Brasília, 17/04/23.
É ingênuo o esforço que a equipe do novo governo vem realizando para a acomodar as políticas fiscal e monetária no marco de uma nova estratégia para o funcionamento a economia brasileira.
A estratégia “neoliberal-privatizante”, ainda dominante, é voltada para a consolidação de uma economia, comandada pelas forças do mercado e tendo como objetivo principal a valorização do capital financeiro.
Uma estratégia social-desenvolvimentista, como defendo o novo governo, deve ser comandada, no principal, por decisões políticas e ter como propósito principal promover mudanças estruturais na economia, seja no aparato produtivo, seja na distribuição da renda, tendo em vista acelerar o crescimento econômico e reduzir as desigualdades sociais.
São duas estratégias bastantes distintas, embora ambas visem a preservação e expansão da forma capitalista de produção. Acontece que a primeira estratégia, já em implementação há vários anos, tem sido eficaz para promover a concentração da renda social, mas mostra-se ostensivamente incapaz de favorecer a acumulação de capital produtivo, o crescimento econômico e a melhoria na distribuição da renda e nas condições de vida da população.
A política financeira é o campo em que fica mais evidenciada a contradição entre as duas estratégias, conforme tem sido observado, já há bastante tempo, com a política monetária conduzida pelo Banco Central e a Política Fiscal pelo Ministério da Fazenda.
Elemento central da política econômica adotada pela estratégia neoliberal-privatizante é o controle das pressões inflacionárias, que adota como instrumentos centrais o uso da taxa básica de juros (SELIC) e a contenção do gasto público. O suposto básico dessa estratégia é que a causa da inflação é o excesso de demanda monetária, o que implica em manter a taxa de juros elevada e gerar superávits fiscais primários positivos para amortizar os custos da dívida pública.
Na prática, essa estratégia não tem funcionado, pois leva à estagnação econômica em face do desestímulo que cria para o investimento privado pelo bloqueio do gasto público, particularmente em investimento, e a concentração da renda nas mãos dos aplicadores financeiros.
Já estratégia social-desenvolvimentista, parte do suposto de que a questão central não é a inflação, mas sim a incapacidade do sistema para aproveitar o potencial de crescimento do país, existente em termos de capacidade ociosa efetiva e potencial. Neste caso, a taxa de juros precisa ser suficientemente baixa para estimular o investimento privado e não agravar o endividamento público. O uso do endividamento público precisa ter maior liberdade para financiar investimentos bem escolhidos, cujo retorno social seja elevado. O investimento público aparece, então, como o elemento dinamizador do investimento privado através da demanda efetiva que permite antecipar.
Nesse contexto, não haverá razões para o descontrole da inflação, sempre que sejam respeitados os limites de expansão da capacidade produtiva. Já o controle do endividamento externo ocorrerá naturalmente com a expansão do PIB a uma taxa mais alta do que a do endividamento público.
Os “arcabouços” que estão na berlinda mais recentemente são, portanto, os elementos centrais dessas estratégias contraditórias. O arcabouço da política de metas de inflação, baseado no uso da taxa básica de juros para influenciar as expectativas inflacionárias, comandado pelo Banco Central; e o arcabouço do gasto público, da órbita do Ministério da Fazenda, proposto pelo atual governo em substituição à regra do “Teto de Gastos”. Esta regra, se revelou desastrosa, pois acabou não limitando o gasto público e estimulou seu uso de forma bastante ineficiente do ponto de vista social.
A meu ver, a aprovação do novo arcabouço fiscal não resolve o problema, pois se rege pela mesma lógica do arcabouço do Banco Central. Apenas cria a ilusão de que permitirá maior expansão do gasto público, porém numa taxa inferior à do crescimento do PIB, o que dificilmente vai romper com a estagnação da economia e o controle do aumento da dívida pública. O arcabouço do Banco Central continuará dominante no contexto da política financeira.
A isto, caberia agregar que a concepção do arcabouço do Banco Central, baseia-se numa teoria macroeconômica (monetarista) já há muito superada em sua capacidade de explicar a dinâmica capitalista, pois, por um lado, parte do suposto de que o financiamento da expansão da capacidade produtiva depende da acumulação prévia de recursos financeiros (poupança), quando já foi evidenciado por Keynes, Kalecki e Shumpeter, que o investimento é financiado pela expansão do crédito. As reservas pré-existentes já estão comprometidas com o nível investimento anterior e são necessárias para manter o funcionamento da economia no nível já alcançado.
Por outro lado, deixa de considerar que o uso da taxa básica de juros para conter as expectativas dos agentes acaba sendo determinante das próprias expectativas, num círculo vicioso perverso que dá como resultante a estagnação econômica.
Eis, pois o maior desafio para o atual governo levar adiante a nova estratégia, o que requer alterar substancialmente a política de metas de inflação do Banco Central, e não se ajustar a ela, como faz a proposta de arcabouço fiscal elaborada pelo Ministério da Fazenda.