O movimento de massa contra o pacotaço neoliberal de mais de 600 itens do presidente Javier Milei produziu mobilização instantânea das massas em escala superior à esperada pelos sindicatos dos trabalhadores.
Essa simples constatação, com cores e desafios dramáticos para a burguesia portenha, cria fato político substantivo: as lideranças sindicais são forçadas a adotarem palavras de ordem mais proativas, para sintonizar com o clamor popular.
Se elas não corresponderem à movimentação política do operariado, em ebulição, certamente, causarão frustração nas bases e poderão, consequentemente, ser ultrapassadas.
O pacotaço revela estado de espírito de confusão das elites argentinas, ao buscarem radicalidades neoliberais que não estão sendo aceitas nos primeiros momentos do governo de previsível vida efêmera.
Essa rejeição, caso lideranças sindicais, com espírito revolucionário, a traduzem em radicalidade política, correspondente, na mesma moeda, à radicalização das medidas neoliberais, levaria ou não a Argentina à insurreição?
O país, portanto, entra em processo de rebelião, porque a resposta do presidente fascista é a de aprofundar a radicalização neoliberal, enquanto aquilo que mais apavora a população se agrava, isto é, a escalada dos preços.
A previsão do próprio governo é a de que a inflação escalará quanto mais houver resistência popular ao remédio neoliberal que não assegura o alcance proposto de diminuir os preços e melhorar a vida dos argentinos.
Seria ou não jogada estratégica da burguesia para acelerar o caos, a fim de facilitar as privatizações das empresas públicas a preço barato?
O fato é que o remédio amargo de destruir direitos sociais, cortar benefícios sociais, eliminar subsídios aos transportes e à saúde, equivalentes a arrocho salarial, enquanto sobem os preços, de forma incontrolável, joga a população na incerteza total, quanto mais desconfia que a confusão governamental decorre essencialmente de improviso, não de racionalidade.
Cenário explosivo
As lideranças dos trabalhadores, portanto, estão diante de matéria prima política explosiva: as massas tendem a ir em quantidade cada vez maior às ruas para intensificar seu protesto, o que implica defesa de programa político na mesma medida, proporcional à radicalidade governamental.
A escalada radical neoliberal está em plena ascensão, o que produz três consequências dialéticas: 1 – eleva, por necessidade objetiva, grau de organização dos trabalhadores em torno dos sindicatos; 2 – impulsiona ascensão social popular por meio de mobilização mediante palavras de ordens correspondentes à radicalização governamental e; 3 – tende a elevar hesitação do governo, que representaria seu fracasso.
Na prática, os trabalhadores estão sendo provocados a agir radicalmente diante de medidas radicais neoliberais que ameaçam sua sobrevivência como classe social.
Para onde vai classe média
O teste histórico está colocado à classe trabalhadora: terá capacidade de atrair a classe média pauperizada para o seu discurso político antineoliberal, dividindo-a, relativamente, à tendência histórica dela de engrossar o discurso da burguesia, cujos valores culturais a contaminam?
As lideranças sindicais vencerão esse teste decisivo que, historicamente, tem, diante das crises capitalistas, esvaziando as reivindicações dos trabalhadores por não contarem com apoio e aliança forte com a classe média, cooptada pela burguesia, que, agora, rouba seus direitos sociais em nome da acumulação de capital?
Diante de Inflação em alta, incontrolável, câmbio, igualmente, fora de controle, moeda nacional desmoralizada, descrença popular generalizada, popularidade em queda irreversível, em menos de um mês de governo, e sem apoio parlamentar, Javier Milei, sem controle da situação, faz ameaças que se levadas a efeito, joga democracia argentina para o espaço.
Evidencia-se o óbvio ululante: o neoliberalismo é incompatível com processo democrático.
Suas proposições são, simbolicamente, comprometidas com a morte do trabalhador, o que reclama deste, em dose reativa, proporcional, mobilização revolucionária.
A elite-liderança operária corresponderá a essa reação e a esse espírito revolucionário latente ou, mais uma vez, venderá a alma ao diabo, numa conciliação de classe que o contexto histórico rejeita?
Congresso X Forças Armadas
É quase impossível imaginar que o Congresso, no qual Javier Milei é minoritário, seja capaz de aprovar 600 providências sugeridas/impostas pelo poder executivo, que carece de apoio popular para impor os desígnios ultra neoliberais radicais.
Agora, a questão central se põe para as forças armadas argentinas: elas sairão prendendo, arrebentando e matando trabalhadores, como fizeram na época da ditadura militar, cujo desfecho foi sua completa desmoralização histórica, ou adotarão posição conciliadora?
Afinal, as medidas neoliberais comprometem a saúde econômica da população, incluindo as próprias forças armadas, ou não?
Eventual hesitação do governo Milei diante da sua própria radicalidade representará sua completa derrota, oriunda da confusão que pode levar à insurreição.
A Argentina, enfim, vive sua encruzilhada histórica, com o poder saindo dos palácios para as ruas no compasso do neoliberalismo antidemocrático.
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