra, exaustivamente exibido na década de setenta durante a Semana da Pátria em suas comemorações. Quem, como eu, freqüentou escola pública neste período certamente há de se lembrar destas exibições ao lado de canções como “Eu te amo meu Brasil” e “Pra Frente Brasil” que, oficial ou extra — oficialmente, eram usadas para enaltecer o regime militar. Movido pela curiosidade e por uma certa nostalgia revi o filme, que acabou por me surpreender ao deixar uma dúvida: Até onde poderia o filme ser considerado de fato como propaganda oficial? Num primeiro momento conversei com o curador da mostra Reinaldo Cardenuto Filho, que terminou me deixando ainda mais intrigado ao comentar sobre as exigências feitas pelo produtor executivo do filme, Aníbal Massaini, para a exibição do filme na mostra. A partir daí pesquisei por iniciativa própria as canções da época, o que acabou por induzir-me a traçar uma breve análise paralela com uma área que melhor domino – a fonografia, em especial da música brasileira de massa – e, ao menos em nível da tentativa, procurar adotar alguns parâmetros para este artigo. Procurei então subsídios para minhas questões iniciais: Seria intenção dos autores fazer propaganda oficial? O conteúdo coincide com a versão oficial do fato histórico retratado? O sucesso não seria fator preponderante para o uso das obras como tal? Para isso procurei também contextualizar a época de realização.

O Sesquicentenário da Independência e a visão oficial do governo militar sobre o evento

Os festejos na ocasião das comemorações do sesquicentenário, ou seja, o aniversário de 150 anos da proclamação da Independência do Brasil (1822 –1972) foram oportunos para a resolução de impasses diplomáticos que envolviam Portugal e suas colônias africanas segundo relata o anuário da Rádio Jornal do Brasil de 1972¹:

Os festejos na ocasião das comemorações do sesquicentenário, ou seja, o aniversário de 150 anos da proclamação da Independência do Brasil (1822 –1972) foram oportunos para a resolução de impasses diplomáticos que envolviam Portugal e suas colônias africanas segundo relata o anuário da Rádio Jornal do Brasil de 19721

¹ A História de 1972 – ZYD-66 Rádio Jornal do Brasil AM/940
Khz. Documento Sonoro em DiscoContinental; Produtor: Fernando Veiga;
Locutores: Sérgio Chapelin e EliakimAraújo. Gravações Elétricas, 1972.

 

Em fins de novembro Mário Gibson Barbosa visitou nove países da África. O chanceler brasileiro foi recebido com homenagens carinhosas e obteve êxitos em sua busca de maior comércio com os africanos. Chegou-se a anunciar que o Brasil se oferecera como mediador entre Portugal e suas províncias na África, o que foi imediatamente desmentido, principalmente por que um dos pontos de maior realce da política externa brasileira durante o ano foi a aproximação com Portugal, a começar pela vinda dos restos mortais de D. Pedro I para o Brasil. Os despojos foram entregues pelo presidente Américo Tomás, que chegou ao Rio no dia 22 de abril e foi recebido com barulhento regozijo pela colônia
português:

— (voz de uma só pessoa): Viva o nosso presidente! Viva! Viva Portugal!
Viva Portugal! Viva!
— (Presidente de Portugal): É com o olho no céu, que vos confio, meus
irmãos brasileiros, os restos mortais do grande chefe, que criou há cento e
cinqüenta anos esta pátria portentosa e que doou ao país o seu coração e os
seus ideais.”
Os próprios festejos dos cento e cinqüenta anos da independência
incluíram-se neste contesto e, aos iniciá-los, o Presidente Médici declarava:
— Iniciando-se no dia de Tiradentes, nosso maior herói popular e
patrono cívico da nação brasileira, as comemorações do sesquicentenário
da independência, em um imenso encontro dos brasileiros com o Brasil dos
brasileiros consigo mesmo, queremos todos significar que o povo é quem faz a
história.

