Texto de Roberto de Lira e Rodrigo Tolotti
Publicado inicialmente em InfoMoney
Em janeiro, o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, enviou uma carta ao novo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, dando as justificativas para a autoridade monetária não ter conseguido novamente atingir a meta de inflação estipulada para 2022 – o IPCA fechou ano passado em 5,79%, ante um objetivo de 3,50%, com margem de tolerância de 1,50 ponto para cima ou para baixo. Embora o País adote o regime de metas desde 1999, para muita gente ainda há dúvidas sobre os motivos, méritos e críticas a respeito do modelo de política monetária.
O regime de metas de inflação pode ser até considerado recente quando se fala em estratégias que os formuladores de política monetária têm à disposição para atingir uma estabilidade de preços. Ele foi adotado pela primeira vez em 1990 pela Nova Zelândia e seguido por várias economias avançadas e emergentes nas décadas seguintes.
A nova estratégia substituiu modelos antigos, que acompanhavam agregados monetários ou a taxa de câmbio, que haviam se mostrado ineficientes para o combate à inflação nos choques sofridos pela econômica mundial desde a crise do petróleo, nos anos 1970s.
Taxa e prazo
Como o nome sugere, a abordagem é caracterizada pelo anúncio de uma meta oficial para a taxa de inflação em um ou mais horizontes de tempo, e pelo reconhecimento explícito de que a inflação baixa e estável é o objetivo primordial da política monetária, segundo definição do ex-presidente do Federal Reserve (Fed) Ben Bernanke.
O sistema é um instrumento que visa não só dar maior previsibilidade sobre as medidas econômicas, mas também fornecer maior credibilidade ao BC, responsável por ter de cumprir essa meta.
Esse tipo de controle busca, portanto, dar mais segurança para o mercado, com uma garantia de que o País não terá, por exemplo, um processo de hiperinflação, enquanto garante também que as instituições econômicas tentarão encontrar o melhor patamar para manter a atividade econômica em níveis sustentáveis.
Neste cenário, cresce a importância de um BC autônomo, para que ele possa tomar as medidas necessárias para atingir essa meta de inflação. Além disso, esse sistema também evita que sejam adotadas soluções puramente políticas por parte dos governos, o que tiraria a segurança do mercado e poderia ter impactos negativos.
Ao adotar esse critério, além do anúncio da meta, o BC local assume um compromisso institucional pela estabilidade de preços como objetivo primário de política monetária, adota uma postura mais transparente de comunicação com o público e o mercado e passa a utilizar os mecanismos que permitam alcançar a inflação pretendida. O principal é a taxa de juros.
Implantação do regime
No Brasil, o regime foi oficialmente implantado em julho de 1999, quando o presidente do Banco Central era Armínio Fraga e o Ministro da Fazenda era Pedro Malan. O sistema foi definido como o parâmetro de referência para as expectativas de preços em substituição ao regime de bandas cambiais, abandonado após a maxidesvalorização da moeda que aconteceu no início daquele ano. O indicador oficial escolhido foi o IPCA, medido pelo IBGE.
Foi uma das pontas do tripé macroeconômico adotado pelo Brasil para conter uma crise fiscal e uma queda acentuada das reservas cambiais. As outras duas “pernas” eram o câmbio flutuante e o superávit primário.
No Brasil, a meta para a inflação é definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e cabe ao BC adotar as medidas necessárias para alcançá-la. No desenho atual do sistema, o CMN define em junho a meta para a inflação de três anos-calendário à frente.
E a cada 45 dias, ocorre e reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), que toma as decisões de política monetária do país e define a taxa Selic, que pode subir ou cair conforme o BC tenta equilibrar a economia e atingir a meta de inflação.
A Selic é bastante importante porque ela tem influência direta sobre todas as outras taxas de juros utilizadas no Brasil, como as de empréstimos, financiamento e aplicações financeiras.
Diante disso, é importante não só para o mercado, mas para a população em geral acompanhar a meta de inflação, que acaba impactando desde os investimentos até empréstimos e os produtos que o consumidor compra nas lojas e supermercados.
Primeiros passos
Ao adotar o sistema, o BC criou um sistema de transparência e responsabilização que incluiu a divulgação do comunicado e da ata das reuniões do Copom e o Relatório de Inflação, importantes para nortear as expectativas de variações de preços.
Com as contas ainda desarrumadas, a primeira meta de inflação do Brasil (para 1999) foi de 8%, com um intervalo largo de dois pontos para cima ou para baixo, ou seja, podia ficar entre 6% e 10%. O centro da meta para 2000 foi definido em 6% e o de 2001 foi de 4%.
Com o tempo, a meta foi se ajustando e chegou a ficar estável em 4,5% entre os anos de 2003 e 2016. O intervalo de 2 pontos, por sua vez, permaneceu entre 2004 e 2014. Desde 2019, no entanto a meta de inflação oficial no Brasil tem sido reduzida. Para 2022, estava estipulada em 3,50%, caindo para 3,25% em 2023, e para 3% em 2024 e 2025, sempre com uma margem de 1,5 ponto para mais ou para menos. Essa estratégia de redução tem recebido críticas devido à rigidez da estrutura fiscal brasileira.
O fato é que a inflação do Brasil “escapou” do intervalo de tolerância em sete anos desde a adoção do regime: 2001, 2002, 2003, 2015, 2017, 2021 e 2022. Isso obrigou os presidentes do BC a escreverem as cartas abertas ao presidente do CMN (que é o ministro da Fazenda), contendo descrição detalhada das causas do descumprimento da meta, as providências para assegurar o retorno da inflação aos limites estabelecidos e o prazo no qual se espera que as providências produzam efeito – conforme determina a regra.
Resultados
Mesmo com essas dificuldades pontuais, como no caso do Brasil, o Fundo Monetário Internacional (FMI) mostrou em estudo recente que os países que adotaram o regime desde os anos 1990s conseguiram bons resultados no sentido de reduzir suas taxa de inflação.
Na Nova Zelândia, que inaugurou o modelo, a taxa média de inflação caiu de 11,7% nos três anos que antecederam a mudança para 3,2% nos três anos seguintes. No Reino Unido, que migrou para o regime em 1992, a taxa média recuou de 7,1% para 2,4%, enquanto o Chile (1999) viu sua inflação média recuar de 6,2% para 3,3%. No Brasil, a taxa caiu em menor intensidade, de 8,6% para 7%, na mesma comparação.
O FMI compilou alguns estudos para demonstrar que os países que adotaram o regime de metas reduziram as expectativas de inflação com mais força do que os que não fizeram a mudança, conseguiram atingir um grau menor de volatilidade nos índices de preços ao consumidor, atingiram melhor desempenho do crescimento de médio e longo prazo e reduziram mas rapidamente os custos de produção. Isso tudo agregado ao ganho de comunicação entre BCs e mercados.