“When you come to a fork in the road, take it”
(Yogi Berra)
Cruzando com um dos formidáveis economistas que havia na plateia, um dos que estava algo otimista com o evento, reclamo: “Nem um lip service do tipo “retomada do investimento público” Haddad falou”. Sim, Haddad falou em concessões e PPPs, mas não mencionou nada sobre investimento público direto, algo que claramente foi defendido por todo o conjunto de palestrantes externos. Aliás, o próprio outfit de Haddad sugeria isso: o Delfim trajava terno azul escuro, mas nem tanto, camisa igualmente azul, gravata amarela. Nada de vermelho Janja no visual.
Tirando Tereza Campello, que estava ali nitidamente para causar em seu surpreendente ataque (em parte até justificável) ao agronegócio, as outras pessoas das quais você esperaria alguma sinalização mais incisiva, algum raciocínio que refletisse sua sofisticação intelectual, não se fizeram presentes no evento. A Esther crítica da austeridade? Não estava lá. Havia uma boa aluna recitando seus deveres de casa. Nelson Barbosa? Confesso que tive vontade de subir ao palco, colocar a mão na testa dele e proclamar em nome do Senhor: “Sai desse Ministério da Fazenda que não te pertence!” Uma tediosa exposição de números, não mais.
Olhando em retrospecto, no entanto, acho que eu estava errado e ambos fizeram apresentações muito sábias, politicamente muito sábias. Creio que como o Haddad, o objetivo deles era fazer o mínimo de barulho possível, a sensata estratégia de comunicação de tornar um potencial fato jornalístico em algo irrelevante, deixando que outras agendas tomem o espaço impresso. Essa é uma dark art que desconfio não seja pregada pelo povo de mídia training, que em geral trabalha com coisas positivas, incisividade e não com pequenas sabotagens, formas posicionais como o mundo jurídico trata(ria) às vezes na mesma CPI.
Mas para além dos juros altos, o outro consenso presente foi que nossa taxa de investimento é baixa e precisa aumentar. Haddad falou na qualidade de investimento voltada para a transição ecológica. Parte certamente é infraestrutura, parte os negócios que justificam os papéis que nosso setor financeiro pretende vender aos gringos aplicadores em ESG. Isto, a meu ver, não é fugir da armadilha do curto prazo, mas pior, uma fixação num agora que já é passado. O papel que o ministro enxerga de um BNDES atuando em concessões e financiamentos a esses processos neoliberais privados faz todo sentido dentro de uma lógica exclusivamente do Ministério da Fazenda, cujo papel é regular essas relações público-privadas, mas escapa à lógica maior de pensar de forma integrada a economia. Neste sentido, uma Fazenda que é a peça central da área econômica e ao mesmo tempo se vê como mero arrecadador – e que não enxerga os processos de criação de moeda – é algo atávico, uma persistência dos anos 80 onde a questão externa era crítica.
Sachs é um que não saiu dos 80 pelo visto. Pensando friamente, até previsível se você pensar que, do ponto de vista de teoria econômica, o politicamente progressista Sachs é possivelmente o mais ortodoxo entre os que lá estiveram. Não há a menor necessidade de recursos externos para que haja investimento em infraestrutura no Brasil. Quando isso foi necessário, nos 70, era porque esses investimentos eram uma forma do Brasil obter petróleo e máquinas: uma estatal pegava dinheiro de fora, as obras aconteciam aqui feitas por empesas brasileira pagas em cruzeiros novos, os dólares eram usados para compras lá fora. Hoje essa necessidade não existe mais. Mas o dinheiro externo vem porque é mais barato, e é mais barato porque o Banco Central cria uma situação favorável ao endividamento externo e a prática de carry trades com seus juros altos. Neste sentido, a proposta de captação externa do BNDES só existe porque o BACEN não cumpre o papel de um banco central dentro do entendimento que se estabeleceu lá fora de 2008 para cá.
