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PGR: Às vésperas da decisão de Lula, a recondução de Aras ganha força

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A Lava Jato ainda está à espreita. A obra de reconversão republicana do Ministério Público é uma obra inacabada. Aras mostra-se o mais preparado para completá-la, defendem seus apoiadores.

Antonio Machado

A recondução do PGR Augusto Aras ganha força. O seu legado nos quatro anos à frente do Ministério Público, nos quais Lava Jato foi desmontada, é considerado como um elemento de estabilidade institucional nos momentos de intensa polarização: os que vivemos durante a pandemia, os atuais e os que estão por vir.

Lula vencedor das eleições, era dado como favas contadas que Lula-3 repetiria Lula-1 e Lula-2 e o Ministério Público retornaria ao laissez-faire corporativo que resultou na farsa do Mensalão, na hecatombe lavajatista e na eleição de Bolsonaro. Voltaria o paraíso da corporação, o reino dourado da imposição sindical ao Presidente da República da escolha do PGR.

A eleição de Lula atiçou os beneficiários do esquema lavajatista, especialmente os jornalistas que padeciam desde 2019 a dura abstinência do fim dos vazamentos seletivos e esquemas sórdidos para destruir reputações. A pressão assumiu os contornos de um veto lavajatista universal à recondução do atual PGR. Algo como “qualquer um, menos ele!”

Em resposta à ousadia lavajatista, a recondução do PGR passou a ser defendida em artigos e depoimentos por experientes observadores políticos como o ex-presidenrte Sarney, Aldo Rebelo, Jaques Wagner, Rui Costa, Luiz Carlos da Rocha (Rochinha), Jorge Bahia, Luís Costa Pinto, Mário Rosa. Este grupo plural e heterogêneo alerta que a reconversão do Ministério Público ao primado da Constituição, iniciada com firmeza pelo atual PGR, ainda é obra incompleta e somente quem seja profundo conhecedor da gigantesca máquina da instituição, não comande nenhum grupo interno e tenha a coragem de enfrentar pressões corporativas e da mídia lavajatista pode levar a adiante o serviço.

Sentindo a gravidade do momento e estimulado por esse amplo apoio, o discreto PGR, que antes falava por meio de notas oficiais, passou a ocupar as redes sociais para defender o Ministério Público dos ataques diários da mídia lavajatista e publicou um livro divulgando a participação da instituição na luta contra a pandemia: “Ações que salvam – como o Ministério Público se reinventou para enfrentar a Covid-19” ( https://www.mpf.mp.br/portal/o-mpf/sobre-o-mpf/gestao-estrategica-e-modernizacao-do-mpf/sobre/publicacoes/publicacoes-arquivos/acoes-que-salvam-como-o-ministerio-publico-se-reinventou-para-enfrentar-a-covid-19?nocache100).

Analisemos o quadro que Lula encontra na volta de sua viagem aos EUA, onde abriu a Assembleia Geral da ONU.

Jorge Bahia

Em junho de 2020, o portal progressista Disparada inaugurou entre os espaços de esquerda uma leitura mais abrangente do desempenho de Augusto Aras à frente da procuradoria-geral da República. Em plena pandemia, o portal publicou encorpado artigo assinado por Jorge Bahia, sob o instigante título “Augusto Aras: agente da sublevação bolsonarista ou anjo-vingador do ethos republicano?” (https://disparada.com.br/augusto-aras-agente-subversao/).

Mais que responder à provocadora pergunta que o encabeça, o artigo levanta fatos até então desconhecidos do grande público, como a  atuação enérgica de Aras para evitar que o chanceler Ernesto Araújo e Bolsonaro expulsassem diplomatas venezuelanos e suas famílias.

Depois da longa análise, o artigo termina com outras perguntas:

“Aras é um reles capacho do capitão, como Bolsonaro, a mídia comercial, a esquerda blogueira e corporativa e o lava-jatismo ressentido querem convencer a sociedade ou será Aras, como sugere Toffoli, um discreto e eficiente protagonista do concerto institucional que vem lenta e paulatinamente construindo um cordão sanitário jurídico-constitucional contra o vírus subversivo e totalitário bolsonarista? Aras é agente da subversão bolsonarista, como querem os seus obstinados detratores à esquerda e à direita, ou é fator de estabilidade e de garantia do respeito à Constituição?”

Luís Costa Pinto

Em texto de notável qualidade analítica, publicado em 25 de junho deste ano ( “Lula quer um nome capaz de promover união e reconstrução também na PGR. Urge matar o monstro em que o MP se converteu” (

https://www.brasil247.com/blog/lula-quer-um-nome-capaz-de-promover-uniao-e-reconstrucao-tambem-na-pgr-urge-matar-o-monstro-em-que-o-mp-se-converteu), o experiente Luís Costa Pinto, diretor da sucursal do Brasil 247 em Brasília

escreve:

“O presidente sabe que uma faxina procedimental está em curso nos prédios cilíndricos e espelhados da via N2 em Brasília e, por isso, tende a escolher para o próximo biênio à frente da Procuradoria Geral da República um nome capaz de unir a Casa e reconstruí-la – mimetizando ali a linha-força de sua administração.

Involuntariamente, inadvertidamente, um colunista opiniático da Folha de S Paulo, Hélio Schwartsman, deu musculatura e força a Augusto Aras nesta última semana. Depois de uma coluna especialmente ácida na qual chamou o procurador-geral de “inimigo público” e enumerou-lhe defeitos que o desqualificariam à pretensão de uma recondução, Schwartsman viu um movimento tectônico antes improvável de oito órgãos do Ministério Público Federal e da União se unirem a favor de Aras.”

O movimento tectônico a que se refere o jornalista é a reação interna de solidariedade ao PGR no Ministério Público da União (https://www.cartacapital.com.br/justica/em-campanha-pela-reconducao-aras-ganha-apoio-de-procuradores-gerais/ ). Isso mostrou que Aras não era o interventor bolsonarista que a mídia lavajatista pintava, causador de divisão interna no Ministério Público, mas respeitado líder da instituição.

Pinto continuou a investigar o legado de Aras à frente da PGR. Em 5 de julho de 2023, publicou um artigo (“Há quase 30 mil gravações ilegais da Lava Jato arquivadas no CNMP,  341 foram acessadas por integrantes da finada “força-tarefa” – https://www.brasil247.com/poder/ha-quase-30-mil-gravacoes-ilegais-da-lava-jato-arquivadas-no-cnmp-341-foram-acessadas-por-integrantes-da-finada-forca-tarefa), descrevendo com riqueza de detalhes e nítidas tintas literárias a tormentosa inspeção na Lava Jato de Curitiba realizada pela coordenadora do Grupo da Lava Jato junto à PGR, subprocuradora-geral Lindôra Araújo  revelando que “em julho de 2020, na pandemia, a PGR descobriu a existência do sistema de gravações “Vocale R3” em Curitiba” e que “inquérito interno concluiu por potencial crime de procuradores.”