Os restos mortais de D. Pedro I foram levados a diversos pontos do país e no dia sete de setembro depositados na cripta do monumento do Ipiranga em São Paulo. O início das comemorações coincidindo com o dia 22 de abril e a volta dos restos mortais de D. Pedro I para o Brasil e o final das comemorações com o depósito no monumento da independência no dia 7 de setembro, ilustram de maneira quase didática o alinhamento dos dois momentos históricos e de D.Pedro I com Tiradentes. Esse alinhamento demonstra uma clara intenção de martirização do imperador.

Essa noção de alinhamento de dois momentos históricos se faz presente em outra forma de propaganda claramente oficial que é a estampa de moedas, uma vez que a sua emissão é monopólio do estado.

 

Moedas comemorativas dos 100 e 150 anos da Independência : alinhamento entre fatos e personagens

 

A moeda comemorativa do Sesquicentenário da Independência trazia cunhada em uma face o mapa do Brasil com uma estrela central com traços radiais, imagem utilizada pela campanha institucional da Agência Nacional de Propaganda, e na outra face as duas datas (1822 e 1972) unidas assim como as silhuetas de D. Pedro I e do Presidente Emílio G. Médici – exatamente como moeda comemorativa do Centenário da Independência (1922) fazia com o Presidente Epitácio Pessoa.

 

O uso de “Hino do Sesquicentenário” e de “Chamamos aos Heróis da Independência” como propaganda oficial

 

As datas comemorativas, em especial os cinqüentenários e centenários, são tradicionalmente comemoradas no Brasil, haja vista as comemorações em 2004 dos cinqüenta anos do quarto centenário da fundação da cidade de São Paulo. Ou seja, a comemoração do aniversário do aniversário de um fato histórico. Nesta ocasião, doze das dezesseis escolas de samba do primeiro grupo da cidade de São Paulo fizeram referência à fundação da cidade em seus enredos e, por conseqüência, em seus sambas-enredo.

 

Apesar do fato das escolas de samba serem de associações não ligadas diretamente ao estado, a tradição de referenciar fatos históricos é constatada há muito e demonstra que, apesar de não-oficial na essência ou na intenção, um samba-enredo pode ser utilizado, ou ao menos associado, a esta finalidade, ainda que não alinhado ideologicamente.

 

Ao contrário da ocasião dos 450 anos da fundação de São Paulo, osesquicentenário da independência foi adotado como tema do enredo e samba-enredo de apenas uma escola de samba em 1972, a Unidos do Peruche, com “Chamamos aos Heróis da Independência”, de autoria do compositor paulista Geraldo Filme.

 

Chamamos aos Heróis da Independência

Geraldo Filme

Chamamos aos Heróis da Independência Presente presente

Trazendo o fogo sagrado da pátria Iluminando quem nos fez independente Lá nas Minas gerais

Houve um movimento e conjuração

 Foi a Bahia e Pernambuco em São Paulo foi a decisão Glória aos heróis que tombaram

Para nos dar um Brasil novo

Homens que não mediram sacrifício Pela independência de seu povo Liberdade

Palavra singela Fosse eu pintor

Tua grandeza eu faria em aquarela Liberdade

Ao levantar da espada Lá na colina histórica

Risos e lágrimas com o brado Independência ou morte Senhores deixando palácios Negros partindo as correntes Índios saindo das matas

Unidos por um Brasil independente Mil vidas tivessem dariam as mil Pela independência do Brasil

Não foi em vão teu povo não esquece

A chama da liberdade nosso peito ainda aquece Segue teu caminho meu Brasil

Alerta mocidade para manter acesa A chama da nossa liberdade

 

No entanto, o LP dos sambas-enredo, editado pela Federação das Escolas de Samba e pela Rádio Record, tem como título “Brasil, 150 anos de Independência” e traz na capa um desenho do Monumento da Independência. O tema predominante é mesmo São Paulo, presente em quatro das dez faixas. O texto da contra-capa é2:

São Paulo foi a determinante da Independência do Brasil. Inegável através de monumentos, avenidas, ruas, viadutos, arranha-céus, gente…gente. Genteque constrói com amor. Com vontade de crescer o que já nasceu grande. São Paulo, um coração. Brasil. Um mundo novo, continental. Uma história, muitas estórias.

