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Porque o Petróleo tem que ser nosso 

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Gustavo Galvão
Gustavo Galvão
Gustavo Galvão. Economista e Doutor em Economia pela UFRJ. Autor do livro "Finanças Funcionais e a Teoria da Moeda Moderna" (clique aqui para ver ou comprar https://www.amazon.com.br/Finanças-Funcionais-Teoria-Moeda-Moderna-ebook/dp/B08BKTNFDJ) e do livro que será publicado no primeiro trimestre de 2021: "Problemas, Limites e Oportunidades das Finanças Funcionais e da Teoria da Moeda Moderna – MMT: Inflação, Câmbio e Restrição Externa"

Por Gustavo Galvão, Hélio Pires e Rogério Lessa

“O pré-sal é o nosso passaporte para o futuro e entregá-lo é jogar dinheiro fora. O país precisa desse recurso” –  candidata Dilma Rousseff, no 2º turno da eleição para presidente, em 2010.

A Grande Crise

O dia 16 de setembro de 2013 marcou exatos cinco anos da maior crise mundial desde 1929, que teve como estopim a quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, levando praticamente todos os países a amargarem sensível redução de crescimento.

O Brasil, se crescer 2,5% em 2013, como espera o governo (previsões do mercado indicam 2%), terá apresentado neste período a mesma média de 2,7% a.a. verificada nos últimos 30 anos.

 Nesse contexto, contrasta o desempenho da China, que a exemplo de Japão e Coreia do Sul, adotou políticas soberanas próprias, protegeu sua indústria, manteve rígidas regras para aceitação do capital externo, contrariando as recomendações ultraliberais conhecidas como o “Consenso de Washington”, segundo a qual os países deveriam ter mercado aberto e Estado mínimo – cortando gastos e políticas públicas – para receber os capitais dos investidores mundiais e, supostamente, acelerar o crescimento.

No entanto, enquanto os chineses só recentemente desaceleraram seu ritmo dos tradicionais 10% para cerca de 7% a.a., Japão e Coreia, respectivamente a partir de 1985 (“Acordo do Hotel Plaza”, em New York) e 1997, se encantaram com os “ares liberais” e deixaram valorizar suas moedas, pagando alto preço por isso.

Já o Brasil, que entre 2004 e 2008 se beneficiara do “boom” dos preços das matérias primas e alimentos, denominadas de “commodities”, não aproveitou o período de superávit em transações correntes para mudar as regras do jogo e praticar políticas fiscais e cambiais soberanas. Agora que os preços caíram e voltou a dependência de capitais externos para fechar o balanço de pagamentos, seguimos amargando desindustrialização e maus resultados em nosso comércio exterior.

Campeão abatido pela falta do Petróleo

Este desequilíbrio externo brasileiro não começou com a última crise. Nosso país, de 1932 até 1982, crescia à velocidade média de 7% a.a. À época, só o Japão “voava” próximo. Entretanto, com a subida do preço do petróleo em 1973 – e nós não tínhamos o “ouro negro” – recorremos mais fortemente ao endividamento externo para o financiamento da compra desse recurso estratégico.

A subida dos juros internacionais, em 1979, e a quebra do México, em 1982, nos obrigaram a recorrer ao FMI, cuja recomendação era cortar gastos públicos, reduzir salários e, o pior, aumentar os juros internos. Resultado: o Brasil, entre 1932 e 1982, cresceu 30 vezes (mais precisamente 29,5 vezes) a sua produção de bens e serviços. Para crescer 30 vezes a sua produção atual ao ritmo de 2,7% a.a. precisaríamos de 1,5 século (exatos 146 anos).

Significa que se tivesse petróleo e não fosse obrigado a se curvar aos ditames do FMI, o país manteria o crescimento de 7% a.a. e seu PIB de 2012 alcançaria cerca de US$ 7 trilhões, em vez dos atuais US$ 2,3 trilhões. Seria menor do que o da China, de US$ 8,2 trilhões, porém maior do que o do Japão, de US$ 6 trilhões.

Além disso, a trajetória dos altos juros internos nos transformou num país controverso: paraíso dos grandes aplicadores financeiros nacionais e estrangeiros, e campeão de desigualdade social.