Lindôra Araújo fora designada por Aras para coordenar as investigações da Lava Jato na PGR:

“A subprocuradora Lindora Araújo atuava até então na coordenação de casos penais no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recentemente, mandou parecer ao tribunal defendendo a federalização da investigação da morte da ex-vereadora Marielle Franco.” (“Aras anuncia Lindora Araújo como nova coordenadora da Lava Jato na PGR e amplia grupo” –  https://g1.globo.com/politica/blog/andreia-sadi/post/2020/01/23/aras-confirma-lindora-araujo-como-nova-coordenadora-da-lava-jato-na-pgr.ghtml)

 Aras designou Lindôra para substituir subprocurador-geral José Adonis Callou de Araújo Sá. José Adonis pediu para deixar a coordenação da Lava Jato na PGR, tendo a imprensa registrado discordâncias entre ele e Aras:

“Adonis é subprocurador-geral da República e voltará a atuar em processos de tribunais superiores. Em parecer enviado ao Supremo no mês passado, ele defendeu a atuação do ex-juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça, nos processos que correm contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Paraná.” (https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/01/23/coordenador-da-lava-jato-na-pgr-pede-para-deixar-cargo.ghtml

 Adonis é um dos integrantes da lista tríplice levada a Lula pela associação de procuradores para substituir Aras:

Diante da sucessão, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) definiu a lista tríplice que será enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva para indicação ao cargo de procurador-geral. A candidata mais votada foi a subprocuradora Luiza Frischeisen, com 526 votos; Mário Bonsaglia ficou em segundo lugar, com 465 votos, seguido por José Adonis Callou, que recebeu 407 votos.” (https://www.anpr.org.br/imprensa/noticias/27572-membros-do-mpf-elegem-lista-triplice-para-pgr)

Em 9 de julho, Luís Costa Pinto volta ao tema. No artigo “Escolher um novo PGR, ou reconduzir Aras, é a nova meta do marco civilizatório e democrático de Lula para o País”https://www.brasil247.com/blog/escolher-um-novo-pgr-ou-reconduzir-aras-e-a-nova-meta-do-marco-civilizatorio-e-democratico-de-lula-para-o-pais), o jornalista analisa os nomes dos candidatos a ocupar o cargo de PGR e conclui:

“O atual procurador-geral integra o grupo e tem chances reais de ser reconduzido para novo período de dois anos à frente da instituição conspurcada e vilipendiada por uma milícia arrivista que se entrincheirou em Curitiba (PR), cometeu os mais atrozes e variados crimes e desmandos sob o beneplácito da mídia corporativa e atacou o País por dentro do próprio Estado e por meio de uma espécie de exército mercenário que atendia pela alcunha de “Operação Lava Jato”.

 Escrito antes da decisão de Toffoli (6 de setembro) que anulou as provas obtidas ilegalmente no acordo de leniência da Odebrecht e oficiou à PGR para que apure as responsabilidades administrativas e criminais, o texto é premonitório e reforça a importância de que esteja à frente da PGR no próximo biênio um nome forte e experiente:

“O exército mercenário confronta-se com o Estado Democrático de Direito como sua Corte Marcial e ao próximo procurador-geral, ou a um Augusto Aras fortalecido pela recondução, caberá executar as sentenças.”

Por isso, diz que “Lula decidirá sozinho”:

“ Lula é guardião exclusivo das profundas reflexões que fez durante o período infame em Curitiba. Não as dividiu em plenitude nem mesmo com o seu biógrafo Fernando Morais. Um capítulo alentado dessas reflexões foi escrito na alma dele com as tintas da covardia institucional da Procuradoria Geral da República, em especial, e do Ministério Público, como um todo. A raiz da indignação do presidente advém da certeza que tem: as razões que levaram à anulação das sentenças do ex-juiz Sérgio Moro e à declaração de suspeição formulada dele pelo Supremo Tribunal Federal estavam dadas desde 2015, 2016, 2017…  Nada foi feito, porém, até que Aras ascendesse à PGR e pudesse abrir as arestas – que viraram sendas e, depois largas avenidas – pelas quais a “República de Curitiba” se veria implodida, exposta, devastada e, agora, obrigada a prestar contas aos corregedores do próprio MPF, à Justiça e às demais instituições republicanas.”

Luiz Carlos da Rocha

O advogado curitibano Luiz Carlos da Rocha é homem de confiança de Lula. Esteve ao seu lado na dura experiência da prisão injusta. Rochinha, como é conhecido, atendeu Lula diariamente na masmorra lavajatista (https://revistaforum.com.br/brasil/2021/12/7/rochinha-que-visitou-lula-todos-os-dias-na-priso-conta-como-foi-vida-do-ex-presidente-na-pf-107190.html). Ele sabe que o principal objetivo de Lula na indicação do PGR é que a captura do Ministério Público por um projeto político nunca mais aconteça e que para isso é preciso levar adiante a desconstrução do lavajatismo iniciada por Aras em 2019 até o seu final.

Em artigo no Conjur, “A última e arriscada do lavajatismo: ‘bolsonarizar’ Aras e Lula” (https://www.conjur.com.br/2023-ago-09/luiz-carlos-rocha-lavajatismo-bolsonarizar-aras-lula), Rocha identifica a causa da força da ideia da recondução do PGR:

 “A força de uma ideia pode ser medida pela fragilidade das objeções conceituais e principiológicas que se levantam contra ela e, via de consequência, pelo desmascaramento dos interesses reais dos seus adversários. Por outro lado, uma ideia que ganhe força à medida em que é submetida à crítica no espaço público mostra ter raízes mais profundas que meras conveniências de conjuntura. É que acontece com a ideia do presidente da República de indicar ao Senado a recondução do procurador-geral da República.”

Rocha denuncia a estratégia da mídia lavajatista de procurar “bolsonarizar” Lula para sub-repticiamente impor veto à recondução de Aras:

“(…) a insistência em atribuir um suposto “bolsonarismo” ao procurador-geral cria um grave problema para o lavajatismo: para “bolsonarizar” Aras, a mídia lavajatista precisa lógica e inevitavelmente também “bolsonarizar” Lula. O lavajatismo não tem como escapar da armadilha argumentativa em que se meteu: ao repetir à exaustão que Aras protegeu Bolsonaro da responsabilização por ilícitos e que, por isso, sua recondução é inaceitável, está sugerindo que, ao considerar fortemente a hipótese reconduzir Aras, o que Lula quer é ser protegido das consequências legais por futuros malfeitos. É como se a recondução do procurador-geral representasse um Habeas Corpus preventivo para Lula. É a volta do grito de guerra lavajatista de “Lula ladrão”.

Aldo Rebelo

A importância estratégica do Ministério Público para os destinos do Brasil levou o ex-ministro Aldo Rebelo, nacionalista de quatro costados, a também sentir-se convocado a oferecer à sociedade a sua palavra de orientação e equilíbrio quanto ao legado do atual PGR e o futuro da instituição. O  experiente político (deputado federal por diversos mandatos, presidente da Câmara dos Deputados, ministro do Esporte, ministro da Ciência e Tecnologia, ministro da Defesa), hoje escrevendo livros a respeito da soberania nacional e comandando um movimento político suprapartidário (O Quinto Movimento), publicou artigo em que relembra que o Ministério Público é instituição moça, sem tradição, sem raízes na longa história da Nação, e que ainda busca o seu lugar no concerto da República:

O jovem integrante do Ministério Público olha para trás e não há ninguém além dele mesmo. O indivíduo dirige a instituição e está construindo a história dela, necessitando, para tanto, intensamente de protagonismo.”  (https://www.poder360.com.br/opiniao/o-ministerio-publico-a-questao-nacional-e-a-democracia/

Daí a importância de que o escolhido por Lula para a PGR tenha consciência de que está construindo não apenas sua biografia, mas dando forma à própria instituição. Na opinião, de Aldo, a atuação de Aras assegurou equilíbrio numa instituição conflagrada e ainda em construção:

“ Foi com essas circunstâncias que se deparou o atual chefe do Ministério Público, Augusto Aras, desafiado a proteger duplamente sua instituição: em primeiro lugar, proteger seu papel fundamental no combate à corrupção e aos desmandos, mazelas permanentes na administração pública; e ao mesmo tempo, protegê-la do voluntarismo e de aventureiros que buscam a visibilidade conferida às celebridades instantâneas, exaltadas pela mídia e pelas redes sociais. 

