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Guerra e paz

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José Carlos de Assis
José Carlos de Assis
Economista, doutor em Engenharia de Produção pela UFRJ, professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba e autor de mais de 20 livros sobre economia política.

​Aprendi com o arquiteto e projetista Ernesto Timm, que me convidou para participar de um grande empreendimento econômico no Estado do Rio, denominado LatinRio/Cinturão de Comércio Internacional do BRICS, que o comércio e as atividades a ele ligadas podem se tornar a base material para o fim da guerra na Ucrânia e de todas as guerras. Parece um delírio, mas é o que resta para a Humanidade se salvar dos riscos da autodestruição na época dos grandes arsenais nucleares e de outras armas de destruição em massa.
​Os fundamentos filosóficos de Timm são surpreendentemente simples.

A guerra implica matanças, traumas físicos e psicológicos, e prejuízos materiais incalculáveis para Estados e povos que nela se envolvem – principalmente os perdedores, mas também os vitoriosos, cujas populações sofrem igualmente por causa de suas consequências internas. Já a economia e o comércio produzem ganhos recíprocos, de forma pacífica, ampliando contatos entre os povos e a criação comum de riquezas materiais.

​Tomada em si, a comparação entre guerra e comércio não deixa qualquer dúvida em relação ao que é melhor para os povos e os indivíduos do mundo. Então, por que a guerra tem prevalecido sobre o comércio, historicamente? E a resposta é óbvia: a razão se deve à ambição desmesurada de alguns líderes de povos que, em lugar de produzir e comerciar, preferem usar os instrumentos do poder militar para subjugar outros povos, explorá-los, humilhá-los e sugá-los economicamente.

​A proposta de Timm, materializada no empreendimento que concebeu, é também simples: substituir a guerra pela paz nas relações entre os Estados. Isso parece outro delírio kantiano, mas tornou-se um caminho obrigatório para a sobrevivência da Humanidade na era nuclear. A questão que se coloca é se há nisso algum grau de objetividade e praticidade. E há, diz Timm. Esse grande arquiteto e projetista tem um plano concreto nesse sentido, na forma do LatinRio e do Cinturão de Comércio Internacional do BRICS, mencionados acima.

O plano é criar, a partir do Estado do Rio, provavelmente em Maricá, o referido projeto do Cinturão de Comércio Internacional do BRICS, a ser derivado do LatinRio – Feira Permanente de Produtos, Serviços & Negócios da América Latina, ambos de caráter mundial. A LatinRio está sendo concebida como franquia para uso inicial dentro do bloco BRICS, podendo, posteriormente, replicar-se também fora dele. Nessa condição, a partir do Brasil, e uma vez replicada nos países do BRICS, terá potencial para formatar o mais poderoso conglomerado comercial do mundo em nossa Era.

Como bases materiais para troca de produtos, serviços e negócios, as feiras permanentes nacionais, constituindo os elos do Cinturão de Comércio Internacional, formarão a base objetiva para a criação e intercâmbio de riquezas em nível mundial. Isso coloca em perspectiva o desenvolvimento socioeconômico de todo o planeta, inclusive dos atuais países pobres e de desenvolvimento médio, na medida em que esse intercâmbio envolve também aspectos de desenvolvimento social e cultural.

O único obstáculo para isso é o espírito militarista que está no DNA da OTAN, ali colocado desde o fim da União Soviética. De fato, quando Moscou, no fim da era soviética, através de Mikhail Gorbachev, decidiu eliminar o Pacto de Varsóvia, aliança militar socialista, estava claro que o Ocidente também eliminaria a OTAN, a correspondente aliança militar ocidental. Aconteceu, porém, o oposto. Contrariando os acordos com Gorbachev, a belicista OTAN começou a avançar para o Leste até chegar à fronteira russa.

Se o sonho de Ernesto Timm parece um delírio, teria sido melhor levá-lo a sério no momento em que a Rússia, ameaçada em suas fronteiras pelas forças da OTAN, decidiu reagir e atacar o território ucraniano antes de sofrer ela própria um ataque mediante mobilizações de massa articuladas do exterior e similares às que ocorreram em 2014 na Ucrânia. Estas, ignorando a prevalência ideal da paz sobre a guerra, levaram à derrubada de um governo legítimo que se havia colocado numa posição de equilíbrio entre ocidentais e orientais. Sem a reação russa, em algum momento, a prepotente aliança militar ocidental chegaria a Moscou, desencadeando uma guerra global.

O fato é que o presidente da China, Xi Jinping, advertiu, antes das chamadas “operações especiais” na Ucrânia, que o Ocidente estava subestimando as advertências da Rússia sobre o risco para sua segurança de uma eventual entrada do país na OTAN, como insistia seu presidente inexperiente e vaidoso. Ninguém levou o presidente Putin a sério, inclusive quando seu país começou a acumular grande volume de tropas na fronteira ucraniana, não escondendo sua intenção de reagir às ameaças implícitas de Kiev.