Mas há uma guerra política acontecendo, uma disputa de terceiro turno entre o Mercado – que votou em Guedes – e a grande coalizão que é o novo governo. E com a persistência da esquizofrenia de achar que o governo tem necessidade de se financiar (e por isso os juros altos) ao mesmo tempo que o Banco Central fixa uma taxa de juros alta visando controlar a inflação, independente do impacto disso sobre a dívida pública, pouco dá para se fazer em termos de normalizar a situação no curto prazo. E como resgatar o investimento pela via privada se, na maravilhosa citação de nosso ex-presidente Luciano feita pela Marianna, o Brasil tem um “capitalismo sem capitalistas”. Psicografando Keynes: espíritos vegetais na terra do Pau-Brasil?
Do evento para cá o Arcabouço Fiscal se tornou a nova ficção sob a qual a condução da economia brasileira acontecerá. E o investimento nessa estória, como fica?
Ao invés da estupidez do Teto de Gastos, a maravilha institucional que o mesmo grupo talentoso que criou grandes sucessos com A Ponte para o Futuro impingiu a esta tão grande nação, o ex-Prefeito de nossa maior cidade nos traz uma confortável faixa de ciclismo onde a austeridade será pintada de vermelho. E sem pedaladas, o que garante que a bicicleta não vai andar assim tão rápido. (Não vou aqui discutir o arcabouço, calabouço, como você quiser chamar. Tanta gente já fez isso bem melhor do que eu faria, muitos com contas novas, muitos exumando as contas apresentadas. Procurem!)
Estamos, portanto, condenados a mais um quadriênio perdido? Não propriamente. É óbvio que nada de muito distante do que está aí poderia ser feito neste primeiro ano de governo. Por sua vez, a implosão que antipolítica em torno de Aladim Bolsonaro gerou sobre os setores conservadores da política brasileira deu um espaço de respiro, de negociação civilizada com o Centrão. Embora desaparecidos como que sob ordem unida, as multidões que protestaram contra tudo ainda assombram qualquer um que se preocupar com o ato de governar. E o Centrão é muito preocupado com isso, acreditem. Em sua fé, fora da rubrica não há salvação.
Tal como está hoje nem o investimento público vai acontecer, nem o investimento privado enquanto o BNDES estiver limitado tanto em sua taxa quanto nos seus recursos. O investimento externo desse mundo OCDEntal também não vai acontecer. O setor financeiro do Ocidente, com as quebras de alguns dinâmicos bancos americanos e de uma das maiores operadoras de criptomoedas nos últimos seis meses, com a quebra do Credit Suisse, com o Deutsch Bank que não se sente muito bem, com a clareza que começa a acontecer de que o FED terá que reverter o combate à inflação, pois o setor financeiro e a economia real irão para o buraco se ele não o fizer, com… esqueçamos investimentos reais vindos de Europa e EUA neste momento. Não só há uma guerra onde eles estão sendo derrotados na parte física e na parte híbrida, mas o próprio processo do Triplex do Trump mostra que os EUA entraram no tipo de falência moral que caracterizou o Brasil após o impeachment.
O que virá? Se não criarmos dificuldades, o investimento estatal chinês. As estatais chinesas são hoje o mais poderoso conjunto de empresas do Mundo e a China precisa urgentemente diversificar seu portfólio de ativos financeiros em dólar, suscetíveis à inflação e às intempéries políticas internacionais (e às intestinas americanas), para ativos reais em outros sistemas jurídicos mais seguros e mais estratégicos do ponto de vista material. Se o nosso Banco Central, o Ministério da Fazenda, nossa imprensa, nossa finança, seja lá quem mais for vai ficar feliz com isso, maravilha. Se eles vão desenvolver projetos de infraestrutura aqui sem necessariamente usar de nacional algo mais que parte da mão de obra, bem, aí é uma questão do que se entende por (e o que queremos de) desenvolvimento nacional.
(to be continued…)
►Leia também: “O copo cheio dos juros altos”, do mesmo autor.