 Augusto Aras agiu como um disciplinador, adotou as vestes do servidor público maduro que sabe que uma instituição confiável à sociedade busca sua legitimidade na discrição, no equilíbrio e na obediência à lei, guardando distância do aplauso fácil das ruas, tão perigoso quanto fugaz.” (https://www.poder360.com.br/opiniao/o-ministerio-publico-a-questao-nacional-e-a-democracia/)

 Sarney

A configuração do Ministério Público atual foi dada no governo Sarney, o primeiro depois da promulgação da Constituição de 1988. O PGR era Sepúlveda Pertence, amigo de Sarney, de Aras e de Lula. Sarney e Lula são amigos. Lula ouve Sarney.

Sarney gravou vídeo de apoio a Aras, dizendo que ele “marcará, sem dúvida, um momento importante da história do Ministério Público.” (https://www.youtube.com/watch?v=Njxw6UayAsY)

 O credo democrático de Aras

Em debate com Nelson Jobim, Cezar Peluso e Gilmar Mendes, todos presidentes do Supremo, no seminário STF: presente passado e futuro em 16 de outubro de 2020 (https://www.youtube.com/watch?v=MQh6ThXJ_Gs&t=3040s), Aras disse de onde vem a sua indignação com os desvios da Lava Jato:

“ Nós vimos e eu fui contra … nos cinco anos anteriores à minha gestão … eu vi a criminalização da política e vi a destruição da economia, fenômenos que andam de mãos dadas na história recente do Brasil. Creio que aquele momento é um um momento que a nossa gestão busca corrigir, mostrando que o Ministério Público deve guardar a Constituição e as leis do país. Tem o dever de agir em consonância com a ordem jurídica e com o modelo econômico. … A politização, a criminalização da política destrói todo o arcabouço da República.”

 Aliás, vale aqui um parêntesis para dar a palavra ao ministro Gilmar Mendes, que no referido debate foi enfático no reconhecimento da contribuição de Aras à institucionalidade:

Se não houvesse grande contribuição do governo para a institucionalidade, a sua escolha já teria sido marcante … por tudo o que você tem representado em termos racionalização, de responsabilidade, de respeito à institucionalidade.” (https://www.youtube.com/watch?v=MQh6ThXJ_Gs&t=3040s

Luiz Carlos da Rocha, o Rochinha, identifica na origem familiar do atual PGR a sua formação política democrática:

Viveu a política pela mão de seu pai, Roque Aras, falecido recentemente, aos 90 anos. Roque Aras foi uma das lideranças políticas de luta contra a ditadura na Bahia, tendo sido vereador, deputado estadual e deputado federal pelo MDB, na linha combativa do lendário Francisco Pinto, partido do qual foi presidente do diretório estadual. Com o fim do bipartidarismo, filiou-se ao PDT seguindo a liderança de Leonel Brizola. Depois filiou-se ao PT, tendo sido candidato a senador em 1986 pelo partido.” (https://www.conjur.com.br/2023-ago-09/luiz-carlos-rocha-lavajatismo-bolsonarizar-aras-lula

Antes de ser indicado para a PGR, Aras, doutor em direito constitucional e mestre em direito econômico, atuou no Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE e foi coordenador da Câmara do Consumidor e Ordem Econômica do MPF. A Câmara é responsável pela coordenação e revisão da atuação do Ministério Público Federal na defesa do consumidor, da concorrência e da regulação da atividade econômica, acompanhando as respectivas políticas públicas (https://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr3).

 O “caso” Nigri

Uma serpente quando encurralada mais peçonha secreta. Quanto mais os olhos do país se voltassem para a Lava Jato, mais a recondução do PGR parecia uma imposição lógica. Era preciso desviar a atenção. Daí que, eis senão quando, um vazamento seletivo (a regra de ouro do mecanismo lavajatista!), um “escândalo” tenta tumultuar o jogo: Aras teria atuado para impedir que um empresário fosse investigado por atos antidemocráticos (Aras tentou barrar inquérito após pedido de empresário, indicam mensagens – 

https://noticias.uol.com.br/colunas/aguirre-talento/2023/08/24/aras-tentou-barrar-inquerito-apos-pedido-de-empresario-indicam-mensagens.htm)

A PGR lançou imediatamente nota, a qual não se limitou a esclarecer os fatos, mas desceu o porrete na serpente lavajatista:

Não há qualquer ato do procurador-geral relacionado a tais investigações. A matéria confunde, de forma intencional, atos de terceiros com o procurador-geral com o claro propósito de forjar um escândalo. Essa prática maliciosa tem nome: chama-se fake news.

No mais é lamentável que agentes do Estado se prestem ao papel de vazar conversas telefônicas de forma seletiva e fora de contexto para fomentar intrigas políticas e ataques pessoais.

A tática de produzir escândalos nos jornais para turbinar investigações para destruir reputações é mesquinha e só trouxe prejuízos às instituições e à sociedade como mostra a recente história do país.” (https://www.mpf.mp.br/pgr/noticias-pgr2/2023/pgr-rebate-ilacoes-feitas-a-partir-de-vazamento-de-conversas-que-integram-procedimentos-sigilosos/view)

O factoide recebeu duro comentário do advogado Luiz Carlos da Rocha, o advogado amigo de Lula. Em artigo no portal Bonifácio (“Aras, o empresário e a lei” – https://bonifacio.net.br/aras-o-empresario-e-a-lei/), Rocha escancara a patranha:

“ Em artigo recente (https://www.conjur.com.br/2023-ago-09/luiz-carlos-rocha-lavajatismo-bolsonarizar-aras-lula), eu dizia que “bolsonarizar” Aras e Lula seria a última cartada do lavajatismo para tentar impedir a recondução do procurador-geral da República. Factóide da semana (https://www.metropoles.com/colunas/guilherme-amado/exclusivo-empresarios-bolsonaristas-defendem-golpe-de-estado-caso-lula-seja-eleito-veja-zaps) veio confirmar o dito e, de sobra, revelando que o arsenal de invectivas lajatistas chega ao esgotamento despida de qualquer respeito à inteligência nacional e, principalmente, do presidente Lula. E, convenhamos, subestimar o tirocínio político de Lula não é exatamente inteligente.”

 Com texto técnico, Rocha desmonta uma a uma as peças da artimanha, para depois concluir:

“ Pois bem, a isso se resume o “bolsonarismo” de Aras no caso: fumaça, espuma. Um empresário pede opinião e faz pedidos. Aras não atende nenhum dos pedidos, porque a lei não autoriza. Aras ficou ao lado da lei.

O fato é que um ano de investigações resultaram na decisão do ministro Alexandre de Moraes de arquivá-las. Não havia nada nas conversas privadas entre aqueles brasileiros, empresários afinados ideologicamente com Bolsonaro, que justificasse a continuidade das investigações. Simples assim.

As investigações foram arquivadas contra todos os investigados, menos contra dois. Um deles, Meyer Nigri, o empresário que pediu a opinião de Aras e lhe fez pedidos, que foram todos – todos! – negados, porque não poderiam não ser negados sem violação à lei. Aras, ficou com a lei.

Se o objetivo da matéria jornalística requentada é o de combalir Augusto Aras e evitar sua recondução ao cargo de procurador-Geral da República, o tiro saiu pela culatra. O abominável vazamento, típica prática lavajatista, serviu apenas para ressaltar o perfil garantista do procurador-geral e sua vinculação à lei, mesmo quando interesses privados sejam prejudicados. Entre os devaneios de Nigri e a lei, Aras ficou com a lei. Um lavajatista não faria isso. Um “bolsonarista” também não. Um procurador-geral sim.

Um ano de investigações e a montanha pariu esse rato? Isso é tudo o que o lavajatismo tem a apresentar para tentar garrotear a liberdade do presidente Lula de se quiser, reconduzir o procurador-geral?”

