Análise crítica sobre os desafios enfrentados pelo Brasil ao longo de 80, destacando política, economia e ética na luta pela soberania. Por Felipe Maruf Quintas e Pedro Augusto Pinho
No início era o mercado e o mercado era Deus
A “Nova República” teve início em 1985, com a vitória de Tancredo Neves-José Sarney e da posse de Sarney, como presidente do País. Os novos detentores do poder criaram uma “História do Brasil” para justificar o título de redemocratização e, portanto, a sua própria posição política.
A “democracia” foi alçada a bem supremo, a despeito das iniquidades a ela associadas, e o “autoritarismo” a mal absoluto, independentemente dos avanços e progressos nele realizados.
“Esse período é tido como a segunda fase democrática da história brasileira (a primeira foi o período da República de 1946, que se estendeu de 1946 a 1964)”, como se lê no Google ao perguntar: quando começa a Nova República?
Observe-se que todo período onde o Brasil exerceu sua Soberania de Estado Nacional, de 1930 a 1945, de 1950 a 1954, e de 1967 a 1985, apenas o segundo foi considerado “democrático”.
Não interessa aos capitais apátridas ter a história de sucesso e superações no Brasil. Então a chama de ditadura. Mas a democracia não consegue esconder fatos do cotidiano do “Brasil Redemocratizado”, como assassinatos de pobres, negros, jovens que não encontram emprego, porque as finanças usam os recursos da informática para substituir pessoas por robôs, e produzem muito pouco.
A construção do Estado Soberano, em toda parte repleta de acontecimentos condenáveis, do ponto de vista do entendimento contemporâneo de democracia, não foi mais severa no Brasil. Ao contrário, significou a ampliação inaudita da prática e dos horizontes da cidadania.
Teriam os líderes democráticos de 1946 mantido a legislação trabalhista sem que o Estado Novo a tivesse consolidado? Teriam os líderes democráticos de 1988 criado o Sistema Único de Saúde (SUS) sem que a ditadura militar tivesse instituído o Sistema Nacional de Saúde para coordenar de forma unificada as políticas de saúde?
Porém, à luz dos ideólogos e repetidores do status quo, nada disso tem qualquer significação apenas por ter transcorrido em períodos autoritários, como se a história não fosse processo tenso e contraditório, mas simples dicotomia moralista entre bem e mal absolutos.
O Estado não é Nacional mas colonizado, usado pelos verdadeiros detentores do Poder para agir conforme seus interesses, ora prendendo, ora soltando, ora proibindo, ora liberando, mas sempre fazendo escoar as riquezas nacionais para o exterior.
Pode-se afirmar que o neoliberalismo que toma conta do Brasil a partir do governo Collor, ainda que gestado no bojo do Estado brasileiro nos governos Figueiredo e Sarney, tem sido o grande senhor do Brasil Independente, ou seja, desde 1822. Os períodos que o Google não considera “democráticos” são justamente os poucos que, sem radicalismo, o Brasil exerceu sua soberania.
Soberania se opõe à colonização. Temos exemplos atuais, do século 21, de países como a República Popular da China (China), talvez o mais democrático de todos, pois tem no sistema de assembleias populares o arranjo político fundamental que coloca, efetivamente, o povo como dono do país.
Mas o liberalismo organizou o sistema de engodo, verdadeira arapuca astuciosa, que coloca, para eleições, candidatos, majoritariamente quando não exclusivamente, que só representam o poder colonizador, e são apresentados como os melhores, os mais sábios e honestos, para voto da população. E depois, afirmam que o povo não sabe votar, pois nem se lembra em quem votou nas eleições passadas.
Mas como se lembrar de nome surgido sem que tivesse crescido em ações dentro da comunidade, discutindo soluções, apresentando alternativas, explicando os diversos vetores que resultam na realidade que vivem e desejam transformar?
Ética no neoliberalismo
O fator formador de riqueza sempre foi o trabalho, onde o homem usa os recursos da natureza para produzir tudo que as complexidades da própria vida e das relações sociais vão exigindo no tempo. Quanto mais sofisticadas são estas interações, mais profundamente se desenvolvem os contatos, mais o homem vai procurando recursos intelectuais para dar respostas satisfatórias.
Este é o processo que levou o homem a sair da África há 150 mil anos, chegar às Américas há 25 mil anos, já com diversos saberes para sobreviver aos climas e às naturezas hostis, além das disputas com outros grupamentos humanos, ou seja, o homem detentor de tecnologias.
Quanto mais avançam em conhecimentos mais rapidamente estes evoluem: a descoberta do carvão mineral, como fonte primária de energia, se deu em meados do século 18, o petróleo chega na segunda metade do século 19, cerca de um século, a energia da fissão nuclear, na década de 1940, 90 anos, e já se descobre a fusão nuclear, em 2020, após 80 anos.
Toda esta aceleração se traduz em mudanças de costumes, de meios de comunicação, de maiores liberdades e mais complexos recursos na vida cotidiana. O homem, além do conhecimento científico, precisa também do conhecimento de si mesmo, noção introduzida no Ocidente a partir de Sócrates mas já existente anteriormente nas civilizações orientais.
Confúcio, cujo pensamento conduz há quase 3 mil anos a civilização mais antiga e das mais prósperas no mundo de hoje – a chinesa – ensinava que duas palavras sintetizam a vida humana: o saber (tao) e a virtude (te). Saber sem virtude torna o homem um animal perigoso.
“Um homem a quem falta seriedade não inspira admiração. Estabeleça como princípio fazer o melhor pelos outros e ser coerente com o que diz. Quando cometer um erro, não tenha medo de corrigi-lo” (Analectos, I, 8).
O neoliberalismo é o oposto. Afinal não está no trabalho, mas na astúcia, no engodo, que obtém os ganhos, explorando o trabalho de outros.
O economista alemão Friedrich List, teórico dos sistemas nacionais de economia política teuto-estadunidenses, que consagrou o princípio nacionalista sobre o cosmopolita nas relações comerciais entre os países, afirmava ser o liberalismo a doutrina de piratas e não de mercadores. Claro: uma doutrina que confere centralidade ao individualismo assume a primazia da esperteza, individual, sobre a ética, social. Assim é o neoliberalismo, que restaura o individualismo liberal em tempos de globalização financeira acelerada.
O que é o financismo fundiário senão a apropriação, por qualquer meio, do espaço onde irá viver e trabalhar outro ser humano? O que é o financismo financeiro, senão aproveitar da necessidade do outro para que ele lhe transfira significativo valor do que obteve com o trabalho? O que é o financismo marginal senão promover as fraquezas humanas em fonte de recursos, vendendo drogas, corrompendo e escravizando pessoas em seu benefício?
O neoliberalismo, como pensamento político das finanças, é profundamente antiético. E tem no mundo ocidental cerca de 500 anos, considerando as primeiras manifestações do capitalismo financeiro, mas com revisões, aguçamentos, nos últimos cem anos.
O domínio das comunicações é fundamental para o neoliberalismo.
Este domínio começa na edição dos livros escolares, nas difusões de informações no mínimo questionáveis, e avança nestes últimos 30 anos nas comunicações digitais, virtuais.
E o domínio é integral. Domínio dos equipamentos, do hardware da comunicação, facilitando que haja muito mais celulares do que, percentualmente, aparelhos de televisão nos lares estadunidenses nos anos 1950. Domínio do software, pois os sistemas estão controlados por permanentes “atualizações”, que são construídas com perfis das vítimas, direcionando aos canais de maior alienação e aceitação da ideologia neoliberal.
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