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Brasil e China na perspectiva BRICS

Por José Carlos de Assis

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José Carlos de Assis
José Carlos de Assis
Economista, doutor em Engenharia de Produção pela UFRJ, professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba e autor de mais de 20 livros sobre economia política.

 

Rio de Janeiro, janeiro de 2023

Um mar de oportunidades em parcerias estratégicas

Acordo Brasil-China para realização de um programa comum

Nota Técnica

Abre-se para Brasil e China a maior janela de oportunidades socioeconômicas neste século. A China consolidou sua economia, em poucas décadas, como a segunda mais importante do planeta, e avança celeremente no campo social. Já o Brasil, caso realize mudanças institucionais que possibilitem corrigir  erros e insuficiências do passado, pode aprender com ela suas realizações nos dois campos. A chave para o êxito chinês foi construir uma “economia da produção”. O fracasso relativo do Brasil foi se curvar à “financeirização” e à “especulação” financeira. Nosso resgate pode ser fortemente ajudado pelo BRICS.

Esta nota técnica visa a apontar os meios pelos quais, com aval da China no BRICS, o Brasil, apoiado num Fundo Soberano, pode voltar a ser um país de desenvolvimento socioeconômico rápido. O principal passo para isso é libertar-se de políticas fiscais restritivas – a exemplo do chamado “teto de gastos” -, que penetraram no país a pretexto de combater, inicialmente, supostas pressões de instabilidade fiscal. Essas políticas foram, a longo prazo, um legado negativo do FMI para enfrentarmos a crise da dívida, pois, mesmo depois de não mais dependermos dele para pagá-la, continuamos com políticas macroeconômicas nele inspiradas.

Hoje isso pode mudar, porque o próprio Fundo está mudando, mas, não fosse o marco institucional herdado dele, teria sido possível ao Brasil escapar da crise da dívida externa à moda chinesa, isto é, recorrendo à “economia de produção”. Entretanto, fomos empurrados para uma “economia de especulação”. Uma “economia de produção”  aumenta a criação de bens e serviços quando está em desequilíbrio financeiro externo, para pagar, com superávits externos, déficits em transações correntes e dívida acumulada no passado. Essa era a situação brasileira no início dos anos 1980. Nesse ponto, porém,  entraram os aconselhamentos mandatários do FMI.

Em lugar de pagar a dívida passada com aumento da produção, o FMI impôs ao país justamente cortar na produção/oferta para diminuir a demanda interna e disponibilizar recursos reais daí derivados a fim de reduzir o  endividamento. Isso implicou eliminar investimentos públicos e elevar a taxa de juros, do que resultou queda do emprego, da renda e do próprio PIB. O Brasil entrou  numa situação de estagnação econômica recorrente, tanto mais profunda quanto mais os “conselhos” originários das primeiras missões do Fundo foram assimilados pela administração pública interna, exacerbados nos anos recentes pelo neoliberalismo radical do governo Bolsonaro.

O Brasil teria sido salvo dessa tragédia se o FMI houvesse funcionado como uma agência internacional para facilitar verdadeiramente o equilíbrio econômico global das economias, em crises nas suas relações externas, e não apenas como um instrumento para o equilíbrio financeiro entre elas. Nesse caso, o foco da ajuda ao Brasil teria sido facilitar a retomada de seu processo produtivo a fim de aumentar o superávit em conta corrente (bens e serviços) e usar a margem de dólares resultantes para pagar a dívida. Contudo, pela lógica da época do FMI, o caminho apontado, como se viu, foi cortar a demanda interna e  aumentar ainda mais a dívida futura, com novos empréstimos, para pagar a nova dívida passada corrente e toda a dívida passada.

Esse foi o ponto crucial da “financeirização” da economia brasileira, pois, para acrescentar aos recursos do Fundo outras fontes de financiamento externo, o país precisava de aumentar a taxa de juros interna a fim de atrair capital internacional que lhe ajudasse a fechar suas contas. Disso nem sempre resultava financiamento de investimentos produtivos internos. Em geral, o que  acontecia, e acontece ainda, é o oposto. A entrada de recursos se transforma em dívida pública interna, a qual, alimentada pelos juros estratosféricos arbitrados pelo Banco Central, torna-se inadministravel  e  disfuncional para novos investimentos reais e o desenvolvimento da economia.

Para que o Brasil saísse da condição de “economia da especulação” para a “economia da produção” teria sido essencial que uma agência reguladora internacional cumprisse,  para a estabilidade econômica do planeta, o papel que o FMI nunca cumpriu, e ainda não cumpre, por causa de seu viés de liberdade financeira global vinculado à hegemonia do dólar. Esse novo papel poderia caber a uma agência reguladora de relações econômicas internacionais, sob orientação do BRICS e assegurada por Fundos Soberanos apoiada em produção: em lugar de Fundo Monetário Internacional, com foco financeiro, um Fundo para Estabilização Econômica Mundial (FEEM), com foco na produção. Vejamos como poderia funcionar.

Alternativa BRICS/FS

            Como observado acima, a expansão de uma economia sem déficit no balanço de pagamentos, ou seja, com  sustentabilidade, deve apoiar-se na produção, e não na “ciranda financeira”, conforme a “financeirização” era conhecida no início dos anos 1980 no Brasil. Entretanto, a “economia da produção” tem que ser financiada sem ônus excessivos em termos de compromissos futuros com juros sobre juros. É nesse ponto que entra o FEEM, o proposto Fundo dos países do BRICS/FS: ele disponibilizaria financiamentos a juros modestos para países do bloco que estivessem em desequilíbrio no balanço de pagamentos ou que iniciassem programas de expansão.