A decisão de Toffoli

A rápida e fulminante resposta do PGR à perfídia lavajatista do vazamento seletivo, e o texto de Rocha no portal Bonifácio (coordenado por Aldo Rebelo) jogou água fria na fervura do “escândalo do empresário bolsonarista”. Mas o que realmente sepultou o estratagema de desviar a atenção da Lava Jato foi a decisão do ministro Toffoli, em 6 de setembro, anulando todas as provas produzidas ilegalmente pelas “investigações” do bunker de Curitiba no contexto do acordo de leniência da Odebrecht:

“(…) Ante o exposto, concedo a extensão da ordem, em definitivo e com efeitos erga omnes, para declarar a imprestabilidade dos elementos de prova obtidos a partir do Acordo de Leniência 5020175-34.2017.4.04.7000, celebrado pela Odebrecht, e dos sistemas Drousys e My Web Day B, bem assim de todos os demais elementos que dele decorrem, em qualquer âmbito ou grau de jurisdição.(…)”(https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15360788741&ext=.pdf).

A decisão de Toffoli é um libelo contra a Lava Jato:

“ Sob objetivos aparentemente corretos e necessários, mas sem respeito à verdade factual, esses agentes desrespeitaram o devido processo legal, descumpriram decisões judiciais superiores, subverteram provas, agiram com parcialidade (vide citada decisão do STF) e fora de sua esfera de competência. Enfim, em última análise, não distinguiram, propositadamente, inocentes de criminosos. Valeram-se, como já disse em julgamento da Segunda Turma, de uma verdadeira tortura psicológica, UM PAU DE ARARA DO SÉCULO XXI, para obter “provas” contra inocentes.” 

 Foi um terremoto que provocou duas atitudes contrastantes. A ANPR – Associação Nacional dos Procuradores da República, embora sem legitimidade, “recorreu” (https://www.anpr.org.br/images/2023/09/ANPR_-_Rcl_43007_STF_-_Min_Toffoli_-_Ag_Interno_-_FINAL_1.pdf … ).

Já Augusto Aras celebrou em post no X (Twitter):

“Viva o Brasil! Enfrentamos nos últimos 4 anos um forte corporativismo apoiado pelas fake news divulgadas pela imprensa desviada que confundiram Justiça com vingança.

Fui acusado de destruir a Lava Jato, quando apenas institucionalizar e despersonalizei o Ministério Público. Hoje a sociedade enxerga o seu legado maldito, o seu ‘modus operandi’, a política, a economia e afronta a soberania nacional.” 

A decisão de Toffoli gerou uma reação em série nas instituições do sistema de controle do Estado nacional:

 ” No mesmo dia da ordem judicial de Toffoli, a AGU (Advocacia-Geral da União) criou uma força-tarefa para verificar se foram cometidas irregularidades na operação; o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), prometeu pedir à Polícia Federal para investigar o acordo de leniência da Odebrecht; e a CGU (Controladoria-Geral da União) afirmou que já analisava a decisão do magistrado antes mesmo de ser notificada sobre a ordem judicial.” (http://abcdoabc.com.br/decisao-sobre-odebrecht-consolida-ofensiva-de-lula-stf-e-pgr-contra-lava-jato/)

É evidente que a decisão de Toffoli só foi possível porque Augusto Aras travou durante quatro anos luta sem quartel para desmontar a maquinaria lavajatista no Ministério Público. institucionalizando o combate à corrupção por meio dos Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos):

“ Os Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos) foram criados no âmbito do Ministério Público Federal (MPF) por resolução do Conselho Superior em 2013, mas sua efetiva implantação começou apenas em 2020. O modelo replica os bem sucedidos Gaecos que existem há mais de 25 anos nos Ministérios Públicos estaduais.

Os Gaecos são grupos permanentes prontos para auxiliar membros do MPF responsáveis por grandes casos e investigações complexas. São formados nas Procuradorias da República nos estados, a partir de critérios claros, com votação entre os procuradores locais.” (https://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/gaeco)

A delação de Mauro Cid

Quando uma a uma das invectivas lavajatistas para afastar a possibilidade de recondução de Aras caiam por terra, veio o acordo de delação do coronel Mauro Cid com a Polícia Federal, em 9 de setembro, no contexto das investigações conduzidas pelo ministro Alexandre de Moraes. Cid estava preso desde 3 de maio no Batalhão do Exército, em Brasília, quando foi alvo de uma operação da Polícia Federal que investiga a inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid no sistema do Ministério da Saúde em favor de membros da sua família e do ex-presidente Bolsonaro.

O ministro Alexandre de Moraes requereu a manifestação da PGR no prazo de 48 horas. Embora o inquérito tramite sob sigilo, a CNN revelou que linha adotada pelo subprocurador-geral da República que assinou a manifestação foi no sentido de apontar procedimentos formais e garantias processuais tradicionalmente defendidos pelo Ministério Público sob a gestão garantista de Aras (https://www.cnnbrasil.com.br/politica/pgr-questiona-falta-de-provas-competencia-do-stf-e-voluntariedade-de-cid-na-delacao-dizem-fontes/).

Isso bastou para que a mídia lavajatista aproveitasse para difundir falsamente que “PGR de Augusto Aras se opõe à delação de Mauro Cid” (https://oglobo.globo.com/blogs/malu-gaspar/post/2023/09/pgr-de-augusto-aras-se-opoe-a-delacao-de-mauro-cid.ghtml). A falsidade recebeu prontamente uma resposta dura de Aras na rede social X:

“ Alerta aos meios de Imprensa que publicaram textos prejudiciais à população

 A Procuradoria Geral da República não é de Augusto Aras. É da República Federativa do Brasil e é pautada pela Constituição. A PGR, portanto, não aceita delações conduzidas pela Polícia Federal, como aquelas de Antonio Palocci e de Sérgio Cabral, por exemplo.

 O Subprocurador-geral da República que se manifestou na delação de Mauro Cid apenas postula que se cumpra a Lei. Ele tem independência funcional para tanto. A imprensa lavajatista, que divulga manchetes e matérias vazadas de processos sigilosos, dando prosseguimento à Operação Lava Jato, da qual foi consorciada, é tão nociva quanto aqueles que fornecem informações deturpadas. 

A repórter Malu Gaspar sabe bem disso, só não deixou claro, e desinformou, em sua coluna.”

A confusão foi promovida também pelas brigadas bolsonaristas, o que levou o portal Terra a fazer um alerta de fake news:

“Não é verdade que o PGR (Procurador-Geral da República), Augusto Aras, disse que invalidaráo acordo de delação premiada firmado entre o ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro (PL), Mauro Cid, e a PF (Polícia Federal). Não registros públicos de que o procurador-geral tenha dado declaração semelhante. Além disso, o MPF (Ministério Público Federal) não tem poder para invalidar um acordo já homologado pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

A falsa alegação acumulava mais de 9.000 compartilhamentos no Facebook e dezenas de milhares de visualizações no Kwai até a tarde desta quarta-feira (13).” (https://www.terra.com.br/noticias/checamos/e-falso-que-augusto-aras-disse-que-vai-invalidar-delacao-de-mauro-cid,293296d7c38ea434a6371a36aba92b675tqvx37t.html#:~:text=%C3%89%20falso%20que%20Augusto%20Aras%20disse%20que%20vai%20invalidar%20dela%C3%A7%C3%A3o%20de%20Mauro%20Cid,-Luiz%20Fernando%20Menezes&text=N%C3%A3o%20%C3%A9%20verdade%20que%20o,a%20PF%20(Pol%C3%ADcia%20Federal)

 Mário Rosa

Em 14 de setembro, o Poder 360 publica artigo de Mário Rosa, que volta a alertar para a gravidade estratégica da escolha que Lula está prestes a fazer. O artigo já diz a que veio já no título: “A escolha do PGR vai revelar mais do Lula 3 que o novo “Supremo” (https://www.poder360.com.br/opiniao/a-escolha-do-pgr-vai-revelar-mais-do-lula-3-que-o-novo-supremo/):

“ Falta questão de horas para que o mandato do atual procurador-geral da República chegue a termo. Portanto, não se trata mais de defender ou ser contrário a nomes. O que importa e fará, aí sim, toda a diferença é a natureza do perfil à frente dessa fundamental instituição da democracia. O que se pode dizer, acima de paixões, é que a PGR (Procuradoria Geral da República), com os poderes a ela conferidos pela Constituição de 1988, é uma instituição que olha muito para o futuro, mas tem um passado sem muitas referências para se guiar, como notou com argúcia o ex-ministro Aldo Rebelo. E o passado recente não foi nada inspirador.

