Em entrevista ao Canal UM BRASIL, escritor português comenta que, para europeus, com costumes de organização e classificação definidos, chegar ao Brasil se torna desafiante
Segundo um dos escritores mais influentes da língua portuguesa, a identidade do que é ser brasileiro ainda carrega uma “aura” quase indecifrável para boa parte dos povos europeus. Para muitos deles, o “Brasil é, sobretudo, uma espécie de festa contínua, um verão único e uma propensão a uma resistência e à sobrevivência dotada de alegria, ainda que desafiada pela pior das agruras”, declara Valter Hugo Mãe.
Em entrevista inédita ao Canal UM BRASIL — uma realização da FecomercioSP —, Hugo Mãe conta que a imagem “sedutora” que os portugueses carregam do brasileiro, “de um povo que não interrompe a sua solaridade”, ficou mais evidente para ele durante a primeira vez em que esteve no País.
Para um europeu, que, geralmente, costuma contar sempre com organização e classificação definida do que são as pessoas e os lugares, chegar ao Brasil se torna desafiante. “Estar disponível para todos os sentidos e todos os caminhos é algo que está no radical do brasileiro. O cidadão brasileiro é um pouco impreciso. Aqui, a coisa é só tendente e isso está em tudo: um católico tem sua mãe de santo, que também é única para ele; para quem vem de uma perspectiva muito rigorosa e de uma concessão profundamente sacralizada, isso é uma libertação.”
Marco cultural
O escritor ainda enfatiza como a cultura brasileira foi um marco para a superação de preconceitos presentes na cultura portuguesa no fim do século passado. “A influência que o Brasil teve em Portugal — em mim e em bastante gente da minha geração —, com a força das telenovelas no fim dos anos 1970, traz uma inscrição de empoderamento (como se diria hoje), uma libertação perante preconceitos antigos, algo impactante, inclusive, para a libertação da mulher. Isso foi fundamental para formar as novas gerações”, explica.
Na entrevista, Hugo Mãe ainda fala sobre as condições humanas mais manifestadas no seu processo de escrita. “Eu sempre tenho a intenção de mexer naquilo que verdadeiramente me incomoda. Há escritores que passam a vida inteira falando sobre temas amenos. Eu prefiro alguma coisa que até me insulte, mas que traga um propósito nesse insulto”, afirma. “Eu prefiro o que expõe o perigo ao qual cada um de nós pode estar exposto, o que verdadeiramente pode ser pensado sobre homens brancos, europeus, brasileiros, negros, homossexuais, mulheres, velhos. Prefiro que o discurso seja deflagrado e impiedoso para que eu possa perceber até que ponto a humanidade pode inclinar e infetar cada um de nós.”