Por Eleonora de Lucena e Rodolfo Lucena
“A ampliação do Brics certamente explode a ordem mundial dos últimos 80 anos, depois do pós-guerra. Fazendo um pouco de uma hipérbole, ela muda um pouco o eixo da terra. O eixo geopolítico era centrado no chamado Ocidente, que inclui também o Japão, a Austrália, não estritamente o Ocidente do ponto de vista geográfico. Isso agora, já em decorrência de várias mudanças que vinham já acontecendo, faz com que o eixo se desloque. Não é que substituiu totalmente, não é que acabou com o eixo do G7. Mas ele não é mais o eixo dominante”.
Palavras do embaixador Celso Amorim em entrevista exclusiva ao TUTAMÉIA. Na conversa, ele tratou das razões dessa mudança geopolítica, da guerra na Ucrânia, da ascensão de um movimento fascista na Argentina, da questão militar no Brasil e dos encontros que Lula deve ter com os presidentes dos Estados Unidos e de Cuba nas próximas semanas (acompanhe a íntegra no vídeo e se inscreva no TUTAMÉIA TV).
AMPLIAÇÃO DO BRICS MUDA UM POUCO O EIXO DA TERRA, DIZ CELSO AMORIM
Na avaliação de Amorim, essa ampliação dos Brics se deve, em parte, à própria atuação dos países ocidentais: “Eles voltaram a tentar concentrar para o G7 o poder político e econômico, até convidando um ou outro país em desenvolvimento, como foi o caso do convite ao presidente Lula, mas usando obviamente para fins políticos. Tirando a Rússia em guerra, mas a China também. Como se pode discutir a economia mundial, como se pode discutir questões ligadas ao ambiente e ao clima sem a China? Não tem condição”, afirma.
A reação, aponta o embaixador, veio na forma de fortalecimento do Brics, reunindo agora outros países que “têm maior representatividade maior poder econômico, maior poder sobre combustíveis fósseis”. A articulação incluiu países que até recentemente eram inimigos, caso da Arábia Saudita e do Irã.
“É uma mudança muito importante na geopolítica mundial”, diz o embaixador. Ele lembra a avaliação do professor emérito da UFRJ José Luiz Fiori, que afirmou em entrevista ao TUTAMÉIA, que a ampliação do Brics significa “uma explosão sistêmica da ordem internacional construída e controlada pelos europeus e seus descendentes diretos há pelo menos trezentos anos” (leia a íntegra CLICANDO AQUI).
E completa Amorim: “Não se pode mais tentar voltar a ter um mundo dominado pelo G7 –que é um erro cometido pelo Ocidente. Eles tiveram oportunidade de trabalhar melhor dentro do G20 e, por razões políticas, deixaram isso de lado e quiseram fazer o mundo retroceder uns 20 ou 30 anos. A imantação que tinha o G7 já não é a mesma”.
SANÇÕES DOS EUA SÃO TIRO NO PÉ
Ministro das Relações Exteriores, nos governos Itamar Franco e Lula, e da Defesa com Dilma, Celso Amorim condena as sanções impostas pelos Estados Unidos:
“É um tiro no pé dos Estados Unidos quando eles fazem sanções que se aplicam a países que não tem nada a ver. Primeiro, elas são injustas e discutíveis em relação aos países alvo, mas acabam afetando outros países”.
Ele segue:
“Sanções são usadas e abusadas. Não vou entrar no mérito moral das sanções; elas causam um impacto em todo o mundo. As condições de hoje não são as mesmas de 30 ou 40 anos atrás, quando não havia nenhuma outra economia que se colocasse como potencial rival. Agora você tem não só uma economia, mas uma combinação de economias”.
MAL-ESTAR
Na entrevista ao TUTAMÉIA, Amorim tratou da discussão sobre moedas, também em curso na esfera do Brics. “Não sei qual será a solução. Há esse mal-estar, não é só do Brasil. É um mal-estar de vários países com a dependência excessiva do dólar. O mundo está mudando”.
“O Brics não e só uma questão de afinidade, nem é principalmente uma questão de afinidade. É uma questão de juntar interesses similares de países em desenvolvimento que querem um mundo mais multipolar, mas equilibrado, e buscar soluções para questões difíceis, como é o caso da guerra na Ucrânia.
“NÃO DÁ PARA ENCURRALAR A RÚSSIA”
Sobre a guerra, Amorim afirma perceber que há uma exaustão com o conflito.
“Não só nos EUA, mas em outros países também. Muitos desses países se colocaram numa situação difícil. Há setores ainda hoje que falam na derrota total da Rússia. Tem que olhar para a história”.
O embaixador lembra a forma de como a Alemanha foi punida após a derrota na Primeira Guerra Mundial, o que deu espaço para a ascensão nazista anos depois. “Você empurra um país contra a parede, um país grande como a Rússia. Não dá para encurralar a Rússia”, diz, apontando para a possibilidade de criação de grande rancor e de instabilidades fortes.
“É preciso ter muita frieza nessa análise. Ninguém menospreza o sofrimento do povo ucraniano. Embora não seja só deles. Tem o povo russo também. Ninguém deve defender o uso unilateral da força. Mas também não se pode, por causa disso, passar para uma atitude belicista e de punição que vai ter um efeito catastrófico por 100 anos”, afirma.
FASCISMO NO VIZINHO
O embaixador analisa também a ascensão do candidato de extrema direita na corrida pela presidência da Argentina. Diz Celso Amorim ao TUTAMÉIA:
“É um incômodo ter um movimento fascista crescendo em qualquer lugar do mundo e sobretudo na nossa região É evidente que o Brasil se preocupa muito com o Mercosul. Quando ouço falar que vai haver uma saída do Mercosul, acho que isso é um retrocesso de 40 anos. Isso nos preocupa, mas nós não podemos decidir; quem tem que decidir é o povo argentino. E a gente vai ter que aceitar de alguma maneira a decisão. Mas que vai ser um grande prejuízo para a região, vai”.
ESCORREGADAS MILITARES
Ministro da Defesa de Dilma, Amorim comenta a crise militar que resultou em tentativa de golpe no 8 de Janeiro:
“Vejo nos comandos militares uma disposição muito grande de voltar à normalidade. Há uma percepção de que houve escorregadas muito sérias, houve cooptação muito séria por um governante que falava do ‘meu exército’. Vejo desejo de exercerem as suas funções, a defesa do país”.
Leia o texto original na íntegra.
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