Assim, enquanto a China se torna a “fábrica do mundo”, produzindo para grandes marcas, mas também investindo em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), o Brasil retrocede, correndo o risco de se especializar na produção de “commodities” e se tornar apenas a “fazenda do mundo”.

Para virar o jogo

Diante das agruras da Grande Crise é que nós brasileiros temos que seguir o exemplo dos países vencedores, ou seja, formular um Plano Estratégico de Desenvolvimento autônomo e soberano.

Isto significa determinar, ao longo de um determinado tempo, o resgate do passivo social. Significa dimensionar, levantar e atacar as carências de nosso desenvolvimento. O simples trabalho na construção de suas próprias necessidades físicas e estruturais garante ao trabalhador menos qualificado emprego e renda, com reflexo direto no desenvolvimento municipal e regional.

Um segundo nível desse resgate social resultará no fortalecimento dos setores industrial e comercial, aproveitando o enorme território e recursos naturais, sobretudo energéticos sustentáveis, em detrimento do modelo agrário-exportador. Além disso, é necessário prover toda a logística dos diversos modais de transporte, que provocaria um ciclo de desenvolvimento virtuoso, alavancando a integração comercial e social com nossos vizinhos na América Latina, nosso principal mercado para produtos de maior valor agregado.

Sem essa estratégia, estaremos fadados, na nova divisão internacional do trabalho, a sermos meros fornecedores de “commodities” e insumos de baixo valor agregado, além de continuarmos a ser um bom local para apostas especulativas de curto prazo e de baixo risco.

Déficit externo, o “Calcanhar de Aquiles”

Ao enunciarmos um Plano Estratégico de Desenvolvimento, temos que deixar claro que o déficit em transações correntes é o verdadeiro “Calcanhar de Aquiles”. Um país, principalmente em desenvolvimento, não quebra por dívida ou por ter suas contas deficitárias internas em moeda nacional. Mas fica indefeso quando se torna devedor no exterior sem reservas internacionais e sem financiador externo. Um país só adquire moeda externa de forma sustentável no médio prazo se tiver saldo positivo ou equilíbrio entre suas exportações e importações de mercadorias e serviços.

O resultado líquido disso é o Saldo da Conta de Transações Correntes.O Risco Soberano de um país é fundamentalmente expresso pelo saldo dessa conta. Novamente nos encontramos em alerta de Risco Soberano. Desde 2009, os déficits em Conta de Transações Correntes foram: US$24 bilhões, ou 1,5% do PIB (2009); US$ 47 bilhões, ou 2,2% do PIB (2010); US$52 bilhões, ou 2,1% do PIB (2011); e US$ 54 bilhões, ou 2,4% do PIB (2012). A previsão para 2013, conforme dados do Boletim Focus do BC, de 06-09-2013, é de um déficit de US$ 78 bilhões. Para 2014, US$ 79 bilhões.

No entanto, é natural que surjam algumas perguntas clássicas a respeito das nossas condições internas:

1 – De onde virão os recursos?

Recursos para o desenvolvimento interno o Brasil tem de sobra: terra abundante; trabalho (bônus demográfico); máquinas e tecnologia disponível (capital físico e humano); além de água abundante (recurso raro mundialmente, mantenedor de vida e produtor de hidroeletricidade) e exposição solar ótima (produção de recursos agrícolas, biomassa, biodiversidade).

E se alguém pensou no real como meio de pagamento, esclarecemos que diante de todas as riquezas enumeradas, o dinheiro, ou melhor, moeda e crédito, são apenas a representação convencional e oficial (Moeda Cartal – impresso na Casa da Moeda) das riquezas.

Então, o dinheiro é questão de gestão econômica responsável, fornecido pelas autoridades governamentais (monetárias e fiscais) de acordo com a necessidade da economia (ver seriebndes\circulo\circulo2.htm, tese antecipada por nós, antes de 16 de setembro e coincidentemente utilizada pelo governo Lula, em janeiro de 2009, nos primeiros momentos da crise).

