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Sanções contra a China são um tiro no pé do Ocidente

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Desde que a crise financeira de 2008 avariou seriamente a economia dos Estados Unidos, a China vinha sendo o principal motor a sustentar o crescimento da economia global. Seria ilusão, portanto, imaginar que as sanções econômicas impostas pelos Estados Unidos  à China desde que Trump desencadeou a guerra comercial, em 2018, não fossem afetar as perspectivas de crescimento da economia global e causar problemas para os próprios países responsáveis por essas sanções, particularmente os próprios Estados Unidos. Primeiro porque na medida em que a China cresce menos investe menos no exterior e importa menos de todo o mundo. Segundo porque diante das restrições que vêm sendo impostas à China é natural que ela reaja à altura com as armas que tem à mão. Vejamos.

Segundo o Wall Street Journal (24/7), “O investimento chinês está recuando do Ocidente à medida que a hostilidade ao capital chinês aumenta. Cada vez mais, as empresas chinesas estão gastando dinheiro em fábricas no Sudeste Asiático e em projetos de mineração e energia na Ásia, Oriente Médio e América do Sul. O maior receptor de investimentos chineses este ano é a Indonésia, rica em níquel, de acordo com uma estimativa preliminar de investimentos chineses compilada pelo American Enterprise Institute, um think tank conservador”. Ainda segundo o jornal, “A mudança nos fluxos de investimento mostra como a China está respondendo à deterioração das relações com o Ocidente liderado pelos EUA e está fortalecendo os laços comerciais e de investimento com outras partes do mundo, de maneiras que podem criar novas linhas de falha na economia global”.

O investimento direto externo da China caiu 18% em relação ao ano passado e 25% em relação ao seu pico em 2016 e, como observado acima, está mudando de direção. O Brasil em particular tem se beneficiado dessa mudança de estratégia chinesa como atestam os recentes anúncios de investimentos de empresas chinesas no Brasil. Como destaca matéria do jornal “O Estado de S. Paulo” (23/7), gigantes chinesas de setores como eletroeletrônicos, eletrodomésticos e automotivos estão apostando no Brasil como um novo endereço para expandir seus negócios. De acordo com o jornal, “No setor de eletrônicos, nomes como Gree, Midea, Hisense e TCL, preparam uma ofensiva no mercado brasileiro, avaliado como de grande potencial de consumo para itens das linhas branca e marrom (…) Conforme divulgado pela companhia, a Midea Carrier está investindo R$ 600 milhões para erguer uma fábrica de refrigeradores de duas portas em Pouso Alegre, no sul de Minas Gerais. A nova planta, de 73 mil metros quadrados, começa a funcionar no final de 2024 e terá capacidade para produzir 1,3 milhão de aparelhos por ano.

No mercado automotivo, as empresas chinesas do setor também estão ampliando investimentos no País, de olho no segmento de veículos elétricos e híbridos, ocupando um espaço que está em compasso de espera nos planos da maioria das fabricantes tradicionais. Em menos de dois anos, três montadoras — GWM, BYD e Higer Bus —, anunciaram aportes que somam mais de R$ 20 bilhões em produção local, enquanto um quarto grupo, o XCMG, avalia iniciar operações nos próximos dois anos”.

Ao mesmo tempo que redefine sua estratégia de investimento direto no exterior, priorizando países em desenvolvimento e o domínio global em setores como energia renovável e veículos elétricos, a China reage às sanções impostas pelos Estados Unidos e seus aliados adotando medidas com potencial de criar sérios problemas para suas indústrias em setores de tecnologia de ponta.

