Por Luís Antonio Paulino
Com a popularidade de Joe Biden despencando e a quase certa indicação de Donald Trump como candidato republicano às eleições de 2024, é preciso considerar seriamente a possibilidade de que Trump possa vir a ser o novo presidente dos Estados Unidos a partir de 2025. Além das questões de política interna, tais como imigração, aborto, educação, segurança, costumes, porte de armas, nas quais democratas e republicanos têm agendas conflitantes, a política externa dos Estados Unidos poderá passar por mudanças importantes com impactos significativos no resto do mundo. Uma delas é o comércio.
Não que a política comercial de Joe Biden tenha sido muito diferente da implantada por Trump. Na verdade, a maioria das medidas protecionistas impostas por Trump não foram significativamente alteradas por Biden. Ao contrário, em muitos aspectos foram aprofundadas, nomeadamente no que diz respeito à China. Biden introduziu uma enorme política industrial, alimentada por mais de um trilhão de dólares em subsídios para veículos eléctricos, energia eólica offshore, semicondutores e similares. Biden também não mexeu um dedo para reverter o boicote americano à OMC, que a privou do seu principal mecanismo de apoio ao comércio justo que é órgão de resolução de controvérsias.
Mas até pela ampla aceitação de suas ideias sobre comércio, é provável que Trump, caso eleito, dobre suas apostas em sua agenda ultra protecionista, como recentes declarações suas e de seus principais assessores na área, Robert Lighthizer e Peter Navarro deixam a entender. A principal proposta de Trump é estabelecer uma tarifa de 10% sobre todas as importações dos Estados Unidos. Robert Lighthizer, que no primeiro governo Trump, foi o Representante de Comércio dos Estados Unidos, vai ainda mais longe. Lighthizer propõe uma tarifa universal que seria tão alta quanto necessário para eliminar o déficit comercial do país. Peter Navarro, um conselheiro de comércio na Casa Branca de Trump, apelou à reciprocidade: se algum país tiver tarifas elevadas sobre produtos americanos específicos, Trump deveria igualá-las.
O que Peter Navarro propõe é uma espécie de Lei do Talião para o comércio, olho por olho, dente por dente. Segundo sua proposta, os Estados Unidos deveriam estabelecer diferentes tarifas para diferentes produtos e diferentes países, igualando as suas tarifas de importação às cobradas por seus diferentes parceiros comerciais para as exportações americanas da mesma classe de produtos, sempre que essas tarifas estivessem prejudicando os Estados Unidos. Seria o fim não só da OMC, mas do próprio arcabouço de comércio internacional estabelecido em 1945 com a criação do GATT sob o patrocínio dos Estados Unidos, cujo princípio basilar é o de nação mais favorecida. Segundo esse princípio, qualquer tratamento mais favorável a um país deve automaticamente ser estendido a todos os demais.
Apesar das poderosas vozes em apoio a essas propostas radicais, é pouco provável que avancem, caso Trump seja eleito, mesmo porque, nos Estados Unidos, a política comercial é uma atribuição do Congresso e não do Executivo, que apenas recebe uma autorização para tratar do assunto. Na chamada Agenda 2025, que reúne as principais propostas dos republicanos para um eventual segundo governo Trump, há consenso em quase tudo, menos no comércio, em que uma ala dos republicanos se mantém fiel à tradição de apoio ao livre comércio e a ala trumpista se inclina para o protecionismo, anteriormente um apanágio dos democratas. Não seria fácil, portanto, a Trump, mesmo na sua base, levar à frente propostas extremas.
Mas, como no primeiro mandato, Trump pode lançar mão de brechas na lei que permitem ao presidente tomar medidas excepcionais sobre comércio em determinadas circunstâncias à revelia do Congresso, como foi o caso das tarifas sobre a importação de aço e alumínio, quando lançou mão da seção 232 da lei comercial americana, que permite ao presidente restringir as importações para proteger a segurança nacional. No caso das tarifas contra a China, Trump apoiou-se na seção 301, da mesma lei, que permite a um presidente impor tarifas contra um país com comportamento comercial discriminatório.
Há, contudo, uma diferença importante entre Biden e Trump. Embora ambos sejam protecionistas declarados, a guerra de Biden é contra a China e a de Trump é contra o mundo. Enquanto a ideia de Biden era reconstruir as cadeias globais de suprimento excluindo a China e incluindo os aliados dos Estados Unidos, Trump é muito mais isolacionista e não tem intenção de dividir a produção com ninguém, trazendo de volta para os Estados Unidos a produção de tudo o que conseguir
Se Trump eventualmente se eleger, em 2024, e de fato levar à frente suas ideias e de seus assessores sobre o comércio mundial, o mundo poderá voltar, em termos de comércio internacional, ao caos que se estabeleceu depois da crise de 1930, quando os Estados Unidos, com a célebre Lei Smoot-Hawley, aumentou unilateralmente os impostos de importação de mais de 10 mil produtos, provocando uma corrida protecionista em todo o mundo que contribuiu, alguns anos depois, para a eclosão da Segunda Guerra Mundial.
Trump e seus conselheiros provavelmente têm consciência dos riscos de se implantar o caos no comércio mundial, mas em seu cálculo egoísta do “America First” imaginam que poderão tirar proveito disso. Em artigo publicado no Wall Street Journal, em 28/10, Oren Cass, ao considerar os danos globais que os Estados Unidos provocariam com tais medidas, afirmou: “Os céticos alertam, com razão, que outros países podem retaliar com as suas próprias tarifas. Certamente, um mundo com tarifas mais elevadas e comércio mais baixo, mas mais equilibrado, não é de forma alguma o ideal. Reverter os danos causados pela globalização criará vencedores e perdedores, tal como fez a globalização. Mas os EUA, com o seu enorme déficit comercial e a sua base industrial cambaleante, têm muito mais a ganhar do que a perder neste processo”.
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