A subordinação crescente da política econômica aos objetivos do mercado (lucratividade) foi a tônica do desenvolvimento capitalista nos países ocidentais, na etapa da globalização, até muito recentemente. A crise imobiliária de 2008 e os resultados catastróficos acarretados para a economia desses países tornou inexorável aumentar a autonomia da ação governamental para buscar objetivos fora do escopo estreito do mercado, como última instância à própria sobrevivência das respectivas economias.
A enorme injeção de recursos públicos com que os Estados Unidos salvaram seu sistema financeiro e algumas grandes empresas da bancarrota foi da ordem de centenas de bilhões de dólares, numa demonstração claríssima da mudança.
As ações posteriores destinadas à redução da dependência de mercados externos, ao desenvolvimento da produção interna de supercondutores e ao fortalecimento de uma economia de baixo carbono, na contramão do processo de globalização, nos governos de Trump e Biden, também foram na mesma direção.
Os mercados, especialmente os financeiros perderam, assim, sua aura de entes eficientes e de reitores do rumo das economias nacionais.
A notável expansão da economia chinesa nos últimos trinta anos, sob o comando político do Partido Comunista Chinês, com a adoção de políticas fortemente intervencionistas, já havia evidenciado que o mercado pode ser utilizado de modo eficiente, mas sob o comando da política.
No Brasil, sempre chegamos atrasados nessas mudanças históricas. Já no início de um novo governo, que se propõe a encaminhar transformações importantes na economia com vistas a melhorar a distribuição da renda, retomar o processo de industrialização e atenuar a destruição do meio ambiente, ainda está em acirrada discussão se a política econômica deve submeter-se ou não aos objetivos do mercado.
O principal defensor e patrocinador da preponderância do mercado é o Banco Central, reforçado com a autonomia operacional conseguida no governo-Bolsonaro, um órgão legalmente estatal, porém, na realidade, tutelado pelo mercado financeiro.
O país está à beira da recessão, porém o Banco Central resiste a baixar a taxa de juros básica da economia, sob o argumento de que a taxa de inflação precisa convergir para uma meta fora de realidade, de 3,5% ao ano. Enquanto isto, o endividamento do setor produtivo e das famílias atinge limites insuportáveis que, praticamente inviabilizam, a expansão da produção e do consumo.
É muito pouco provável que sem a libertação da camisa de força que o mercado tenta impor ao governo na execução da política econômica, haja espaço para realização das ousadas mudanças a que o governo Lula se propõe.