De acordo com Yu Yongding, ex-presidente da Sociedade Chinesa de Economia Mundial e diretor do Instituto de Economia e Política Mundial da Academia Chinesa de Ciências Sociais, “Nos últimos anos, os Estados Unidos expandiram o escopo das sanções contra empresas chinesas, como colocando 603 chineses em sua chamada Lista de Entidades, incluindo-os na lista negra por motivos de segurança nacional. Os fornecedores dessas entidades não podem mais vender tecnologia dos EUA sem uma licença difícil de obter”. Ainda segundo Yu, “Mesmo que a situação geopolítica se deteriore ainda mais, a China não pode se desvencilhar totalmente das cadeias de abastecimento globais – pelo menos não sem pagar um alto preço. Mas o mesmo vale para o Ocidente, que pode ser tentado pela ideia de expulsar a China. Assim como a indústria chinesa sofreria enormemente com o isolamento da economia, o mesmo aconteceria com as empresas ocidentais.

O Instituto de Economia e Política Mundial, um think tank chinês, relata que a China está classificada entre os três maiores exportadores do mundo (em volume) em 2.400 das 4.000 categorias de bens intermediários comercializados globalmente entre 2017 e 2020. A China também ficou pelo menos em terceiro lugar em 800 de 1.001 categorias de bens intermediários com alto grau de centralidade para produtos acabados. De acordo com um relatório de 2020 da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, aproximadamente 20% do comércio global de bens intermediários para manufatura veio da China. Se as exportações de bens intermediários da China caíssem dois pontos percentuais, as exportações globais totais diminuiriam em aproximadamente US$ 50 bilhões, com a Europa, Estados Unidos, Japão, Coreia do Sul e Taiwan (China) sendo os mais afetados.

É óbvio que o governo Biden ainda está empenhado em dificultar o desenvolvimento econômico e tecnológico da China, mesmo à custa dos interesses econômicos e comerciais dos EUA. O resultado será uma vitória de Pirro para os EUA, na melhor das hipóteses. Embora os EUA possam desacelerar o progresso técnico da China, é tarde demais para detê-lo. Na verdade, a China estabeleceu uma economia moderna muito abrangente e adaptável, com um formidável setor manufatureiro. De acordo com a classificação industrial da ONU, a China é o único país com todos os produtos manufaturados em todos os níveis de seções, subseções, grupos, subgrupos, classes e subclasses da indústria. Dada a capacidade de fabricação da China, escala de mercado e recursos humanos abundantes, nenhuma sanção impedirá a China de fabricar seus próprios produtos de alta tecnologia, como chips”.

A revista inglesa The Economist (23/7), ao analisar a reação da China às sanções impostas pelos Estados Unidos, destaca que “As novas leis da China que permitem ao governo restringir uma ampla gama de minerais e componentes, enquanto isso, estão injetando incerteza semelhante nos negócios de seus compradores estrangeiros. Um grupo afetado, observa David Oxely, da Capital Economics, uma empresa de pesquisa, são os fabricantes ocidentais de tecnologias de energia verde. Os fabricantes de baterias, em particular, são altamente dependentes da China em toda a cadeia de suprimentos. No ano passado, o Ministério do Comércio propôs a proibição das exportações de tecnologia de fundição de lingotes usada na fabricação de pastilhas de painéis solares. Se imposta, tal proibição poderia atrasar o desenvolvimento da tecnologia de energia solar local no Ocidente, o que prejudicaria os fabricantes ocidentais e aumentaria a demanda estrangeira por painéis solares chineses acabados. As restrições aos dois metais de chip, gálio e germânio, podem representar uma dor de cabeça estratégica para os Estados Unidos. As regras, que entram em vigor em 1º de agosto, exigem que os exportadores solicitem licenças para vender os metais a clientes estrangeiros. A China produz 98% do gálio bruto do mundo, um ingrediente-chave na tecnologia militar avançada. Isso inclui os sistemas de radar e defesa antimísseis de última geração dos Estados Unidos. Um choque no fornecimento de gálio pode causar problemas de longo prazo para a indústria de defesa americana, avalia o CSIS, um think-tank em Washington. Além disso, um composto à base de gálio, nitreto de gálio, pode sustentar uma nova geração de semicondutores de alto desempenho. Mantê-lo fora do alcance de estrangeiros impediria os esforços ocidentais de desenvolver a tecnologia, ao mesmo tempo em que promoveria a meta política de Xi de que a China a controlasse”.

