Texto de Luís Antonio Paulino
Ocorreu, entre os dias 22 e 24 de agosto, na cidade de Joanesburgo, na África do Sul, a XV Cúpula do Brics, sob o tema “BRICS e África: Parceria para Crescimento Mutuamente Acelerado, Desenvolvimento Sustentável e Multilateralismo Inclusivo”. Trata-se, possivelmente, da mais importante cúpula do Brics, desde a sua criação, em 2009, seja pela importância da agenda e das decisões do encontro, seja pelo delicado momento em que o mundo vive hoje com o agravamento das tensões geopolíticas internacionais.
A questão mais importante discutida no encontro foi a ampliação do grupo, hoje formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, sendo que esta última foi admitida no bloco, em 2011, por sugestão da China. Esse conjunto de países abriga hoje 41% da população mundial e responde por cerca de ¼ do PIB global. Medido em paridade do poder de compra, a contribuição do grupo para o PIB global já é maior do que a do G7. Devido ao sucesso econômico e político do grupo, que abriga hoje as duas economias que mais crescem no mundo – China e Índia – mais de 40 países em desenvolvimento já manifestaram interesse em se juntar formalmente ao grupo.
Com o agravamento das tensões políticas internacionais em decorrência do aumento do protecionismo e do isolacionismo dos países ricos, nomeadamente dos Estados Unidos, que tentam reeditar uma nova versão da Guerra Fria, desta vez tentando isolar a China e desacoplá-la das cadeias globais de suprimento, da utilização cada vez mais frequente do dólar como arma de guerra contra países que não aderem à suas sanções econômicas e, mais recentemente, da Guerra da Ucrânia, desencadeada também pela iniciativa dos EUA de expandir a Otan até as fronteiras da Rússia, cercando-a militarmente, o Brics adquiriu uma nova importância para os países em desenvolvimento, que não aceitam ser massa de manobra dos Estados Unidos em sua luta desesperada para garantir sua hegemonia global a qualquer custo.
Desde sua criação, em 2009, o Brics já tinha como ponto central de sua agenda lutar pela reforma do sistema de governança global, hoje hegemonizado pelo Estados Unidos e seus aliados do G7, que não mais representam a realidade política e econômica global e muito menos os interesses dos países em desenvolvimento. O Brics nasceu, assim, por iniciativa do Brasil e da Rússia, como instrumento de defesa dos interesses dos grandes países em desenvolvimento que originalmente formaram o grupo junto com China e Índia, e, por extensão, dos demais países em desenvolvimento que enfrentam os mesmos desafios.
Sua expansão, com a inclusão de novos membros desse grupo de países era, portanto, apenas uma questão de tempo e esse tempo chegou. A decisão do grupo de convidar a Argentina, a Arábia Saudita, os Emirados Árabes, o Egito, a Etiópia e o Irã para aderirem formalmente ao grupo marca, portanto, uma mudança qualitativa na medida em que o grupo adquire mais força e legitimidade para ser a voz do mundo em desenvolvimento nessa quadra delicada da geopolítica mundial, marcada pela transição de um sistema unilateral, hegemonizado pelos Estados Unidos, para um sistema multilateral, que precisa dar espaço para novos atores do mundo em desenvolvimento. Chama atenção também o fato que seis dos sete novos membros serem do Oriente Médio e do norte da África, sendo cinco deles países islâmicos.
No plano econômico, esse bloco de países será responsável por uma parcela significativa dos fluxos internacionais de comércio e investimento que poderão fazer negócios entre si em moeda local, dispensando a intermediação do dólar americano e evitando assim os problemas advindos das sanções econômicas dos Estados Unidos.
Como afirmou Hippolyte Fofack, economista-chefe e diretor de pesquisa no Arfreximbank, “Mas com as tensões geopolíticas e a utilização do dólar como arma para fins de segurança nacional continuando a aumentar, o Brics assumiu um novo significado, oferecendo alternativas comerciais e outros tipos de alívio para enfraquecer a eficácia das sanções e acelerando a transição para uma economia mundial. Mundo multipolar. Desde 2014, o comércio da Rússia com os países do G7 caiu mais de 36%, devido a sanções ocidentais sem precedentes, enquanto o seu comércio com o grupo aumentou mais de 121%. Após a proibição da União Europeia às importações de produtos petrolíferos russos no ano passado, a China e a Índia têm sido os dois compradores dominantes do petróleo russo. O comércio bilateral entre a China e a Rússia tem sido particularmente forte nos últimos anos, atingindo um recorde de 185 mil milhões de dólares no ano passado”.