 O fato é que procuradores-gerais, à exceção do ora em exercício, se transformaram em concorrentes do poder político, seja o Poder Legislativo e, ainda mais grave, do Poder Executivo. Direto e reto: os procuradores-gerais, em maior ou menor grau, atribuíram a si mesmos a função de governar o país, concorrendo especialmente com presidentes da República pelo protagonismo político no jogo do poder. “ 

Em 17 de agosto, Mário Rosa já havia escrito no Poder 360 inspirada análise com o título “O grande trabalho de Aras não foi o que fez, mas tudo que não fez…” (https://www.poder360.com.br/opiniao/o-grande-trabalho-de-aras-nao-foi-o-que-fez-mas-tudo-que-nao-fez), no qual mostra que o comedimento e a autocontenção são qualidades do atual PGR que recomendam sua recondução:

“ Já houve procuradores-gerais que, literalmente, entraram armados na sede do Supremo Tribunal Federal com o espírito transbordando de vontade de vingança. Isso Aras nunca fez. Já houve procuradores, gerais ou não, que se tornaram nacionalmente conhecidos pela perseguição implacável de outros seres humanos. Aras? Não, isso ele não fez. 

Já houve tantos e tantos vaidosos que enxergaram o chicote do Ministério Público como trampolim para a autopromoção, para saírem com cartolinas por aí e serem fotografados no auge do clamor, ou pegaram a onda do ódio da opinião pública e surfaram em cima, fossem justas, precisas ou acima da dúvida razoável as acusações. Aras nunca fez isso. 

Dentre a longa lista de serviços prestados por Augusto Aras encontra-se, talvez no topo de tudo, tudo o que ele não fez. Ao assumir, herdou uma instituição corroída pelo personalismo e pelo punitivismo, a tal ponto que resultou na demonização e criminalização serial da política e no envenenamento da democracia. Se a democracia brasileira foi sendo aos poucos resgatada e saiu da UTI, deve uma parte considerável ao trabalho silencioso e discreto de Aras.” 

 Quanto ao suposto “bolsonarismo” da PGR durante a pandemia, Mário Rosa não titubeia em mostrar que Aras livrou o Ministério Público de uma nova captura, agora de sinal trocado:

“ Com a politização da pandemia e a guerra contra Bolsonaro, a CPI da Covid embolou o campo e traçou uma linha: ou era contra Bolsonaro ou a favor. Assim, no auge do calor político, um procurador neutro (não era isso que Dilma esperava?) teria de agir como Aras agiu. Sem viés. Mas a polarização cobrou seu preço e Aras se desgastou pelo que não fez de errado: política. O tempo dirá….”

 A atuação do PGR na pandemia

Mário Rosa tocou no ponto mais sensível para a recondução do atual PGR, a sua atuação na pandemia. Sentindo que era necessário produzir um documento irrefutável em defesa do Ministério Público, Aras, então, como escreveu Rochinha, “desce ao play”:

Ao invés de limitar-se a conversas de bastidores para defender o Ministério Público de acusações de desvio de sua missão constitucional na pandemia, o procurador-geral anuncia para breve um livro sobre o seu legado no esforço nacional de luta contra a Covid. Demonstrando coragem política e segurança sobre o valor de sua obra, Augusto Aras convoca os seus oponentes para o debate à luz do dia. Tal iniciativa, convenhamos, não condiz com a imagem de um soturno e temeroso engavetador ou um ardiloso prevaricador.

Com o lançamento do livro, o PGR oferece à sociedade a possibilidade de promover o cotejo entre a acusação genérica de que “se omitiu na pandemia” e “protegeu Bolsonaro” e a intensa atividade extrajudicial e judicial perante o Supremo Tribunal Federal para que governadores e prefeitos pudessem atuar na defesa dos interesses das suas populações durante a pandemia.” (https://www.conjur.com.br/2023-ago-09/luiz-carlos-rocha-lavajatismo-bolsonarizar-aras-lula)

A desinformação irresponsável (e criminosa) que a mídia lavajatista promoveu durante a pandemia, fez com que o Conselho Nacional do Ministério Público e o Ministério Público Federal se levantassem em defesa da Procuradoria Geral da República através da publicação de um livro, com 330 páginas – “Ações que salvam – como o Ministério Público se reinventou para enfrentar a Covid-19” ( https://www.mpf.mp.br/portal/o-mpf/sobre-o-mpf/gestao-estrategica-e-modernizacao-do-mpf/sobre/publicacoes/publicacoes-arquivos/acoes-que-salvam-como-o-ministerio-publico-se-reinventou-para-enfrentar-a-covid-19?nocache100) -, para demonstrar que não houve por parte do PGR qualquer retardo ou “engavetamento” no encaminhamento das conclusões do relatório da CPI da Covid.

O trabalho do PGR e de centenas de procuradores da República, promotores de Justiça e servidores no enfrentamento da Covid foi reunido no livro, em cuja  introdução se lê:

“ A disseminação da doença colocou à prova a ordem constitucional e suas instituições. Em casa onde falta o pão, todos brigam, e ninguém tem razão. A doença provocou escassez, e a escassez estimulava a lógica do salve-se quem puder. A irrupção de litigiosidade ameaçava estender a crise sanitária para outras dimensões da vida nacional, além de colocar todos contra todos e erodir a sociabilidade.”

 Em razão disso, um novo Ministério Público surgiu do enfrentamento do vírus:

“ Nesse período, o Ministério Público seguiu firme e paciente, em meio a um momento de guerra pela vida, em que, a cada dia, o tempo de tomar providências era o tempo do agora! Primeiro, o diálogo, a solução imediata: o oxigênio, o remédio, a vida. Depois, a responsabilização administrativa, civil e penal, pelos meios tradicionais de controle. Vieram ambos, a solução e o controle, cada qual no seu devido tempo e modo.” 

As acusações de que o PGR se omitiu diante de crimes cometidos por Bolsonaro durante a pandemia são refutadas por Rocha, o advogado que lutou com Lula contra o bolsonarismo, que alerta os incautos de que “não existe lavajatismo ‘do bem’”:

“Assim, o Congresso considerou que não havia fundamentos políticos para o impeachment do ex–presidente por sua condução das políticas de combate à pandemia. Ao procurador-geral da República somente cabia abrir investigações e movimentar a persecução penal contra o ex-presidente em caso de cometimento de atos que atentassem contra a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses individuais e sociais indisponíveis (artigo 127 da CF). O juízo político não é atribuição do procurador-geral da República. Não existe lavajatismo “do bem”.

 De fato, na página 152 do livro (item 2.8.3 – O impulsionamento das investigações sob a supervisão do Supremo Tribunal Federal), o Conselho Nacional do Ministério Público e o Ministério Público Federal descrevem o procedimento adotado pela PGR quando da entrega do relatório final da CPI da Covid, em 27 de outubro de 2021:

“ A par das petições que já se encontravam em curso perante o STF, originadas de representações criminais apontando supostos crimes praticados no contexto da pandemia de Covid-19 por autoridades com prerrogativa de foro perante a Suprema Corte, a Procuradoria-Geral da República, com base no relatório final da CPI, protocolou 10 novas petições, com os seguintes objetos:

Petição 10.056 (relatora Ministra Cármen Lúcia): atribuída a suposta prática do crime de falsificação de documento público (art. 298 do Código Penal) ao ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro.