Um dos temas mais destacados no noticiário econômico internacional no mês do julho foram as dificuldades que a China vem enfrentando, em 2023, para fazer sua economia voltar a crescer. Depois de um primeiro trimestre com números positivos que davam a impressão de que a economia chinesa decolaria em 2023 depois passar pelo mais severo lockdown adotado por qualquer país durante a pandemia da Covid-19, os números do segundo trimestre apontaram uma certa perda de dinamismo, o que levou a uma enxurrada de matérias destacando as dificuldades que a economia do país está enfrentando, bem como as medidas que estão sendo adotadas para retomar o crescimento.

A revista inglesa “The Economist” (17/7), ao comentar os números do crescimento econômico da China naquela data afirmou que “Eles mostraram que a economia cresceu 6,3% no segundo trimestre em comparação com o ano anterior. Isso parece impressionante. Mas foi mais lento do que o esperado. E o número foi inflado por uma base baixa em 2022, quando Xangai e outras cidades foram fechadas. A economia cresceu apenas 0,8% no segundo trimestre em relação aos primeiros três meses do ano, uma taxa anualizada de apenas 3,2%”. Ainda segundo a revista, “Os obstáculos ao crescimento eram externos e internos. O valor em dólares das exportações da China, por exemplo, encolheu mais de 12% em junho, em comparação com o ano anterior – a queda mais acentuada desde o auge da pandemia em fevereiro de 2020. “A recuperação da economia mundial tem sido lenta”, disse Fu Linghui do Departamento Nacional de Estatísticas, a título de explicação. Enquanto isso, a recuperação do mercado imobiliário da China permanece em estado vegetativo. As vendas de apartamentos caíram 27% em junho em comparação com o ano anterior. Eles agora estão bem abaixo do ritmo que os economistas acham que seria justificado pela demanda subjacente, dada a urbanização da China e o desejo generalizado de melhores acomodações”.

O jornal o “O Estado de S. Paulo” em matéria de 18/7 destaca que O Produto Interno Bruto (PIB) da China cresceu 6,3% no segundo trimestre de 2023 ante igual período de 2022, mas ressalva que o resultado ficou abaixo da previsão dos analistas, que esperavam alta de 6,9%. Na comparação trimestral, o número referente aos primeiros três meses de 2023 apresentou crescimento de 0,8%, uma desaceleração em relação ao crescimento de 2,2% registrado no primeiro trimestre. Nos primeiros seis meses do ano, o PIB cresceu 5,5% em relação ao ano anterior, acima da meta de crescimento anual do país, de cerca de 5%, informa o jornal. Destaca, ainda, que a taxa de desemprego de jovens entre 16 e 24 anos cresceu para um número recorde de 21,3% em junho, ante 20,8% referente ao mês anterior e que os investimentos no setor imobiliário – segmento vital para a economia chinesa – despencaram 7,9% nos primeiros seis meses do ano, em comparação com o mesmo período de 2022.

Já o jornal inglês Financial Times (25/7) deu destaque para a reunião do Birô Político do Partido Comunista Chinês realizada no dia 24/7 que analisou as condições da economia chinesa e recomendou uma série de medidas anticíclicas para apoiar a recuperação da economia. Com relação à crise do setor imobiliário, a reunião recomendou que       “O governo deve se adaptar à nova situação em que a dinâmica de oferta e demanda no mercado imobiliário está mudando significativamente (…) A reunião também pediu a ampliação da oferta de moradias subsidiadas pelo governo e a reforma de vilas urbanas”. No que diz respeito ao elevado nível de endividamento dos governos locais, a declaração do Birô Político afirmou que: “A reunião também instou (…) neutralizar os riscos da dívida do governo local com um pacote de planos.” Segundo o jornal, “As dívidas colossais do governo local – incluindo as dos veículos de financiamento do governo local – são estimadas pelo Goldman Sachs em cerca de Rmb 94 trilhões (US$ 13,1 trilhões), e são vistas como uma restrição ao crescimento”. Já com relação ao emprego, a declaração afirma que “É necessário aumentar a proteção dos meios de subsistência das pessoas (…) e elevar a questão da estabilização do emprego a um patamar estratégico”. Com relação ao estímulo ao consumo, a declaração afirma que “A reunião também (…) apelou a um controlo preciso e eficaz das medidas macroeconómicas, incluindo políticas orçamentais proativas e políticas monetárias prudentes”. A declaração do Birô Político conclui afirmando que “A reunião pediu a realização da regulação macroeconômica com precisão e força, intensificando as medidas anticíclicas e disponibilizando mais opções políticas”.