Ainda segundo o autor, “A boa notícia é que o Brics já possui as instituições necessárias para criar um sistema de pagamentos eficiente e integrado para transações transfronteiriças. O Mecanismo de Cooperação Interbancária do Brics facilita pagamentos em moedas locais entre bancos sediados no bloco. O Brics Pay, um sistema de pagamentos internacionais digitais multimoedas, elimina a necessidade de “moedas veiculares”, como o dólar ou o euro, nas transações entre os países membros, reduzindo drasticamente os custos. Por último, o Acordo Contingente de Reservas fornece apoio de liquidez ao Brics que enfrentam pressões de curto prazo na balança de pagamentos ou oscilações cambiais”.
Acrescente-se ainda que o NDB, também conhecido como Banco do Brics, também planeja aumentar seus financiamentos em moeda local dos atuais 22% para menos 30% do portfólio do banco até 2026, eliminando assim os riscos cambiais associados ao uso do dólar em financiamentos internacionais. Não menos importante foram as declarações dos líderes se comprometendo em aprofundar a cooperação entre os países do bloco com vistas a estimular o desenvolvimento comum.
Ao tratar da necessidade de aprofundar a cooperação empresarial e financeira para impulsionar o crescimento econômico, o presidente da China, Xi Jinping, afirmou que “Nós, países do Brics, devemos ser companheiros no caminho do desenvolvimento e revitalização, e nos opor ao desacoplamento e à interrupção das cadeias de suprimentos, bem como à coerção econômica. Devemos focar na cooperação prática, especialmente em áreas como a economia digital, desenvolvimento sustentável e cadeia de suprimentos, e fortalecer as trocas econômicas, comerciais e financeiras”.
Xi Jinping afirmou, ainda, que “A China estabelecerá um Parque de Incubação de Ciência e Inovação China-Brics para a Nova Era para apoiar a implementação dos resultados da inovação. No âmbito do mecanismo de Constelação de Satélites de Sensoriamento Remoto do Brics, exploraremos o estabelecimento de uma Plataforma de Cooperação Global de Dados e Aplicações de Satélite de Sensoriamento Remoto do Brics Global para fornecer suporte de dados para agricultura, conservação ecológica e redução de desastres em diversos países. A China também trabalhará com todas as partes para estabelecer conjuntamente um Quadro de Cooperação Industrial do Brics para o Desenvolvimento Sustentável como uma plataforma de coordenação industrial e cooperação em projetos na implementação da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ONU)”.
O presidente Lula chamou a atenção para questões também importantes, com a necessidade de uma solução urgente para o conflito na Ucrânia, a questão ambiental e a ideia de uma moeda comum do Brics. Particularmente importante para o Brasil foi o apoio do grupo, em sua declaração final, à reforma do Conselho de Segurança da ONU, do qual há anos o Brasil pleiteia participar como membro permanente.
Ressalva-se, contudo, que a ideia de uma moeda comum, proposta pelo presidente Lula, é algo muito complicado e fora do horizonte, dado que exigiria a presença de um banco central comum, como no caso da União Europeia, o que evidentemente não faria muito sentido para um grupo de países tão heterogêneo e disperso geograficamente. A ideia de trocas com base em moedas locais, já em curso, faz mais sentido. Quanto ao pleito do Brasil de um assento permanente no Conselho de Segurança na ONU, também é preciso considerar que benefícios de fato traria ao Brasil além de uma discutível demonstração de prestígio, uma vez que poderia nos causar mais problemas, sobretudo com nossos vizinhos, do que benefícios reais. Talvez o mais sensato fosse simplesmente a extinção desse conselho e sua substituição por um outro mecanismo que melhor representasse a atual realidade geopolítica e econômica mundial.
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