esmo com o retorno das políticas industrias nos Estados Unidos e Europa, visando tanto trazer de volta para seus territórios atividades industriais que no auge da globalização migraram para países em desenvolvimento em busca de menores custos de mão-de-obra, sobretudo para a China, quanto estimular o desenvolvimento de indústrias de ponta ligadas à chamada Quarta Revolução Industrial, como a de semicondutores e de carros elétricos, ou o desenvolvimento de novas fontes de energia, como o hidrogênio verde e baterias elétricas, há quem, no Brasil, continue a torcer o nariz para os esforços de reindustrialização que vêm sendo feitos pelo governo Lula. Continuam aferrados à ideia de que o governo sempre faz más escolhas e que o melhor é deixar que o mercado decida por si mesmo o que, quanto e para quem produzir.
Como em qualquer atividade humana, seja no setor público ou no setor privado, podem ocorrer erros quando se aposta em políticas industriais, mas o custo de nada fazer será com certeza muito maior. Graças às tão criticadas políticas industriais do passado, o Brasil tornou-se o único país da América do Sul a desenvolver uma estrutura industrial completa; chegamos a ser o 12° produtor mundial de bens de capital enquanto nossos vizinhos da América Sul nunca conseguiram sair da condição de produtores de commodities agrícolas e minerais. Com o processo de abertura mal planejado no início da década de 1990, sob a onda neoliberal que invadiu o continente, centenas de milhares de empresas industriais fecharam as portas em todo o país, processo esse agravado pela ascensão da China como a fábrica do mundo no mesmo período.
Hoje nos vemos regredindo à condição de produtores e exportadores de commodities agrícolas e minerais, condição que marcou nosso desenvolvimento até meados do século passado. A participação da indústria no PIB vem caindo a cada ano. Em 30 anos, a presença da indústria de transformação no PIB caiu pela metade: de 21,6% do PIB, em 1985, para 11,8%, em 2015. O Brasil alcançou, em 1985, o 8° lugar no ranking das economias industriais do planeta e desde então só vem perdendo posições. Observa-se, ainda, um processo de “reprimarização” dentro da própria indústria, com a queda da participação das atividades industriais de maior conteúdo tecnológico e mais intensivas em conhecimento. O resultado é uma economia que perde complexidade e disposição para inovar.
A indústria como um todo, aí incluída a indústria extrativa, contribui, atualmente, com 23,9% do PIB, mas responde por 69,3% das exportações brasileiras de bens e serviços, 66,4% do investimento privado em P&D, 34,4% da arrecadação dos tributos federais e 27,2% da arrecadação previdenciária, como se constata no quadro abaixo do Portal da Indústria. Além disso, em todos os países do Ocidente, a indústria foi a base de formação da classe média e da própria democracia. Não por acaso temos um presidente que foi operário metalúrgico.
Fonte: https://www.portaldaindustria.com.br
Em um momento em que as políticas industriais estão retornando com força nos países desenvolvidos, são mais do que bem-vindas as medidas anunciadas pelo governo Lula de apoio à reindustrialização. Conforme notou artigo publicado no jornal Estado de S. Paulo (16/6), “Nos EUA, por exemplo, foi aprovado em 2022 o Chips and Science Act, que disponibilizará até US$ 280 bilhões para o estímulo à pesquisa e ao desenvolvimento e à atração de fabricantes de semicondutores para a construção de fábricas nos EUA. A União Europeia, por sua vez, aprovou o European Chips Act, no valor de até US$ 43 bilhões, visando a dobrar o market share da região em semicondutores, de 10% para 20%, até 2030. Nestes e em outros casos, vê-se a mobilização de recursos públicos com o objetivo de incentivar a relocalização de plantas industriais nos territórios locais, próximos ou em movimentos motivados por questões geopolíticas”.
