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Esperando Guaidó

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Paulo Moreira
Paulo Moreira
Economista aposentado do BNDES

“Nosso ofício, falo de teatro, não nos deixa provas. A posteridade não nos conhecerá. Quando um ator para o ato teatral, nada fica. A não ser a memória de quem o viu. E mesmo essa memória tem vida curta.”

(Fernanda Montenegro)

Manhã de quinta. Minha expectativa era estar hoje ouvindo o mais recente Missão Desenvolvimento e acrescentando meus dois dedos de prosa no copo do desenvolvimento sustentável, coisa que deixei pendente umas semanas atrás. Mas como eu faço todas as manhãs enquanto mexo o café solúvel no leite frio, vejo o que Pepe Escobar postou no Telegram enquanto eu dormia. Curiosamente, o Telegram exibia a mensagem “carregando…” e nada era atualizado. Descubro depois que em punição ao fato de que o Telegram se recusou a prestar informações sobre as redes de nazistas que planejavam a execução do ataque imaginário de 20 de abril, eu e alguns milhões que usam o Telegram no Brasil nos vimos privados de comunicação/informação. Se você quer entender o lado estúpido das sanções, o lado arbitrário dos sansões (mesmo que carecas), essa decisão é um exemplo claro disso.

Nada melhor para entender o poder dessas sanções do que observar a chegada solitária aos EUA, depois de expulso pela Colômbia, do ex-presidente de um país imaginário chamado Venezuela. Jair acreditava em Guaidó, se bem que podia ser efeito dos remédios. Araújo – bem, este era um homem de profunda fé, citando São João num governo que sonhava com a lei de Talião. Não sei se acreditava em mula sem cabeça ou achava que a coitada cuspia fogo pelas ventas em função de morfina, mas fato é que Guaidó presidia essa nação imaginária. Mas não só ele: acho que havia mais estados na Europa reconhecendo Guaidó do que apoiando a Ucrânia.

Mas voltemos ao paradoxo das sanções e desse abuso no uso de antibióticos que é a Justiça brasileira ficar praticando esculachos desmesurados para cima de plataformas. Por que as comunicações da patota de Curitiba, esses que estão sob uma acusação de extorsão no âmbito da Lava Jato, usava Telegram e não zap como o restante dos mortais de então? Porque na época não havia como a Justiça brasileira exercer esculacho sobre o Telegram como exercia sobre o WhatsApp. Como praticantes de justiça que eram, os filhos de Januário usavam o Telegram, e usavam de forma displicente. Displicente também foi o garoto que vazou numa rede de gamers uma série de papéis secretos da defesa americana. A consequência imediata do uso extremo (e espalhafatoso) de quebras de sigilo é que as entidades realmente mal-intencionadas melhoram seus procedimentos de segurança de comunicação. E essa é uma preocupação que começa a ser manifestada pelos grupos pró-censura nos EUA, não só o policiamento do que é público (como mensagens em Twitter) como as comunicações diretas entre as pessoas.

“Quis custodiet ipsos custodes?” não é um problema abolido pelo mundo digital. E nisso a questão última de quem detém a soberania, a capacidade de interpretar-se à margem dos seus limites, de criar a exceção, se coloca de forma mais nua do que nunca. Seja na forma como o STF age, seja nas medidas de censura impostas sob pretexto de combater “propaganda russa” em lugares como a Europa, seja no que se desvela do regime de controle de informação dentro do Twitter, que não deve ser distante do que opera nas outras redes sociais americanas.

Há um desespero em se voltar à boa e velha fabricação do consenso como descreve Chomsky. Como nas histórias da viagem de Lula, que fez o já tradicional muro da política externa brasileira, que só faltou sair cantando “Imagine” nas coletivas para ser mais claro em sua inocente pregação pela paz. Há um desejo da grande mídia, da mídia alternativa, de criar uma tensão, uma eletricidade, onde nada existe.

Ou pegue-se o caso dos 100 dias. Nada dá para se fazer de relevante de fato nos primeiros cem dias de um governo democrático. Os processos orçamentários estabelecidos, a necessidade de se nomear milhares de pessoas que precisam entender o que acontece e aconteceu nas instâncias burocráticas onde agora estão, tudo isso toma tempo. No primeiro ano de um governo se conclui o PPA estabelecido no primeiro ano do governo anterior, e se constrói o PPA deste mesmo governo. Isso é a lei, mas parece que muita gente faltou nessa aula.

Ou pegue-se o caso do GSI acontecendo nos últimos dias. Seguindo a intepretação do Luis Nassif, de que o GSI é uma versão tropicalizada do ministério de Homeland Security (DHS) americano, o GSI não deveria ser um cabide para mais militares ganharem um DAS. A reestruturação americana após o 11 de setembro relocalizou um monte de burocracias de manejo de riscos/fiscalização sob esse ministério. E em sendo assim, faz sentido que um interventor venha do lugar onde ainda estão muitas das atribuições que um DHS deveria ter: do Ministério da Justiça. Há uma guerra fratricida para acontecer entre diferentes panelas políticas e burocráticas nesse início de governo, e este caso, que envolve os sobreviventes do Partido dos Militares, é só um deles (bem como o caso dos sobreviventes do Partido do Mercado no Bacen). Mas a superposição de atribuições entre os fragmentários novos ministérios que tratam de direitos, o GSI e um Ministério da Justiça que mantém atribuições que deveriam estar noutros (e eventualmente novos) lugares é uma fonte de conflitos a ser monitorada nos próximos anos.

Mas voltando ao Mundo, onde tem estado o presidente Lula nesse início de governo, nesta semana o comércio exterior chinês passou a ser predominantemente não mais em dólar, mas em yuan. Isto tem implicações sérias para um país que é superavitário em seu comércio com a China e tem uma quantidade descomunal de reservas internacionais nesses instrumentos de dívida geopoliticamente fragilizados chamados Euro e Dólar. Isto tem implicações sérias para como coisas como PIB, inflação são medidos. Há uma explosão de inflação de alimentos na Europa (com exceção da Rússia), coisa que não impactaria (em teoria) a core inflation usada em política monetária.

Nesta semana também duas coisas importantes aconteceram no espaço político americano. A primeira, a revelação (depoimento em CPI na câmara) abafada pela imprensa de que a carta de ex-agentes de inteligência insinuando que o caso do laptop do filho do Biden era uma operação de inteligência russa partiu do atual ministro de relações exteriores do governo Biden. Qual seja, o final da campanha aconteceu sob uma fake news produzida pelo governo que veio a ser eleito com o apoio do conjunto da grande imprensa americana. A segunda foi o silenciamento do mais importante (e dissonante) jornalista da TV americana: Tucker Carlson, que foi urucado (botou um cocar na cabeça e tirou foto) por Bolsonaro quando esteve aqui para entrevistá-lo. Ele teve seu programa sumariamente suspenso pela Fox. Ninguém sabe exatamente o porquê, ninguém sabe as condições em que isso ocorre. Mas a guerra em torno das eleições de 2024 nos EUA vai ganhando contornos cada vez mais sombrios.

Vou ter que arrumar um VPN para poder voltar a acessar o Telegram…

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