Enquanto presidente do BNDES (2003 a 2005), o grande brasileiro Carlos Lessa mostrou que quando há atitude e ação os recursos aparecem. Mesmo com orçamento limitado, Lessa abriu linhas de crédito para financiamento à Petrobras, reduzindo seu custo de financiamento. Sua ação obrigou bancos privados a reduzirem os juros cobrados à estatal petroleira.

Ainda como presidente do BNDES, ele comprou um lote de ações da Vale do Rio Doce que recuperou o controle acionário para o Estado Brasileiro. Como “reconhecimento” por suas atitudes, Lessa perdeu seu cargo.

2 – Teremos que aumentar impostos?

A carga tributária, em torno de 35% do PIB, está até exagerada para o baixo crescimento da economia. Trinta anos de baixo giro econômico não gera impostos, obrigando as autoridades a aumentarem as taxas e até inventarem novos impostos. Se o PIB tivesse crescido à taxa potencial dos 50 anos de desenvolvimento industrial e alcançado patamares acima do nível atual e próximo aos US$ 7 trilhões, seguramente a carga tributária seria menor em termos percentuais e maior em valores absolutos.

3 – A dívida interna elevada não limita o investimento público?

A dívida interna brasileira tinha inicialmente a função de reduzir o crescimento econômico e produzir excedentes para a exportação. De fato, em 1983, os juros foram aumentados de forma que os capitais de giro dos negócios tivessem uma alternativa de aplicação. Já os trabalhadores amargaram o desemprego.

Mas este foi apenas o início. A partir daí o endividamento do governo passou a ser uma ótima alternativa de aplicação restringindo o giro da atividade econômica. Nos atuais patamares em relação ao PIB, a dívida não apresenta restrições. Ela pode ser reduzida naturalmente, nos

vencimentos e sendo administrada com juros menores, para desgosto dos agentes financeiros.

4 – Reduzir os juros não provoca inflação?

Os 30 anos de crescimento abaixo do potencial criaram naturalmente uma capacidade produtiva restrita que força os preços subirem, então existe sim uma inflação reprimida por conta da baixa capacidade produtiva. Por outro lado, o baixo crescimento formou uma casta produtiva concentrada e uma parte relevante dela por empresas multinacionais que têm poder para ditar preços. Portanto só o atendimento da demanda reprimida pelo aumento da oferta poderá fazer que os preços se acomodem no médio prazo.

5 – Uma subida do dólar não poderá provocar inflação?

Sim, a política de juros elevados, por tanto tempo, e nenhum controle de entrada de capitais de curto prazo, valorizaram artificialmente nossa moeda de forma a provocar o atendimento da demanda por produção externa. Isso provocou um processo de desindustrialização que acaba desestimulando nossas exportações. Portanto, existe uma inflação reprimida que será liberada quando o câmbio se corrigir, mas infelizmente é uma das correções a serem feitas por conta da artificialidade dos juros mantidos acima do razoável.

Dilma, cancele o leilão de Libra!

O petróleo continua a ser o primeiro produto em importância estratégica, e tão fundamental que sem ele não se movem os próprios exércitos que lutam pela sua conquista.

Se o choque do petróleo, em 1973, estourou a Conta de Transações Correntes do Brasil e tivemos que recorrer a um endividamento externo que explodiria em 1982, a partir de 2007 passamos a contar com o pré-sal, um megacampo a 7 mil metros de profundidade que pode variar de 30 bilhões, 100 bilhões a até 300 bilhões de barris de petróleo.

Já em 1974 a Petrobras começou a descobrir petróleo, no poço de Namorado, na plataforma marítima, em Campos, e começa a exploração em mar aberto. Em fins de 1984, a estatal brasileira do petróleo anunciava a produção de 500 mil barris, antecipando em um ano aquela meta. A partir de 1985, a Petrobras continua suas descobertas em lâminas d’água cada vez mais profundas até que, em 2006, atingimos a autossuficiência.

Hoje, com o pré-sal, é evidente que despertamos a cobiça do mundo. Além do combustível, o petróleo ainda é o insumo mais viável para mais de 3 mil produtos, em várias áreas de consumo. Somado aos 14 bilhões de barris que o Brasil possui em reservas, o pré-sal já tem garantidos outros 60 bilhões de barris, que – segundo Fernando Siqueira, vice-presidente da Associação dos Engenheiros da Petrobras – AEPET, um brasileiro incansável pela luta de nosso petróleo para os brasileiros –, nos garantem autossuficiência para mais de 50 anos.

