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Profundas raízes

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Roberto D´Araújo
Roberto D´Araújo
Roberto Pereira D´Araújo é engenheiro eletricista formado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ) e mestre em sistemas pela mesma universidade. Ex-chefe de departamento em Furnas Centrais Elétricas e diretor do Ilumina – Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético

Apesar de estarmos com um novo governo democrático, ainda há muitas incertezas sobre um retorno da Eletrobras para as mãos do estado brasileiro. Até agora, não se vislumbra uma base governamental que seja capaz de não apenas de recuperar a Eletrobras para o poder público, mas reconstruir a empresa e seu papel para o Brasil.

Como muitos devem saber, consideradas as características hidroelétricas do sistema brasileiro, com a “capitalização” da Eletrobras, o país passou a ser o único desse privilegiado tipo majoritariamente privado. Estados Unidos, Canadá, Suécia, Noruega, China, Índia e Rússia, apenas para citar os principais, não seguem a “receita” brasileira.

Contudo, é lamentável perceber que algumas sementes dessa situação inexplicável foram plantadas há mais de 40 anos.

Vejam o que dizia a Constituição de 1946

Art 151 – A lei disporá sobre o regime das empresas concessionárias de serviços públicos federais, estaduais e municipais.

Parágrafo único – Será determinada a fiscalização e a revisão das tarifas dos serviços explorados por concessão, a fim de que os lucros dos concessionários, não excedendo a justa remuneração do capital, lhes permitam atender as necessidades de melhoramentos e expansão desses serviços.

O que mudou na constituição de 1988?

Art. 175. Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:
………………………………………………………
III – política tarifária;
IV – a obrigação de manter serviço adequado.
Reparem que a política tarifária deixou de ser um princípio constitucional e
passou a ser assunto de lei.

O que diz a Lei 8987/95 das Concessões?

Decreta o fim do princípio da justa remuneração!

Art. 9º A tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato.

§1º A tarifa não será subordinada à legislação específica anterior. Reparem na insistência do § 1º! Reforça que não há mais o critério da justa remuneração.

A Lei 8.987/95 definiu as seguintes regras de transição para as concessões:
Posteriores à CF/88, deverão ser extintas (art. 43);

Anteriores CF/88 e cujas obras não tenham se iniciado, deverão ser extintas (art. 43);

Concessões anteriores à Lei 8.987/95, que tenham prazo fixado no contrato ou no ato de outorga, serão válidas pelo prazo restante. Uma vez encerrado o prazo, a concessão será licitada Art.42.

Qual a relação dessa mudança constitucional e legal com o setor elétrico brasileiro?

Usinas hidroelétricas têm extensa vida útil. Até agora, nenhuma outra fonte de energia no planeta apresenta essa característica.

Essa realidade é um incômodo para a filosofia do mercado. Como lidar com uma máquina cuja principal e cara parte (barragem) pode durar mais de 100 anos? Como deixar ao sabor do volátil mercado a amortização e depreciação desse custo?

Países de base hidroelétrica, independente da concessão privada ou estatal, não se obrigam, através da constituição, a licitar usinas existentes. Percebem que há o risco de trocar o comando de uma usina construída por uma empresa, seja estatal ou privada. Sabem que, ao contrário de outras fontes, a amortização do investimento no longo prazo reduz o preço da energia. Só o Brasil implantou uma regra constitucional que não reconhece a singularidade de hidroelétricas.

Tivemos 40 anos para criar uma “PEC” que alterasse essa determinação para usinas hidroelétricas. Não fizemos porque as sementes da privatização e do mercado estavam plantadas desde a constituição de 1988. Parece que não percebemos.

Evidentemente, a origem não está apenas na constituição e nas leis que se sucederam. Um grande processo que resultou numa fragilização da empresa que pode ser lembrado aqui:

A Eletrobras foi usada para:

• Comprar distribuidoras rejeitadas na privatização da década de 90.

• Vender energia quase gratuita no mercado livre sob queda do consumo no pós racionamento.

• Entrar em parcerias minoritárias para viabilizar quase 17 GW de hidroelétricas. Endividamento.

• Obrigada a reduzir “tarifas” a custo operacional de usinas, método não adotado em nenhum lugar do mundo. Compensação de explosão tarifária e grandes lucros no setor privado. Tarifas desvinculadas de custos da central administrativa.

• Redução de capacidade funcional e técnica a níveis extremamente baixos quando comparada a outras empresas semelhantes.

O resultado foi a fragilização financeira e a venda do controle acionário (privatização) por um valor que chega a 1/10 do valor de mercado da Duke Energy, que tem aproximadamente a mesma capacidade de geração e vende kWh como a Eletrobras.

Na minha opinião, isso não tem nada a ver com esquerda x direita, pois países capitalistas não adotam a receita brasileira. Estamos imersos numa Caverna de Platão.

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