150 anos livres

150 anos presos: ao amor, à alma pura, ao sentimento valoroso da Pátria- Amada.

Brasil moreno, ritmo, terra, samba, São Paulo, Samba.

Samba de Escola, de gente moça, de companheiros de Rádio, de Jornal, de Turismo de Federação.

São Paulo, o grande enredo da Independência do Samba.

 

Édison Guerra

2 Encarte do LP TC-008“Brasil, 150 anos de Independência – São Paulo, o samba pede passagem.” Tapecar, 1972.

É evidente, senão uma intenção, ao menos uma aproximação bastante oportuna.

 

Oportuna também pode ser considerada a gravação em disco do compacto do Hino da Independência pelo então popularíssimo conjunto musical “Os Incríveis”, no ano de 1971 (LC-6700-RCA Victor). O arranjo do hino foi com base na formação de grupo de Iê-Iê-Iê: saxofone; órgão, guitarras e contra-baixo eletrônicos e bateria. Esta gravação foi um dos “hits” referentes às comemorações, um dos mais executados, em especial nas escolas públicas.

Capas de discos das Escolas de Samba de São Paulo e Os Incríveis: aproximações oportunas

Outra gravação de sucesso significativo foi o “Hino do Sesquicentenário”, de Miguel Gustavo. Sobre o autor, é bom lembrar que foi o compositor de grandes sucessos da MPB como “Fanzoca de rádio”, “Café soçaite” e “O último dos moicanos”. Compôs também jingles clássicos como os das “Casas da Banha”, “Toddy” e “Pra frente Brasil”, marcha executada como hino oficial da Copa de 70 e tida como um dos grandes ícones da ditadura militar, que na verdade foi composta com a finalidade de servir como jingle, conforme relata João Máximo (2000)3:

…Grande sucesso. Como seria, 15 anos depois, um jingle que Gustavo fez por encomenda da Rádio Globo, para produtos que patrocinariam a cobertura da Copa de 70. Ficou tão boa a marcha, com tanto apelo e vibração, que pediram ao compositor para substituir os nomes dos produtos por algo mais geral e menos comercial. Pois o resultado, “Pra frente Brasil”, acabou virando sucesso nacional, hino da seleção tricampeã do mundo e uma das maiores peças de propaganda dos tempos do general Médici.

Diante desse sucesso, Miguel Gustavo foi então convidado oficialmente para compor o “Hino do sesquicentenário” no ano seguinte. No entanto, ele faleceria no início de 1972, não chegando a presenciar as comemorações do evento. Apesar do caráter oficial, o sucesso do hino não foi tão intenso nem duradouro quanto o de “Pra frente Brasil”.

3 Máximo, João. Jingle também acaba em samba in O Globo; Rio de Janeiro: 2000.

 

“Hino do Sesquicentenário”

Miguel Gustavo

Marco extraordinário Sesquicentenário da Independência Potência de amor e paz

Esse Brasil faz coisas

Que ninguém imagina que faz É Dom Pedro Primeiro

É Dom Pedro do grito Esse grito de glória Que afaga a história E vitória nos traz

Na mistura das raças Na esperança do rio

O imenso continente nossa gente Brasil Sesquicentenário e vamos mais e mais Na festa, no amor e na paz

 

Transcreverei a seguir a letra de “Samba da vida”, composição de Miguel Gustavo executada pela primeira vez por Aracy de Almeida na segunda eliminatória da I Bienal do Samba promovida pela TV Record de São Paulo e pela Revista Intervalo em 1968.