Já Ildo Sauer, outro nacionalista ilustre, ex-diretor da Petrobras, defende investimentos para auferir com exatidão o montante das reservas do pré-sal, que podem ser muito maiores que as já descobertas. No entanto, mesmo trabalhando com os números já confirmados, o déficit em conta corrente pode ser financiado por pelo menos duas décadas, garantindo um crescimento sustentado, em ritmo acelerado, que pode chegar até próximo aos padrões chineses, em torno de 7% a.a.

Considerando, por hipótese, que haverá déficits em todos os 20 anos do período, que o preço do barril permaneça fixo, em US$ 100, e partindo do déficit em transações correntes de US$ 80 bilhões, projetados para 2014, o déficit de Transações Correntes crescendo a 10% a. a. atingirá, em média, US$ 229 bilhões/ ano ou um “déficit” acumulado de US$ 4,6 trilhões no período de 20 anos – esse valor exagerado inclui todos os bens importados ainda necessários ao nosso desenvolvimento.

Já a reserva líquida (após retirada a necessidade de consumo interno, crescendo a 10% a.a.), em petróleo cru – sem nenhum beneficiamento –, distribuída pelos 20 anos, resulta na média de US$ 235 bilhões. Por tudo isso, temos razões de sobra para concluir que o pré-sal da Petrobras pode blindar a Conta de Transações Correntes e financiar um Plano Estratégico de Desenvolvimento.

Significa, ainda, seguindo os preceitos das Finanças Funcionais, reduzir nossa taxa de juros totalmente desnecessária, que provoca uma disfuncional apreciação do real.

Deveríamos, também, impor controles aos capitais de curto prazo.  A aceitação do investimento estrangeiro poderia ficar restrita apenas aos que trouxessem efetivamente inovação de última geração e, mesmo assim, com total repasse da tecnologia – como exige a China e exigiriam, na consolidação dos seus desenvolvimentos, o Japão e a Coreia do Sul.

A má notícia

Todo o potencial projetado se desfaz quando se tira o Poço de Libra que é, por direito natural, da Petrobras, que o achou, e também por direito comercial, já que o pagou como cessão onerosa em seu último aumento de capital. Não é possível aceitar que um único poço, que com sua capacidade de 15 bilhões de barris dobra o nível das reservas brasileiras para 29 bilhões de barris, seja colocado em leilão.

Imaginem o que aconteceria se todo o pré-sal fosse descoberto por uma multinacional do setor e que o governo brasileiro, por direito constitucional, desapropriasse, em nome da nação brasileira, e indenizasse a multinacional em reais.

Entendemos que qualquer invento inovador tem pelo menos 20 anos de direito internacional de patente para a empresa que o desenvolveu. Então, acreditamos, até por analogia, que todo o petróleo do pré-sal tem que ser explorado, por mérito, pela Petrobras.

Aceitaríamos, no limite, a contratação de serviços pela Petrobras de empresas nacionais e ou internacionais, de acordo com a necessidade, para ajudar no processo, como ocorre hoje.

Iniciativas para suspender o leilão já existem. Os senadores Pedro Simon (PMDB-RS), Randolfe Rodrigues (PSOL-AP) e Roberto Requião (PMDB-PR) apresentaram Projeto de Decreto Legislativo para sustar o edital do leilão do Campo de Libra, sob justificativa de que a Petrobras teria sido alvo de espionagem do governo norte-americano e em supostas irregularidades no leilão, marcado para o dia 21 de outubro.

Já o ex-diretor de Exploração e Produção da Petrobras, Guilherme Estrella, sugere devolver Libra à Petrobras para exploração, preservando o interesse nacional, conforme determina o art. 12 da Lei 12351/2010.

Aproveitamos a oportunidade para saudar os 60 anos da nossa Petrobras, comemorados no dia 3 de outubro. Desejamos bastante sucesso à empresa em suas empreitadas!

 

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