            O prazo para o pagamento dos compromissos seria compatibilizado com o fluxo real de produção e de geração de superávits  para abater o déficit programado do balanço de pagamentos, de forma a restabelecer ou manter ao fim desse prazo o equilíbrio externo do país. E a moeda usada seria com base nos próprios produtos – bens e serviços, de um lado,  e matérias primas, de outro – colocados virtualmente pelos países numa espécie de “cesta comum”, sujeita a saques quando necessário (Direitos Especiais de Saque numa forma real, e não virtual). Isso possibilitaria taxas de juros extremamente baixas e um esquema seguro de relações econômicas internacionais.

            No caso concreto das relações entre Brasil e China, no âmbito do BRICS, não haveria praticamente nenhuma restrição a financiamentos de novos projetos de desenvolvimento sustentável do lado brasileiro: haveria suficientes fontes de recursos do lado real, diante de nosso potencial em mineração e agronegócio, assim como de energia renovável.  A condição externa seria o FEEM. Outra condição, porém interna,  seria a ruptura com as políticas fiscais e monetárias restritivas que têm sido impostas ao país nas últimas décadas, principalmente o chamado “teto de gastos”, requerendo uma verdadeira “revolução cultural” na tecnocracia pública brasileira.

            A China pratica uma economia funcional. Ela efetivamente já não tem restrições financeiras e fiscais para investimentos produtivos, com suas reservas internacionais de 3,3  trilhões de dólares. Chegou a elas mobilizando mão de obra abundante, qualificada e não qualificada, tornando-se uma máquina de geração de bens e serviços de escala mundial, num tempo sem precedentes. Está ao alcance do Brasil percorrer caminho semelhante. Pode acelerá-lo, porém, no caso de estabelecer uma estratégia operacional com a China, reproduzindo o modelo empresarial estabelecido no governo Geisel, isto é, o “modelo tripartite”.

            O “modelo tripartite” partia da constatação óbvia de que para alcançarmos os países desenvolvidos em prazo mais rápido seria mais conveniente, em lugar de tentarmos desenvolver tecnologia nova, usarmos o poder do Estado e nos aliar aos setores privados internos e internacionais para realizarmos investimentos empresariais. Deu certo em parte.  Mas foi interrompido com a crise da dívida externa nos anos 1980. Podemos repetir essa experiência, em sua parte exitosa, principalmente com a China: as crises em que mergulhamos nos últimos anos nos deixou muito longe de uma possibilidade real de desenvolver tecnologia autônoma com nossos próprios recursos em prazo curto ou médio. Precisamos de parceiros.

            O melhor parceiro,  insista-se, é a China. Ela pode participar conosco de pequenos, médios e grandes empreendimentos.  Tem suficientes recursos tecnológicos e financeiros, tem um sistema estatal confiável, tem estabilidade econômica e está integrada no BRICS, como o Brasil, sendo um dos seus líderes. É um dos principais parceiros comerciais do país em setores econômicos complementares. A parceria com a China tem resultado em importantes retornos econômicos para a iniciativa privada brasileira, e apoiá-la decisivamente, promovendo desenvolvimento tecnológico, poderá nos levar de volta à trilha da industrialização, ou reverter a desindustrialização.

Setores e sustentabilidade

Apenas como indicação para o modelo tripartite Brasil-China, no plano econômico, poderiam ser criadas sociedades nas áreas de microeletrônica (Ceitec, por exemplo, voltando à produção de microprocessadores, de importância vital para insumos industriais, e que foi interrompida por Bolsonaro) e farmacêutica, nas quais a China tem evidentes vantagens. O Brasil entraria com tecnologias limpas na área energética, do agronegócio e da agricultura voltada para o pequeno e médio agricultor, sob orientação da Embrapa, onde o país tem larga experiência e vantagens tecnológicas. Á iniciativa privada, junto com o Estado, caberia definir o conjunto completo das áreas de parceria no campo de bens de consumo com tecnologia média, das quais essas são apenas amostras preliminares.

Uma entidade dedicada ao planejamento empresarial, a ABDI (Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial), no âmbito do Ministério do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio, poderia encarregar-se de indicar os projetos específicos a serem desenvolvidos em associação com o setor privado interno. Ela promoveria programas especiais de atração de investidores externos – com os chineses, mas não só com eles -, tendo em vista, nesses casos, os interesse geopolíticos do país estabelecidos pelo governo federal. Uma cláusula para absorção e desenvolvimento comum de tecnologia seria associada a cada empreendimento.

A parceria Brasil e China deve ser articulada com os 17 objetivos da ONU para o desenvolvimento sustentável do mundo até 2030 e 2050, começando imediatamente.  Tendo em vista as mudanças climáticas que já se sentem em eventos extremos, atraindo a atenção de todo o planeta, ao Brasil interessa o suporte da China em políticas ambientais que exigem logo, a curto prazo, o concurso de recursos financeiros consideráveis dos dois países, mas que,  diante do poder econômico da China, poderá ser melhor suportado por ela, em favor sobretudo das camadas mais fragilizadas das populações dos dois países.

Outra importante questão a considerar é no plano político. Diante da vitória de Lula nas eleições,  e em razão dos repetidos compromissos anunciados por ele na campanha em viabilizar acordos estratégicos com a China no BRICS, o programa comum interessaria de forma especial ao governo brasileiro. Poderia ser considerada, além disso, uma visão menos ideológica da China no Brasil nos últimos anos, em razão de seu próprio sucesso econômico, o que vem chamando a atenção de nossa mídia. O Grupo Bandeirantes, por exemplo, planeja lançar um programa com o China Media Group, trocando experiências, notícias e programas de interesse comum.

 

José Carlos de Assis é jornalista, economista e professor

 

 

 

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