Artigo publicado iniciamente na revista Brasil Inteligente. Publicação da CNTU – 2015 – No. 4
A desnacionalização de nossos ativos produtivos é o principal fator responsável pela crise atual do balanço de pagamento.
DIFERENTES JORNAIS vêm informando sobre a possibilidade de que seja facilitada, em futuro próximo, a abertura a grupos estrangeiros do mercado de engenharia e construção civil no Brasil. Dificilmente poderemos evitar mais essa medida perversa e contrária aos interesses nacionais, caso prevaleça a decisão de considerar inidôneas as empreiteiras citadas na operação Lava Jato.
Se tal intenção for levada a cabo, atingirá unidades produtivas que representaram, em 2013, dois terços da receita líquida das 28 maiores empresas de engenharia e construção do país. Também não ficarão ilesos o terceiro maior grupo econômico industrial e o terceiro maior grupo econômico e prestador de serviço, Odebrecht e Camargo Corrêa, respectivamente, responsáveis por mais de 230 mil empregos em suas áreas de atuação.
Nos dois casos citados, não se trata simplesmente de empresas brasileiras de engenharia e construção, facilmente substituíveis por outras empresas nacionais, como pretendem os defensores da desnacionalização e aqueles que julgam a industrialização um mal menor comparativamente às vantagens da abertura irrestrita da economia brasileira ao grande capital internacional. Ambas constituíram, graças ao esforço de seu corpo técnico, conglomerados que atuam em diferentes setores produtivos no Brasil e no exterior. Situam-se entre os maiores conglomerados multinacionais que conseguimos formar até hoje, disputando com outros grandes conglomerados mundiais oportunidades de geração de emprego e renda no palco internacional.
Suas operações, inicialmente focadas na construção de obras de infraestrutura, ampliaram-se paulatinamente desde os anos 1970. Estão hoje presentes em atividades estratégicas para a economia nacional. Cito, a título de exemplo: agroindústria, serviços de telefonia e comunicações, geração e distribuição de energia, petróleo/indústria química e petroquímica, e construção naval. Perdê-las significaria amputar a economia brasileira de seus mais competentes “soldados”, conforme expressão utilizada por Alain Touraine para designar as grandes empresas em tempos de neoliberalismo.
Abrir mão dos “soldados” desta nação implicaria, evidentemente, satisfazer a cobiça das altas finanças e das nações imperiais, voltadas para o monopólio das principais fontes de lucro e de poder em escala planetária. Significaria também acelerar qualitativamente a
desnacionalização agressiva de que somos objeto desde os anos 1990. Agressiva, sim, na medida em que constrói os fundamentos da desarticulação do sistema econômico e implode progressivamente nossa soberania, tornando-se assim um elemento impeditivo e contrário ao desenvolvimento nacional, conforme nos explicou o eterno mestre Celso Furtado (em Raízes do subdesenvolvimento, Editora Civilização Brasileira, 2003).
Enfim, julgo prudente explicar que tal posicionamento não decorre de uma ideologia xenófoba, mas de um real pragmatismo. A desnacionalização de nossos ativos produtivos é o principal fator responsável pela crise atual do balanço de pagamento, vitimado por um déficit crescente nos últimos anos. Apenas em 2014, a remessa de lucros e dividendos das multinacionais estrangeiras superou R$ 80 bilhões. Se somarmos o pagamento de juros ao capital estrangeiro, esse montante supera largamente os R$ 100 bilhões anuais.
Não seria portanto exagero supor que neste século que mal se inicia, já encaminhamos para o estrangeiro pagamentos e rendas que podem totalizar US$ 1 trilhão, equivalente a 50% de nosso Produto Interno Bruto (PIB) anual. E ainda acumulamos um passivo externo que se aproxima rapidamente de outro trilhão de dólares e é o retrato mais gritante, e escandaloso, de uma dependência financeira incomparável com nosso grau de desenvolvimento, mas também castradora de qualquer projeto de desenvolvimento soberano.
Ceci Juruá. Economista, mestre em Desenvolvimento e Planejamento Econômico, doutora emPolíticas Públicas. Ocupou os cargos de; Economista Sênior da Cia do Metropolitano do Rio de Janeiro, Assessora-Chefe da Assessoria de Orçamento da Secretaria de Estado de Transportes do RJ, Diretora Geral do DTC-RJ e Presidente do DETRO-RJ, Diretora de Prioridades do Ministério dos Transportes. Foi professora de Economia da Universidade Católica de Brasilia, Conselheira do Corecon-RJ por dois triênios, Vice-presidente da Federação Nacional dos Economistas. Atualmente é membro do Conselho Diretor do Centro
Internacional Celso Furtado e do Conselho Consultivo da Confederação Nacional CNTU.