 

“Samba da Vida”

Miguel Gustavo

Oh vida!

Você não tem jeito Não se dá o respeito Não se dá a razão

 Fazer tanta gente subir e descer Dormir e sonhar, acordar e sofrer E lutar e vencer e morrer

Jogar tanta bomba, louvar quem jogou Gritar liberdade e prender quem gritou

Gritar liberdade e prender quem gritou na multidão

Vida, você não Vida, você não

 

O teor da letra, em especial do verso: “Gritar liberdade e prender quem gritou na multidão” não pode ser considerado exatamente de agrado do governo militar, ainda mais levando-se em conta que a bienal realizou-se apenas sete meses antes da promulgação do Ato Institucional nº 5, ponto máximo da repressão na ditadura.

Não cumpre aqui estabelecer parâmetros para mensurar o teor do conteúdo, comparar as canções citadas e eleger qual seria a mais enaltecedora (ou contestadora) do regime militar ou coisa parecida, no entanto dois fatores são dignos de nota:

Hino do sesquicentenário” e “Chamamos aos Heróis da Independência” fazem ambos referências parecidas – como por exemplo a mistura e união de raças –

, mas a composição de Geraldo Filme se aproxima mais do discurso oficial das comemorações do sesquicentenário pelo alinhamento simbólico que faz da proclamação da independência com a inconfidência mineira. Não obstante, o autor raramente foi vítima de patrulhamento ideológico ou acusação de alinhamento com o regime militar, bem como jamais deixou de formar, juntamente com Paulo Vanzolini e Adoniran Barbosa, a “santíssima trindade” do samba paulista.

Apesar da crítica quase explícita aos regimes autoritários de “Samba da vida” e do fato do “Hino do Sesquicentenário” ter sido composto de encomenda pelo governo militar para as comemorações, ambas não obtiveram o mesmo sucesso que “Pra frente Brasil”, composição pragmaticamente mais associada á ditadura, embora sua da intenção original fosse servir apenas como jingle dos patrocinadores da retransmissão do Copa do mundo.

Outro caso emblemático é o do compositor e cantor Ravel (Eduardo Gomes de Farias) que formou com seu irmão a dupla Dom e Ravel, autora da já citada “Eu te amo meu Brasil”. ÂNGELO (2009) menciona que, segundo Ravel, foram casos de encampação o uso de suas canções “Você também é responsável” (em campanha publicitária do Mobral – Movimento Brasileiro de Alfabetização) e “Obrigado ao Homem do Campo” (campanha do Programa de Incentivo à Agricultura). Segundo o autor4, Ravel também teve um disco proibido pela censura, recolhido de todas as rádios e liberado somente seis meses após (“Animais Irracionais” lançado em 1974 pela Copacabana). A declaração foi feita em debate na Biblioteca Temática de Musica Cassiano Ricardo:

É tudo mentira o que tem dito de nós. Somos vítimas. Somos injustiçados e como tal condenados e queimados vivos na fogueira da irracionalidade humana. Nunca apoiamos a violência, nunca apoiamos a direita. Sempre fomos apolíticos. Nunca fizemos musica por encomenda, tampouco para os militares.

 4 Ângelo (2209) se refere ao debate “Pós 68 na Música Brasileira: AI-5, Engajados, Alienados e Alinhados” realizado em 08/11/2008 Com Ravel, Theo de Barros, Edu Viola e o próprio Assis Ângelo. Sobre a trajetória de Ravel ver também CHAGAS, Luiz. Direita, volver! In Revista Istoé nº 1653, São Paulo, 06/06//2001.

 

Contexto da época de realização de “Independência ou Morte” e a visão do filme sobre o fato histórico

 

Em 1969 foi criada a Embrafilme e em 1972 foi realizado o primeiro Congresso da Indústria Cinematográfica no Brasil que apregoava uma indústria baseada na reserva de mercado, definindo uma percentagem obrigatória para a exibição de filmes nacionais.

