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A erosão do dólar e a moeda dos BRICS

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José Carlos de Assis
José Carlos de Assis
Economista, doutor em Engenharia de Produção pela UFRJ, professor de Economia Internacional na Universidade Estadual da Paraíba e autor de mais de 20 livros sobre economia política.

​Dizia Marx que o novo não se afirma na História sem que não esteja pronto para se impor sozinho, e o velho não esteja ao ponto de cair por si mesmo. Isso se aplica totalmente à questão da substituição do dólar nas relações econômicas mundiais pela moeda do BRICS. Nem esta última conseguiria, a curto prazo, cumprir todas as funções de uma moeda internacional, nem o dólar pode ser dispensado, por enquanto, de todas elas, sem um longo período de transição.

Entretanto, esse processo de transição iniciou-se inexoravelmente. Mesmo que seu desfecho ainda possa estar longe, o Novo Banco de Desenvolvimento do BRICS já pode cumprir funções financeiras antes exclusivas das instituições de Washington que manipulam o dólar, como FMI e Banco Mundial. O caminho para isso é o crédito internacional em condições menos abusivas do que as condicionalidades tradicionais impostas aos países pobres pelos Estados Unidos desde a Segunda Guerra.

Uma moeda BRICS facilitaria a transição, mas não é indispensável. O NBD, apoiado por economias nacionais com forte capacidade de gerar superávits comerciais em dólar, tem a seu dispor suficientes fundos nessa moeda para garantir empréstimos a sua clientela em condições melhores que as do FMI e do Banco Mundial. Isso é mais importante e menos trabalhoso do que criar uma nova moeda. Mesmo que, não funcionando como um Banco Central, não emita moeda diretamente.

Durante o processo de transição, o dólar perderá suas funções gradualmente. A primeira delas, a meu ver, é a de reserva de valor. A moeda emitida, ilimitadamente, sem contrapartida de produção, pelo governo norte-americano, já não é confiável para ser guardada. A inflação vai erodi-la aos poucos. No momento, se eu tivesse muito dinheiro, procuraria a proteção do Yuan. A China, com força econômica medida por sua produção e pelo superávit comercial, tem a moeda mais confiável do mundo.​

O euro ocupou depois de sua criação um papel de reserva de valor junto com o dólar. Acontece que a Europa perdeu competitividade e tem uma economia em crise, afetada pela inflação e agravada pela guerra na Ucrânia. Tornou-se dependente dos EUA na questão fundamental da energia. No plano geopolítico, não passa de uma força auxiliar do poder hegemônico norte-americano dentro da estrutura da OTAN. Com isso, o euro tornou-se uma moeda ainda menos confiável que o dólar.

​As demais economias ocidentais não têm moedas que possam assumir, em larga escala, a função de reserva de valor. Em sua zona, o euro permanecerá, internamente, com a função de medida de preços, com limitada função no comércio mundial e na denominação dos contratos, enquanto o dólar manterá a posição hegemônica até que a perda da função de reserva de valor imponha uma moeda alternativa com as três funções fundamentais, simultaneamente, nas três áreas.

A emergência de uma moeda hegemônica no lugar do dólar não será um processo rápido. Em artigo anterior, a propósito da moeda do BRICS, lembrei que a transição da libra para o dólar como moeda hegemônica custou duas guerras mundiais, a virtual destruição da Europa e a emergência dos EUA como a principal economia do mundo. Se a moeda do BRICS vier a ser uma versão ampliada do Yuan, terá de ser antecedida por um processo demorado de mudança de hegemonia.

O dólar está enfraquecido por causa de sua emissão sem limites pelos EUA, mas esse país ainda constitui a principal economia do planeta. Portanto, sua moeda não vai cair por si só, tendo em vista seu potencial econômico, tecnológico e militar ainda considerável. Além disso, é preciso que outra moeda se levante como uma alternativa viável, equipada com todas as funções monetárias. Não se sabe se a China quer fazer do Yuan uma moeda internacional, no âmbito dos BRICS, com todas essas funções.

​A única coisa que se pode especular com segurança é que um dia a transição acontecerá. Mesmo porque a perda da hegemonia política e econômica norte-americana já pode ser visualizada, diante da emergência da China como principal liderança dos BRICS. Nesse novo contexto, o Yuan, como núcleo de uma moeda de reserva de valor, de transações internacionais e de denominação de contratos, se afirmará como uma imposição da realidade mundial por si mesmo.​

Contudo, os especialistas que estão debatendo alternativas em Johanesburgo não têm como objetivo criar imediatamente uma moeda plena. Basta, para começar, uma moeda comercial. Isso é completamente viável, desde já. Com a vantagem de atender aos interesses dos integrantes atuais e futuros do BRICS, sem despertar a fúria dos EUA e de seus aliados ocidentais, tendo em vista os interesses cruzados com o bloco e o risco do recurso ao arsenal de medidas coercitivas para intimidá-lo.

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