Saggioro escreve no e-mail: “Bom dia! Seguem pontos anotados na nossa reunião de ontem”. O título da mensagem é “Comitê de Estratégia e Comunicação 4/05/2022 – Pontos para FUP”. FUP é um termo, em geral, usado para designar o follow up (acompanhamento) de um tema. O tópico em destaque tem o título “Programa de Antecipação de Fornecedores” (PAF). Diz o executivo, num texto bastante técnico:
“Foi apresentado status do PAF e os custos do funding, sendo alinhado que o custo básico se refere à taxa média de aplicação do caixa de segurança (~104% do CDI bruto e ~82% líquido) enquanto o mesmo fizer parte do caixa de segurança, sendo alterado para a taxa média de captação caso o valor do PAF não seja mais parte do caixa de segurança. Como próximos passos, serão apresentadas oportunidades de captação em condições especiais (ex. CRI, CRA, ESG) e será estudado o melhor modelo fiscal para a contabilização do PAF. É importante avaliar a melhor forma de comunicar o PAF ao mercado para que não seja visto como piora da estrutura de capital da cia.”
Fornecedores
O PAF é um programa pelo qual a empresa antecipa valores de fornecedores que vendem a prazo, mediante desconto do preço. O fornecedor aceita receber menos à vista. A empresa fazia essas operações com caixa próprio e também por intermédio de bancos. No email, fala-se exclusivamente da antecipação com recursos próprios.
De acordo com dois especialistas em contabilidade e auditoria de balanços consultados pelo Metrópoles, sob a condição de anonimato, Saggioro aborda, no início da mensagem, o custo do PAF e como barateá-lo. Eles notam, contudo, que a parte mais relevante está no final do e-mail, na qual o então presidente do conselho afirma: “É importante avaliar a melhor forma de comunicar o PAF ao mercado para que não seja visto como piora da estrutura de capital da companhia”.
A estrutura de capital é um conceito relacionado a como uma empresa faz o financiamento de suas operações por meio de diferentes recursos.
Participação
O e-mail, destacam os analistas, não apresenta qualquer proposta ou sugestão de fraude. Mas mostra o nível de participação dos conselheiros da Americanas na gestão da empresa. Esse ponto tem provocado grande polêmica entre a companhia, os representantes legais dos acionistas de referência e os ex-diretores da varejista.
Em 13 de junho, o atual CEO da Americanas, Leonardo Coelho Pereira, durante sessão da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na Câmara dos Deputados, atribuiu a fraude exlusivamente à antiga diretoria da empresa. De acordo com ele, o conselho de administração e os acionistas de referência desconheciam o problema.
Em declarações recentes, Gutierrez, ex-CEO da Americanas, questionou as alegações segundo as quais os acionistas de referência não estavam a par da crise financeira da empresa. Ele disse que não participou da fraude e que os acionistas atuavam no dia a dia da gestão da Americanas, inclusive por meio da LTS.
O Metrópoles consultou as assessorias de comunicação da Americanas e da LTS sobre o e-mail. A Americanas divulgou a seguinte nota:
“A Americanas informa que seus órgãos sociais atuam de acordo com as melhores práticas de governança do mercado. É boa prática que temas estratégicos sejam acompanhados pelos membros do conselho de administração e comitês, como é o caso do e-mail citado, que tratava do acompanhamento de temas do Comitê de Estratégia e Comunicação, entre eles, do programa de antecipação de fornecedores com caixa próprio da companhia, criado em 2021, devidamente discutido junto aos órgãos de governança, declarado adequadamente no balanço, assim como divulgado ao mercado.”
Representantes dos conselheiros
Os advogados que representam os conselheiros também se manifestaram sobre o assunto. Eles afirmaram que a mensagem é uma “demonstração de diligência do conselho de administração em acompanhar o Programa de Antecipação a Fornecedores (PAF), que sempre foi contabilizado com transparência” e estava presente no balanço da companhia. Notam que esse acompanhamento é um dever legal do conselho.
Acrescentaram que o PAF, executado com recursos do caixa da varejista, não se confunde com as operações de risco sacado, financiadas por bancos. Sobre os trechos que apontam a necessidade de estudar o modelo para a “contabilização do PAF” e a melhor forma de comunicá-lo ao mercado, observam que eles refletem uma discussão em torno da maneira mais eficiente de registrá-lo sob o ponto de vista fiscal.
Em nota, a defesa do ex-CEO da Americanas Miguel Gutierrez informou:
“O e-mail se refere a temas que foram assunto de reunião do comitê estratégico, órgão instituído por decisão do Sr. Carlos Alberto Sicupira, do qual participavam ele, Eduardo Saggioro, Miguel Gutierrez e outros. Este comitê se reunia quinzenalmente e discutia uma série de assuntos, sobre os quais Sicupira e Saggioro (ambos membros do conselho de administração, sendo que Saggioro também é ligado à holding LTS) exerciam ingerência e acompanhamento. Um dos assuntos tratados foi, de fato, o programa de antecipação a fornecedores (PAF) realizado pela companhia, em relação ao qual o Sr. Saggioro orientou para que se buscasse a forma mais eficiente de contabilização, como consta no e-mail em questão.”
Leia o texto original na íntegra.