Bernardet (1988) atenta para fato de que, a partir de 1970, o Ministério da Educação tomou a iniciativa de aconselhar a produção de filmes históricos aos cineastas, não deixando mais a eles a espontaneidade de produzi-los, inclusive sugerindo temas. Não se pode afirmar com propriedade que a visão que o filme “Independencia ou Morte” (Carlos Coimbra, 1972) mostra, em especial de D. Pedro I, coincida com a visão oficial. O personagem retratado se aproxima mais de um estereótipo do Imperador inconseqüente, adúltero e manipulável.

Cartaz e sinopse do filme “Independência ou Morte”

Independência ou Morte” (1972, cor,108 min)

Direção: Carlos Coimbra

Elenco: Tarcísio Meira, Glória Menezes. Dionísio de Azevedo, Kate Hansen, Anselmo Duarte, Abílio Pereira de Almeida.

O Brasil, no começo do século XIX, é parte do Reino Unido de Portugal e Algarves. Com o regresso de D. João VI a Lisboa, permanece no país, como regente, o Príncipe D. Pedro de Alcântara, que após hesitar entre a obediência à corte de Lisboa e os anseios de libertação da nova pátria, decide em sete de setembro de 1822, tornar independente o Brasil.

A imagem de inconseqüente é retratada desde as travessuras de infância e adolescência até a vida adulta, em especial no seu relacionamento extraconjugal com Domitila de Castro, a futura Marquesa de Santos. Essa imagem começa então a fundir-se com a de adúltero, reforçada pelo fato dos dois atores que representam o casal (Tarcísio Meira e Glória Menezes) serem casados de fato na vida real e muito populares em televisão, representando muitas vezes personagens como casal.

 

A oposição às facetas do Imperador adúltero e manipulável, é trabalhada desde o início do filme formando uma espécie de triângulo de relaçõesentre o casal e José Bonifácio. Ela tem seu ápice na cena em que, ao ser advertidopelo ministro sobre Domitila, o imperador acaba por demiti-lo, preferindo ficar com a amante. Em outra cena, o título de Marquesa de Santos é concedido como forma de provocação à família Andrada, que era originária da cidade.

No entanto a moral prevalece e, ao retornar à Portugal, D. Pedro I confia a guarda de D. Pedro II, então criança à Bonifácio, com quem se reconcilia.

 

As relações do filme com o governo Militar e as intenções e encampação do uso como propaganda oficial.

 Bernardet (1988), ao analisar a eficácia das políticas estatais para incentivo á produções de filmes históricos afirma que o produtor Oswaldo Massaini não conseguiu apoio oficial para as filmagens.

Em entrevista concedida para a realização deste artigo, Reinaldo Cardenuto Filho, curador da mostra “Golpe de 64: amarga memória”, declarou que Aníbal

Massaini, condicionou a exibição do filme na mostra à publicação junto à sinopse na programação de uma nota intitulada “Esclarecimento do produtor”, aqui transcrita:

Independência ou Morte foi por produzido Oswaldo Massaini, a partir da sugestão de seu filho Aníbal, que veio a se tornar o produtor executivo do filme. A direção esteve a cargo de Carlos Coimbra.

Oswaldo Massaini realizou esta reconstituição histórica exclusivamente com recursos próprios. Não houve qualquer apoio do governo à sua realização.

Enviado a Brasília, para obter o certificado de censura, ele recebeu classificação para dez anos. Após nosso apelo para a redução desta classificação, foi assistido por algumas autoridades e passou a ser enaltecido e recomendado para alunos do primeiro e segundo graus. O governo da época tomou conhecimento deste filme quando já estava finalizado. Oswaldo Massaini reuniu em torno desta produção a melhor equipe técnica e artística disponível. Lançada na semana da pátria de 1972 para comemorar os 150 anos da Independência, tornou-se grande sucesso de bilheteria, que perdurou nas três décadas seguintes.