 Petição 10.057 (relator Ministro Dias Toffoli): atribuída a suposta prática do crime de infração de medida sanitária preventiva, previsto no art. 268, na forma do art. 69, ambos do Código Penal, ao ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro.

 Petição 10.058 (relatora Ministra Rosa Weber): atribuída a suposta prática do crime de advocacia administrativa (art. 321 do Código Penal) pelo deputado federal Ricardo José Magalhães Barros.

 Petição 10.059 (relator Ministro Dias Toffoli): atribuída a suposta prática do crime de epidemia majorado pelo resultado morte (art. 267, § 1º, do Código Penal) ao ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro, em concurso com o ex-ministro de Estado da Saúde Marcelo Antônio Cartaxo Queiroga Lopes, o ex-ministro-chefe da Casa Civil Walter Souza Braga Netto, o ex-ministro de Estado da Saúde Eduardo Pazuello, o ex-secretário executivo do Ministério da Saúde Antônio Élcio Franco Filho, o ex-subchefe de Monitoramento da Casa Civil Heitor Freire de Abreu, o ex-secretário de Ciência e Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde Hélio Angotti Netto e o deputado federal Osmar Gasparini Terra.

 Petição 10.060 (relatora Ministra Rosa Weber): atribuída a suposta prática do crime de emprego irregular de verbas ou rendas públicas (art. 315 do Código Penal) pelo ex-presidente da República Jair Messias Bolsonaro e pelo ex-ministro de Estado da Saúde Eduardo Pazuello, ao ordenarem a produção do fármaco cloroquina para utilização no combate à Covid-19, sem que, para tanto, tivesse o aval da Anvisa.

 Petição 10.061 (relatora Ministra Rosa Weber): suposta prática do crime de charlatanismo (art. 238 do Código Penal) imputada ao então presidente da República Jair Bolsonaro.

 Petição 10.062 (relator Ministro Ricardo Lewandowski): atribuída a suposta prática do crime de prevaricação (art. 319 do Código Penal) pelo ex-ministro-chefe da Controladoria-Geral da União Wagner de Campos Rosário, na medida em que teria ignorado aspectos relevantes na compra do imunizante Covaxin, principalmente no que importa às propostas de preço; à tentativa de receber o pagamento de forma adiantada; ao histórico já com o caso Global Gestão em Saúde, sucedida pela Precisa; e à participação de Marconny Nunes Ribeiro Albernaz Faria nas tratativas – nome que já era conhecido pela CGU, uma vez que tal pessoa teria tentado interferir na compra de doze milhões de testes rápidos para a Covid-19 no Ministério da Saúde.

 Petição 10.063 (relator Ministro Nunes Marques): atribuída a suposta prática do crime de formação de organização criminosa (art. 2º, caput, da Lei 12.850/2013) ao deputado federal Ricardo José Magalhães Barros, atuando, em conjunto com terceiros, em favor das empresas de Francisco Maximiano, no que importa à aquisição do imunizante Covaxin.

 Petição 10.064 (relator Ministro Luís Roberto Barroso): atribuída a suposta prática do crime de incitação ao crime (art. 286 do Código Penal) a Jair Messias Bolsonaro, Onyx Dornelles Lorenzoni, Flávio Nantes Bolsonaro, Ricardo José Magalhães Barros, Eduardo Nantes Bolsonaro, Osmar Gasparini Terra, Beatriz Kicis Torrents de Sordi, Carla Zambelli Salgado de Oliveira e Carlos Roberto Coelho de Mattos Júnior.

 Petição 10.065 (relatores Ministra Rosa Weber e Ministro Luiz Fux): atribuída a suposta prática do crime de prevaricação (art. 319 do Código Penal) a Jair Messias Bolsonaro, com possível concurso de Eduardo Pazuello, Élcio Franco Filho e Marcelo Antônio Cartaxo Queiroga Lopes, no caso envolvendo a aquisição da vacina Covaxin.”

 No livro, o CNMP e o MPF dão as razões para que a continuidade das investigações da CPI fosse elevada à supervisão do STF:

“ Ao submeter à supervisão do Supremo Tribunal Federal a continuidade das investigações dos fatos indicados no relatório final da CPI, a Procuradoria-Geral da República buscou manter a validade dos elementos de prova coletados, observando-se o devido processo penal e evitando-se alegações futuras de nulidades processuais.

 O livro esclarece que irregularidades formais ameaçavam de futuras nulidades o trabalho da CPI e como a PGR atuou para corrigi-las:

” Já sob a supervisão do Supremo Tribunal Federal, a Procuradoria-Geral da República buscou sanar irregularidades que redundariam em nulidade futura da persecução penal. Primeiramente, verificou-se que não havia sido concedida, pela comissão parlamentar, oportunidade para os indiciados requererem ou apresentarem elementos de prova. De outro lado, buscou-se sanar a ausência, no relatório final da comissão, do apontamento de correlação entre os fatos delitivos narrados e elementos indiciários de materialidade e autoria.

  Para sanar a primeira irregularidade, a Procuradoria-Geral da República requereu a intimação dos indiciados para apresentarem as suas razões, o que foi deferido pelos Ministros Relatores.

 Já a ausência de apontamento da correlação entre fatos narrados e elementos de prova colhidos, bem como o gigantesco volume de documentos colhidos pela CPI (em torno de 10 terabytes de informações), gerou inicialmente certo embaraço na tramitação desses processos.

 O livro revela que os percalços que se seguiram à entrega à PGR do relatório final da CPI e da imensidão de documentos (10 terabytes), em 27 de outubro de 2021, somente foram solucionados em 21 de fevereiro de 2022:

“Num primeiro momento, o Senado Federal reconheceu que a relação anexa referida à folha 1138 do Relatório Final não fora entregue e que, em vez da indispensável indexação lógica de materialidade e indícios de autoria, a CPI da Pandemia havia realizado apenas uma triagem parcial no universo de 10 terabytes de conteúdo, pelo software Copernic, para identificar quais documentos “continham o nome” do respectivo indiciado. Esclareceu-se, ademais, que o procedimento havia sido realizado com erro material.”

(…)

Em 21 de fevereiro de 2022, os senadores da República Omar Aziz, Randolfe Rodrigues e Renan Calheiros apresentaram à Procuradoria-Geral da República as informações relativas à correlação entre fatos, condutas e documentos que fundamentaram os indiciamentos. As mesmas informações foram protocoladas, por meio de petições subscritas pela Advocacia do Senado, nas dez petições em tramitação no Supremo Tribunal Federal.

 A partir do encaminhamento da documentação, seguiram-se os procedimentos de praxe, nos quais o Ministério Público Federal e a autoridade policial avaliam a higidez da cadeia de custódia da prova e apreciam o conjunto indiciário colhido, para deliberação quanto à adoção das providências previstas no caput e nos §§ 1º e 3º do art. 1º da Lei 8.038/1990105.”

Para que os cuidados do Ministério Público com a estrita legalidade das investigações da CPI da Pandemia não fossem mal interpretados como excessivo formalismo, o livro explica:

“A persistência do Ministério Público Federal com a regularidade formal dos indiciamentos realizados pela CPI visava evitar alegações futuras de nulidades decorrentes de práticas investigatórias violadoras dos direitos fundamentais dos investigados, como fishing expedition e document dump.”

(…)

Ao Ministério Público Federal compete não só a persecução penal, mas igualmente a defesa dos direitos fundamentais de todos os cidadãos, inclusive dos investigados, e a higidez do processo penal, a partir das balizas constitucionais e legais.”