No mesmo artigo, os autores destacam algumas medidas recentes do governo Lula visando apoiar os esforços de modernização da indústria brasileira:
• a reativação do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), ligado à Presidência da República e presidido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic), composto por 20 ministérios, além do BNDES e de 21 conselheiros da sociedade civil;
• o anúncio pelo BNDES de duas medidas importantes: abertura de linha de crédito com taxa fixa em dólar para a indústria, com R$ 2 bilhões destinados à aquisição de máquinas e equipamentos de fabricação nacional, e para a indústria de transformação, em projetos de investimento ou capital de giro; além da redução de até 60% nos spreads para exportação na linha Exim Pré-embarque, voltada para o financiamento da produção de bens nacionais com compromisso de exportação.
• a aprovação da Medida Provisória n.º 1.147/2022, que autorizou a concessão de financiamentos em Taxa Referencial (TR) para inovação e digitalização.
Obviamente há muito ainda para ser feito e, a bem da verdade, não depende apenas do governo. Infelizmente, vimos, no passado não tão remoto, muitas empresas se acomodarem à sombra da proteção dada pelo governo por maio de medidas de proteção como a política de similar nacional e o extinto Anexo C da CACEX, que proibia a importação de produtos que tivessem similar nacional, para oferecerem produtos caros e de baixa qualidade para o consumidor nacional. A famosa frase do então presidente Collor de que os carros nacionais eram carroças exprimia bem o que se passava naquele momento não apenas na indústria automobilista nacional, mas nos demais setores acomodados pela excessiva proteção. Levantamento feito pelo Ministério da Fazenda, em 2001, mostrava que a taxa de proteção efetiva para a produção local de aparelhos celulares era de 208.9%, para televisores era de 144,8% e CPU de computadores pessoais de 119,7%.
De lá para cá, entretanto, muita coisa mudou. A própria abertura comercial do início da década de 1990 depurou a indústria brasileira das empresas menos competitivas e as que hoje sobrevivem enfrentam desafios que nossos concorrentes asiáticos não enfrentam, como um sistema tributário caótico, elevado custo de capital, preço de energia elevado, infraestrutura de transporte precária e distância em relação aos grandes centros consumidores no hemisfério norte e na Ásia. Há exemplos exitosos de políticas industriais, que souberam combinar algum grau moderado de proteção e apoio à indústria local com exigências de inovação e aumento de produtividade de modo a obrigar o empresário a devolver à sociedade os benefícios recebidos na forma de produtos melhores e mais baratos e não apenas usar a proteção para engordar seus lucros. Os chamados “Tigres Asiáticos” e mais recentemente a China são exemplos exitosos de como combinar proteção e competição.
Há, obviamente, muitas questões que entravam qualquer plano de reindustrialização do País, entre elas o elevado custo da energia e o custo de capital. Como destacou matéria do jornal Valor Econômico (09/6), “A precificação da energia, do modo como é feita, está afetando sobremaneira o custo Brasil e pode prejudicar o plano de reindustrialização do País, chamado internamente no governo de “Neoindustrialização”. Conforme destaca a mencionada matéria, “A tarifa de energia elétrica para clientes industriais, segundo levantamento da GO Associados, é cinco vezes maior que na Noruega, por exemplo, país da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) que mais se assemelha ao Brasil em relação ao caráter renovável da sua matriz energética, que ao menos na teoria tende a deixar a conta mais baixa”.
Quanto ao custo do capital, não há nenhuma indústria no mundo que paga o custo de capital que a indústria brasileira paga. A insistência do Banco Central de manter a taxa de juros em 13,75% ao ano está sufocando não apenas o consumo, como também o investimento. Como destaca matéria publica no site UOL (30/5) ao tratar do assunto, “Nenhuma indústria do mundo paga o custo de capital que o Brasil paga. E nós temos aqui no Brasil um setor financeiro muito pouco regulado. Por isso que a gente vê hoje, por exemplo, cartão de crédito a 430% de juros. O que acontece é que essa taxa de juros da Selic no Brasil, elevada do jeito que está, acaba inibindo investimentos e dificultando o crescimento das empresas por meio de alavancagem. O Banco Central, com essa política, está contratando um PIB baixo em 2023 e 2024. Quem sabe a gente consiga salvar 2025….”.
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