 Se, depois de mais de três décadas, ainda causa mal estar a associação do filme como propaganda oficial a serviço do governo militar, a este não houve qualquer constrangimento ou restrição. A Agência Nacional de Propaganda ainda utilizou um trecho do filme (a cena do grito) para editar um comercial em 1972 assinado com a vinheta oficial em áudio: “A Independência somos todos nós”.

Bernardet (1988) é quem utiliza o termo encampar ao relatar que o governo tomara posição ideológica e estética, ajudando a vender o filme. O autor ainda relata que numa terceira fase de tentativas de estimular a produção de filmes históricos, o então novo Ministério da Educação, nos anos setenta, apontou “Independência ou Morte” como modelo a ser seguido. Transcreve ainda um telegrama do presidente da República:

Acabo de ver o filme Independência ou Morte” e desejo registrar a excelente impressão que me causou. Está de parabéns toda a equipe: Diretor, atores, produtores e técnicos pelo trabalho realizado que mostra o quanto pode fazer o cinema brasileiro nos caminhos de nossa história, Este filme abre amplo e claro horizonte para o tratamento cinematográfico de filmes e emocionam e educam, comovem e informam a nossas platéias. Adequado na interpretação, cuidadoso na técnica, sério na linguagem, digno nas intenções e sobretudo muito brasileiro Independência ou Morte responde á nossa confiança no cinema Nacional.

 Emilio G. Médici, Presidente da República.

 

Considerações finais

 Através do exposto neste artigo procurei responder as questões iniciais e demonstrar que o uso de uma obra de arte como propaganda oficial depende mais da eficácia que este venha a ter do que da real intenção desta finalidade ou mesmo do conteúdo estético e ideológico.

Dessa forma,“Pra Frente Brasil” e“Independência ou Morte” vieram aseconstituir como grandes ícones do regime militar mais pela projeção que vieram a alcançar do que pelas intenções, seja da composição/produção, seja da encampação por parte do governo que, como na maioria das vezes, foi feita depois de consagrado o sucesso da canção e do filme.

 

Referências bibliográficas:

ÂNGELO, Assis. Pascaligundum! Os Eternos Demônios da Garoa. São Paulo: Edição do Autor, 2009

BERNARDET, Jean Claude e RAMOS, Alcides Freire. Cinema e História do Brasil, São Paulo: Ed. Contexto, 1988.

CHAGAS, Luiz. Direita, volver! In Revista Istoé nº 1653, São Paulo, 06/06//2001. FERRO, Marc. Cine y historia. Barcelona: Editorial Gustavo Gil, 1982.

GARCIA, Nelson Jahr. Propaganda: Ideologia e Manipulação. eBooks Brasil, 2002.

MÁXIMO, João. Jingle também acaba em samba in O Globo; Rio de Janeiro: 2000.

XAVIER, Ismail; BERNARDET, Jean Claude e PEREIRA, Miguel. O Desafio do cinema: a política do estado e a política dos autores, Rio derJaneiro: Jorge Zahar, 1985.

Discografia

 A História de 1972 – ZYD-66 – Rádio Jornal do Brasil AM/940 Khz. Documento Sonoro em Disco Continental; Produtor: Fernando Veiga; Locutores: Sérgio Chapelin e Eliakim Araújo. Gravações Elétricas, 1972.

Brasil, 150 anos de Independência– São Paulo, o samba pede passagem. LP TC- 008, Tapecar, 1972.

 

Evaldo Piccino é gestor ultural no setor público Doutor em Meios e Processos Audiovisuais pelo PPGMPA da ECA/USP. Mestre em Multimeios pelo IA/UNICAMP

E-mail: evaldopshell@gmail.com

 

 

 

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