 Como é dirigido ao público, o Ministério Público esclarece o que são fishing expedition e document dump, alertando que constituem irregularidades formais que têm levado à anulação de investigações pelo Poder Judiciário:

“Fishing expedition consiste em investigação ou persecução penal especulativa indiscriminada, sem objetivo definido, em que se vasculha a vida de uma pessoa em busca de um fato que possa ser interpretado como ilícito ou crime, inclusive para alcançar terceiros. O método investigativo não é admitido no ordenamento jurídico brasileiro, na linha de inúmeros precedentes do Supremo Tribunal Federal, além de poder configurar abuso de poder, crime contra a administração da Justiça e crime contra a vida privada das pessoas.

 Por outro lado, o impressionante volume de 10 terabytes de informações aleatórias e não indexadas, com que a CPI buscou fundamentar os indiciamentos, estava a caracterizar document dump, ou seja, despejo de provas inúteis no processo, prática também inadmitida no direito brasileiro. Ao restringir o contraditório e a ampla defesa, a prática afasta a legitimidade da persecução penal por impossibilitar a demonstração da justa causa, vale dizer, a conexão lógica entre fatos, condutas e indiciamentos.”

O livro lembra que foi a desatenção com a legalidade processual que resultou na anulação das investigações contra o ex-presidente Michel Temer:

“ A título de exemplo, em maio de 2021, na Ação Penal 0001238-44.2018.4.01.3400, o juiz Marcus Vinícius Reis Bastos, da 12ª Vara Federal do Distrito Federal, absolveu sumariamente o ex-presidenteMichel Temer e outros réus, da acusação de integrarem organização criminosa, ao considerar que a denúncia traduzia “tentativa de criminalizar a política (…) sequer se dando ao trabalho de apontar elementos essenciais à caracterização do crime de organização criminosa (tipos objetivo e subjetivo), em aberta infringência ao art. 41 da Lei Processual Penal” (grifamos).”

O livro esclarece que a atuação cuidadosa da PGR na continuidade das investigações abertas pela CPI visava corrigir problemas problemas de gestão documental do Senado com o imenso volume de informações que a comissão parlamentar coletou:

“ Segundo esclarecimento do Senado Federal apresentado ao Supremo Tribunal Federal, o assombroso volume de documentos desconexos que acompanhou o relatório final da CPI da Pandemia teve como causa uma imprevista incapacidade de meios materiais e humanos para dar tratamento adequado à massa de informações que a comissão recebeu como resultado de suas amplas iniciativas investigatórias.

Na página 1139 do relatório final, a comissão destaca que:

‘ Dada a exiguidade do prazo de funcionamento da Comissão Parlamentar de Inquérito, não foi possível ultimar o processamento e a classificação de todo o acervo de dados sigilosos arrecadados, que contava já em setembro com 2.433.369 arquivos, divididos em 8.570 pastas, consubstanciando aproximadamente 1.240GB de informação. Quanto aos documentos ostensivos, apurou-se na última contagem 71.667 arquivos, divididos em 3.147 pastas, totalizando-se 991 GB de informação.

 Há, pois, um volume de 2.231GB de informações a serem analisadas. Somente para se ter uma noção aproximada dessa magnitude de informações, esse quantitativo corresponde, aproximadamente, a 144.528.642 páginas; ou a 3.187 horas de vídeos; ou a 6.374 horas de áudio.”

 O Senado informou ao Supremo que o volume de informações era 2,2 TB, mas o Ministério Público identificou que era de 10 Terabytes de documentos não indexados, o que caracterizaria document dump, causa certa de futura nulidade processual:

“ Posterior perícia realizada pela Secretaria de Perícia, Pesquisa e Análise do Ministério Público Federal nos dois HDs recebidos da CPI revelou que o volume de dados e documentos era ainda superior ao descrito no relatório da comissão, alcançando 10 terabytes de documentos não indexados.

A persecução penal deflagrada com base em tal acervo poderia resultar na futura declaração de nulidades processuais, sob a alegação de impossibilitar a defesa dos indiciados e o exercício da ampla defesa e do contraditório.”

 O livro esclarece também que o Ministério Público buscou preservar a cadeia de custódia das provas (art. 158-A do Código de Processo Penal), pois “a preservação da cadeia de custódia é o cerne que legitima a materialidade do ilícito, sendo fundamental quando se trata de prova cuja produção ocorre fora do processo.” (pág. 173)

O Ministério Público esclarece no livro a importância da preservação da cadeia de custódia das provas, ao lembrar que:

 “em 17 de março de 2023, o Ministro Ricardo Lewandowski concedeu habeas corpus de ofício para trancar as Ações Penais 5063130-17.2016.4.04.7000/PR (Caso “Sede do Instituto Lula” – autos 1033115-77.2021.4.01.3400/ DF) e 5044305-83.2020.4.04.7000/PR (Caso “Doações ao Instituto Lula” – autos 1017822- 67.2021.4.01.3400/ DF), em razão do comprometimento da cadeia de custódia e higidez técnica dos elementos probatórios que fundamentaram a denúncia.” 

A decisão do ministro Toffoli, de 6 de setembro, declarando imprestáveis as provas que subsidiaram o acordo de leniência da Odebrecht teve na sua origem a quebra da cadeia de custódia pelos justiceiros lavajatistas, como escreveu o advogado Pierpaolo Cruz Bottini, no Conjur (https://www.conjur.com.br/2023-set-18/direito-defesa-decisao-toffoli-precedentes):

Em 2020, o então advogado de Lula, hoje ministro Cristiano Zanin, recorreu ao STF para pedir acesso a um acordo de leniência firmado pela Odebrecht com o Ministério Público Federal, que embasava acusações criminais contra seu cliente. O então ministro Ricardo Lewandowski deferiu o pedido e determinou que os procuradores compartilhassem com o advogado documentos obtidos naquela leniência, dentre os quais dois sistemas de informações onde a Odebrecht guardava dados sobre supostas corrupções e propinas — o Drousys e o My Web Day —, e informassem como foram acessados.

(…)

Nelas, um dos procuradores diz que os arquivos dos sistemas Drousys e My Web Day foram recebidos em sacolas de supermercados e plugados diretamente nos computadores dos investigadores, sem espelhamento para preservar seu conteúdo, e que peritos chamados para garantir a integridade dos atos não encontravam os arquivos originais. Outro afirma: “Tá aí a cadeia de custódia”, referindo-se ironicamente às regras previstas em lei para garantir a validade de provas digitais. Um terceiro, talvez com mais tino, reconheceu a surrealidade do procedimento.” 

 O  livro do Ministério Público revela, enfim, que o material entregue pela CPI não  foi “engavetado”, mas cuidadosamente processado sob a supervisão do Supremo Tribunal Federal, com respeito ao devido processo penal democrático. O STF, ele sim, arquivou algumas das investigações oriundas do relatório da CPI da Covid, por não estarem presentes os requisitos legais para a continuidade das investigações (que tecnicamente chama-se de justa causa). Outros inquéritos continuam em tramitação. Tudo na forma a lei.

Até o momento, sete dos dez inquéritos abertos no Supremo a pedido do PGR foram arquivados pelos ministros Dias Toffoli, Rosa Weber, Ricardo Lewandowski, Nunes Marques e Luiz Fux. Os outros três inquéritos estão na fase de verificação da legitimidade dos indiciamentos pela perícia das provas pela Polícia Federal, conforme solicitado pela PGR.

Mas para além da atuação judicial como desdobramento das investigações da CPI da Covid, a grande contribuição da PGR e do STF foi evitar que se instalasse um conflito federativo no início da pandemia. Recomendo a leitura da parte do livro que descreve como o Ministério Público colocou-se ao lado os governadores e prefeitos para conter a intenção da União de avassalar as competências dos demais entes federativos. Ao afastar o conflito federativo, afastou-se o risco de caos social.