O jornal chinês Global Times (03/07) deu destaque para o esforço das empresas estatais controladas pela SASAC, organização do governo central da China que controla as 85 principais empresas estatais chinesas, para ajudar o crescimento da economia. Segundo o jornal, “As empresas estatais (SOEs) da China, especialmente as administradas centralmente, estão aumentando os investimentos em uma tentativa de impulsionar a economia doméstica, que está avançando no caminho da recuperação, apesar de alguns indicadores econômicos recentes apontarem para um ritmo de crescimento moderado. Nos primeiros cinco meses do ano, o investimento das empresas estatais administradas pelo governo central chegou a 1,7 trilhão de yuans (US$ 234 bilhões), um aumento de 12,5% anualmente. Entre eles, o investimento em ativos fixos, excluindo o do setor imobiliário, foi de 1 trilhão, um aumento de 20,4% em relação ao ano anterior, mostraram na segunda-feira os últimos dados da Comissão de Supervisão e Administração de Ativos Estatais (SASAC) do Conselho de Estado. Desde o início do segundo trimestre de 2023, as estatais administradas centralmente aumentaram continuamente os investimentos e promoveram constantemente a implementação de projetos, disse o principal regulador de ativos estatais”.

O mesmo Global Times (25/7), deu destaque para a reunião do Birô Político, afirmando que “A reunião do Birô Político do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh), presidida pelo secretário-geral do Comitê Central do Partido Comunista da China (PCCh), Xi Jinping, enviou um forte sinal de que os formuladores de políticas chinesas estão agindo rapidamente para tomar medidas concretas para enfrentar os desafios internos e externos e impulsionar o desenvolvimento econômico na segunda metade do ano, de modo a cumprir a meta de crescimento para o ano, disseram analistas. A reunião apontou que a situação econômica enfrenta novos desafios devido à demanda interna insuficiente, dificuldades para algumas empresas, riscos em setores cruciais e um ambiente externo complexo e severo. No entanto, a economia chinesa ainda tem um grande potencial, e os resultados positivos de longo prazo permanecem inalterados”.

O jornal ainda afirmou que “Ainda assim, há muitas ferramentas políticas à disposição das autoridades chinesas para garantir velocidade e qualidade. A reunião desta segunda-feira mostrou um forte sinal de que as autoridades estão tomando medidas para estabilizar a economia, o mercado e a confiança no segundo semestre. Para a política macroeconômica, especialistas acreditam que o recente “fortalecimento do ajuste anticíclico”, mencionado na reunião, indica a possibilidade de implementar medidas de afrouxamento monetário no segundo semestre, incluindo um corte de juros no terceiro trimestre. Não está descartado que a China reduza a taxa de compulsório (RRR) em agosto e setembro, disse Ming Ming, economista-chefe da CITIC Securities, ao Global Times. Segundo especialistas, algumas das políticas discutidas na reunião superaram o que o mercado esperava. Essas políticas se concentram especificamente no mercado de capitais, no mercado imobiliário e no mercado de trabalho. Especialistas destacaram que, no segundo semestre, a China pode acelerar sua abertura e aumentar os esforços para atrair mais investimento estrangeiro, já que a reunião enfatizou a necessidade de “impulsionar o mercado de capitais e restaurar a confiança dos investidores”.

Por Luís Paulino

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