Agora, porém, o que importa, como tem insistido o presidente Lula – mas não só ele, e também Xi Jinping, presidente da China, e até o Papa Francisco, com sua imensa autoridade moral – é acabar com a guerra na Ucrânia, como passo preliminar para eliminar todas as guerras. E a fórmula para isso, a meu juízo, é, sim, levar a sério a proposta de Ernesto Timm para que se construa o Cinturão de Comércio Internacional do BRICS, base material para ideais milenares das sociedades que, eventualmente contra seus próprios governos e seus Estados, preferem a paz à guerra.

Certamente que os acontecimentos contemporâneos se dão em circunstâncias históricas peculiares, que nos colocam frente a frente com a mais profunda mudança de hegemonia entre os países do globo. A hegemonia romana perdurou na era clássica, mas desde sua destruição militar por outras forças ocidentais sucessivas, os países colonizadores e por fim os Estados Unidos assumiram seu lugar. Agora chegou o momento de os Estados Unidos passarem a outros países o bastão da hegemonia no planeta.

Na era nuclear não há hegemonia militar propriamente dita: há risco de autodestruição. Portanto, a hegemonia real será disputada no campo econômico, entre Estados Unidos, que ainda se conservam à frente, e a China, que corre logo atrás. Quem vai ganhar, por fim, será quem melhor usar os instrumentos da economia e do comércio para gerar riquezas para si mesmo e para os povos parceiros com que interagem. Isso dá ao sonho visionário de Timm um caráter histórico sem precedentes.

A materialização de seu delírio, porém, depende de ações humanas que ocorrem no terreno político. A preliminar, não é muito repetir, é acabar com a guerra na Ucrânia, a tecla na qual tem batido o presidente Lula. A guerra na Ucrânia só existe por causa da insistência do presidente-palhaço Zelensky em entrar para a OTAN, e da ação preventiva da Rússia para proteção de sua segurança e soberania. Acabará no momento em que os europeus, deixando de ser cães de guarda da hegemonia norte-americana, deixarem de mandar armas para a guerra por procuração de Kiev.

Assim, o fim da guerra, que parece extremamente distante, pode estar próximo. Tão próximo como a viagem que o presidente Lula fará à França, a convite do presidente Macron, no fim deste mês. Lula poderá dizer a seu colega francês, que já afirmou publicamente que quer ficar numa posição política intermediária entre China e Estados Unidos – aliás, como o Brasil -, que se junte à Alemanha e à Itália, países da OTAN mais atingidos pelas consequências econômicas da guerra, especialmente prejudiciais a suas populações, a pararem de mandar armas para Kiev.

Com isso, Zelensky não terá alternativa a não ser sentar-se à mesa de negociações com os russos e estabelecer com eles um tratado perpétuo pelo qual a Ucrânia desiste de buscar sua adesão à OTAN, e ambos os países se comprometerão a jamais disponibilizarem seu território como espaço para agressão direta ou indireta ao outro. Subsequentemente, todas as restrições econômicas impostas à Rússia pelo Ocidente serão imediatamente suspensas. As demais relações internacionais voltarão ao normal, sendo que, na visão de Timm e na minha própria visão, poderão ser realizadas através do Cinturão de Comércio Internacional do BRICS, e inclusive fora dele.

Há um único obstáculo: o governo atual dos Estados Unidos. Ninguém sabe para onde se inclinará, na campanha, o candidato que vier a suceder Joe Biden. Se for um belicista, poderá se prometer a sustentar sozinho a ajuda militar a Kiev, hoje prestada junto com os outros governos europeus que dispõem de armas modernas. Se for um pacifista, poderá somar-se aos demais parceiros da OTAN e até aceitar a ideia de sua dissolução, em favor de um compromisso global de paz no mundo. Nessa perspectiva, serão realizados os ideais de Lula, de Xi e do Papa Francisco.

Os americanos são tradicionalmente pragmáticos. Hoje, ganham mais com a guerra do que com a paz, já que a guerra ainda governa as relações internacionais no mundo. Numa perspectiva futura, porem, eles poderão inclusive juntar-ao Cinturão de Comércio Internacional do BRICS, caso este ofereça maiores perspectivas de lucro. A própria Ucrânia, uma vez restaurada a paz, seria convidada a participar do bloco pela China e pelo Brasil, sem resistência da Rússia, da Índia e da África do Sul – todos num esforço comum de garantir a estabilidade mundial contra a guerra.

*Economista, mestre e doutor em Engenharia de Produção, professor aposentado de Economia Internacional e de Relações Internacionais da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

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