O livro diz no título que o Ministério Público se reinventou. Fui ler o livro para ver se o título guardava pertinência com os fatos ou era mera propaganda. Encontrei uma impressionante atuação extrajudicial, com a transformação de condutas, práticas e procedimentos, privilegiando a interlocução criadora de soluções imediatas em detrimento da diferida fiscalização opressora (atrás da qual muitas vezes se esconde a preguiça de servidores públicos). Chamou-se a atenção este trecho:

“ Epidemias são enfrentadas com órgãos centrais para que não se perca a cadeia de comando e não se permita o caos social.” (Augusto Aras, Procurador-Geral da República)

A magnitude dos interesses e dos riscos e a instalação do tempo presente como o único tempo aceitável para a ação resolutiva determinaram uma nova atuação do Ministério Público. Os meios tradicionais não detinham a resolutividade necessária e revelavam-se inadequados aos complexos desafios da luta nacional contra a pandemia. Além disso, apresentavam-se como elementos potencializadores de ambiente social e institucional já demasiadamente conflituoso e conturbado:

 “Nos primeiros meses da pandemia, um prefeito de uma capital do Brasil nos procurou se queixando que tinha 5 mil notificações, decisões judiciais, recomendações, ofícios, ordens para fazer, para adotar medidas, que entre si eram contraditórias. (Procurador-Geral da República Augusto Aras)”

Recomendo fortemente a leitura dessa atuação extrajudicial, que foi catalisada e coordenada pelo Gabinete Integrado de Acompanhamento da Epidemia de Covid-19 (GIAC-COVID19), presidido pessoalmente pelo PGR Augusto Aras, com o apoio da subprocuradora-geral Célia Delgado. Isso está lá a partir da página 33:

“Criado o gabinete integrado, abriu-se um amplo canal de diálogo interno no Ministério Público brasileiro. No dia seguinte à criação do novo órgão, os trabalhos foram iniciados com a fixação dos eixos de atuação, bem como com diversas providências a partir das questões do acesso de exames diagnósticos para a população, as consequências práticas da suspensão de aulas nas redes pública e privada de ensino, o gerenciamento da situação nos presídios, o abastecimento nacional de alimentos e de produtos essenciais, sobretudo para a prevenção da doença e os impactos no setor aéreo .”

A atuação extrajudicial é a melhor parte de todo o livro. A leitura de alguns trechos emociona, como os que tratam da atuação imediata para que a crise do oxigênio não se estendesse de Manaus para outros pontos do país (no que teve papel fundamental a subprocuradora-geral Lindôra Araújo), a solução para o fornecimento de kits de intubação, a inclusão dos “invisíveis” no benefício emergencial.

O trabalho do Ministério Público reuniu um exército de servidores públicos dedicados 24 horas por dia para evitar o caos. Considero um gesto de grandeza da PGR haver listado no livro os nomes de todos os membros focalizadores, de todos os estados da Federação.

Enfim, o livro “Ações que salvam – como o Ministério Público se reinventou para enfrentar a Covid-19” (https://www.mpf.mp.br/portal/o-mpf/sobre-o-mpf/gestao-estrategica-e-modernizacao-do-mpf/sobre/publicacoes/publicacoes-arquivos/acoes-que-salvam-como-o-ministerio-publico-se-reinventou-para-enfrentar-a-covid-19?nocache100) deita por terra a avalanche a afirmação desinformativa de que o Ministério Público teria sido leniente na pandemia. Lula sabe de tudo isso. O exemplar número 1 do livro foi-lhe entregue em mãos pelo PGR Augusto Aras.

O tempo de Lula

Lula nunca arredou o pé da sua decisão de considerar como ponto fundamental os serviços já prestados para desarticular a maquinaria lavajatista:

“Eu sempre tive o maior respeito pelo Ministério Público, era uma das instituições que idolatrava neste país. Depois dessa quadrilha que o Dallagnol montou eu perdi muita confiança. É um bando de aloprado, ou seja, que acharam que poderiam tomar o poder, saíram atacando todo mundo ao mesmo tempo, atacando o Governo, o Poder Executivo, o Legislativo, a Suprema Corte. Eles fizeram a sociedade brasileira refém muito tempo” (https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2023/08/01/interna_politica,1539180/lula-sobre-dallagnol-montou-uma-quadrilha-no-ministerio-publico.shtml)

Para o desgosto da mídia lavajatista, Lula está vacinado contra pressão:

“ Às vezes a imprensa contribui para o bem e contribui pro mal. Na época da Lava-Jato, um grande setor da imprensa se deixou enganar pelo Moro e pelo Ministério Público, e eles não têm coragem de reconhecer que se enganaram, então eles vão continuar contando a mesma história”.

O cuidado de Lula com o assunto é tamanho que ele disse que escolherá primeiramente o PGR e só depois o substituto de Rosa Weber no Supremo. Isso para evitar que um “estranho” sente na poderosa cadeira do PGR (https://www.diariodepernambuco.com.br/noticia/politica/2023/08/lula-avisa-a-ministros-que-decidira-pgr-antes-de-novo-ministro-do-stf.html).

Em 16 de setembro, a dez dias do término do mandato do atual PGR, a imprensa noticia que “Lula tem indicado que a indefinição sobre o sucessor de Aras tem como principal ingrediente o fato de ele não ter confiança e intimidade suficiente com nenhum dos nomes postos até agora” e que, portanto, ele ampliará o rol dos interlocutores e “o presidente não descarta que um terceiro nome surja na disputa” (https://www.cnnbrasil.com.br/politica/corrida-por-pgr-afunila-entre-gonet-e-bigonha-mas-lula-diz-a-aliados-estar-aberto-a-novas-indicacoes/?utm_source=flipboard&utm_content=user%2FCNNBrasil)

E nisso estamos, a poucos dias ou horas da decisão de Lula a respeito do nome que indicará ao Senado Federal para o cargo de Procurador-Geral da República no próximo biênio. Para alguns observadores, a demora sugere que Lula não quer encontrar o substituto. Ele quer reconduzir Aras e sabe que o tempo corre em favor da recondução, inclusive porque  Aras passa no Senado com um pé nas costas.

 

A opinião do Congresso foi objeto das conversas em Nova Iorque, onde Lula abriu a Assembleia Geral da ONU. Na sua comitiva 25 parlamentares, de situação e oposição, inclusive o presidente da Câmara, Rodrigo Pacheco, o presidente da Câmara, Arthur Lira, e o presidente da CCJ do Senado, David Alcolumbre, e Jaques Wagner, líder do governo no Senado, os quatro apoiadores da recondução do atual PGR (https://oglobo.globo.com/mundo/noticia/2023/09/15/comitiva-de-lula-para-viagem-a-ny-tem-25-parlamentares-e-inclui-ate-oposicao-veja-lista.ghtml ).

 

Assim como o esperto Dom João VI “comprou tempo” para esquivar-se da pressão da máquina de guerra de Napoleão e nos deu o Brasil gigante (com a vinda da família real), Lula sabe que o tempo alivia a pressão de Napoleões que querem cavalgar o poder que o povo lhe conferiu.

 

Quando o ex-presidente Sarney, Aldo Rebelo, Jaques Wagner, Rui Costa, Luís Costa Pinto, Luiz Carlos da Rocha, Jorge Bahia, Mário Rosa, exercem pacientemente sua pedagogia esclarecedora em artigos e depoimentos, não é a Lula que querem convencer. Lula tem consciência do que é melhor para ele e seu governo.

 

Os que escreveram e falam em favor da recondução do atual PGR o fazem para esclarecer a sociedade do óbvio: retornar o Ministério Público à missão constitucional de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses individuais e sociais (art. 127 da Constituição) é obra ainda inconclusa, que demanda coragem e experiência para ser levada a bom termo no próximo biênio. O resto é lavajatismo hipócrita ou ingênua lacração “progressista”. Esta tem cura, aquele, não. Alea jacta est.

 

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