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Século, XXI! | Paulo Moreira Franco

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Paulo Moreira
Paulo Moreira
Economista aposentado do BNDES

“I shall be telling this with a sigh
Somewhere ages and ages hence:
Two roads diverged in a wood, and I –
I took the one less traveled by,
And that has made all the difference.”

(Robert Frost)

Perdoe o pessimismo.

O que se segue são narrativas sobre algumas conversas, conversas que participei, conversas que meramente vi na tela. Num certo sentido, também é continuação do que escrevi semana passada (e em outros artigos). Noutro, uma dor deste momento, dor de perceber os caminhos tomados. E não falo aqueles tomados pela necessidade, pelas obrigações. Como, por exemplo, atender aos pronomes possessivos do Centrão, ou os limites austeros da reforma fiscal. Isso são compromissos, são imposições, são os fados. São melhores do que nada, pois a esperança já foi encontrada por alguém.

Não falo disso. Falo das utopias. Ao Paulo Coelho do marxismo, como bem o define meu querido Elias, agradeço ter desnudado o conceito de utopia. Harvey, num evento do PSOL no Cinema Odeon, observou quão limitadora e irreal é a ideia de que se chega a um lugar de perfeição. Não existe utopia. Existe a sequência do tempo, existem trajetórias, existem progressos e decadências. Existe a estagnação, existem os raros pontos em que o aleatório nos faz pensar que a entropia é ao contrário.

Elias. Meio dia na frente, o viajante estudioso a serviço agora da burocracia sob o Céu, da ordem que ora começa quando a nova Nova Ordem Mundial atola. Meio dia: os horizontes em oposição. Se no Conexão Xangai os que cá estão se esbaldam em loas sobre o caminho tomado este ano, em Elias está claro que o desenvolvimento está num caminho distante daquele que tomamos.

Desenvolvimento… Lembro de um quebra-pau, um daqueles divertidos eventos que não assisti pessoalmente, mas remontei em cima das narrativas de diferentes pessoas presentes (outro hilário foi um soco na mesa, já avançado no governo golpista, época de ilusões e medos). Grupo discutindo alguma coisa de política regional, alguém comete o ato de ignorância de propor uma formulação de texto que consistia em igualar desenvolvimento a crescimento econômico… e isso diante de Helena Lastres! Helena perdeu a sua notável compostura diplomática, e saiu descendo o lenho. Um dos pontos positivos dessa confusão foi uma formulação do William Saab, uma formulação mais sofisticada do que possa parecer (pois ela parece mais ESG-Praia Vermelha do que ESG-BlackRock): “Desenvolvimento é a ampliação do Poder Nacional pela transformação da estrutura produtiva”. Nacional. Se você é libertário, internacionalista, entreguista ou no fundo do seu coração um futuro morador de uma latitude bem acima do Essequibo, essa definição não faz muito sentido.

Mas ela faz.

Numa dessas conversas de mensagens trocadas em grupo esta semana, num grupo de gente bastante nacionalista, subo nas tamancas por conta de uma crítica à ministra Marina em sua proposição de limitar nossa exploração de petróleo (um raro caso em que concordo totalmente com ela – mas não só pelos argumentos dela). Alertei que não só Marina: Carlos Lessa, num daqueles momentos de genialidade que infelizmente foram raros quando teve que lidar com o burocrático afazer de tocar uma instituição com milhares de pessoas e bilhões de orçamento, criticava a exploração do pré-sal para exportação. Segundo ele, deveríamos explorar segundo nossas necessidades. Que a maldição de fornecer petróleo ao mundo – com divisas fáceis bloqueando o desenvolvimento – caia sobre a OPEP, não sobre nós. O lendário economista Lessa não caía na fantasia mercantilista que nos faz, hoje, ser um dos lugares onde a China desova esse futuro default americano chamado dólar. Isso vale para petróleo, isso vale para a Vale, isso vale para toda a nossa pujança na Seção B do CNAE, a indústria extrativa.

Alguém realmente acha que Maricá é a nossa Xangai? Porque (chupa Paes!) Maricá passou São Paulo e é hoje a maior “cidade industrial” do país. Ou que Parauapebas é maior que Manaus, aquele lugar “artificial” onde cada motocicleta e televisão montada no Brasil é montada lá?

Assim como o Agro (a Seção A do CNAE), as indústrias da Seção B são mais geografia do que trabalho. Requer muita ginástica verbal de spillover para justificar que isso é desenvolvimento de fato. Mas em que uma gota de petróleo extremo, extraída com toda tecnologia e custo afundado do mundo, difere da que começou a era do petróleo na Pensilvânia? Ainda havia escravos nos EUA…

Nada mais gritante nessa fixação “extrativista” que a devoção pelo hidrogênio verde como grande salto tecnológico que poderemos liderar. Como se a China, por exemplo, não estivesse já com perspectivas de sobreinvestimento também nesse campo, sem que sequer a demanda ainda exista. Será que avançar em células de combustível usando etanol não faria mais sentido? Talvez do ponto de vista da mobilidade nacional fizesse. As políticas direcionadas a setor automotivo estão levando isso em consideração? Retomando ao caso chinês, a China investe nisso como a aposta no futuro, ou como mais um caso de opcionalidade de uma nação continental que não tem medo de investir em tudo? Logo alguém tão preocupado com o elemento logo abaixo do hidrogênio na tabela periódica, a grande disputa geopolítica que acontece ao nosso lado. Enquanto o Toyota Mirai não decolaMusk visita Xi na California, e mesmo os alemães se rendem ao padrão de recarga da Tesla.

Outro feito destacado pelo Uallace, que sistematicamente elogiou o Grande Timoneiro Vice-Presidente durante o Conexão, foram os investimentos na indústria de chips. O que me lembra outra história que vivi no Banco, num dos eventos criados por Helena Lastres, uma visita do pessoal dessa quinta maior “cidade industrial” do país. Indo ao ponto, enquanto o Banco alardeava 25 milhões de investimento em inovação para alguma coisa que não me lembro, os tecnocratas da Zona Franca tinham claro que participar do desenvolvimento da geração seguinte de TVs custaria 10 bilhões. Coisa que, no caso deles, certamente funcionaria, pois eles já montam/produzem nesse setor.

Não é o caso quando se começa do zero. Pode funcionar como o setor de geradores de eólica do Nordeste (em que pese que ele não se viabilizou para exportação), pode ser uma catástrofe, como está sendo o reshoring na marra da TSMC nos EUA. A fábrica está atrasada, há um conflito entre as culturas fabris americana e asiática.

O que me puxa para uma outra conversa, uma conversa pessoal com uma ativista de esquerda, uma militante bastante antenada, nacionalista, sem os vícios de lacração observados na crítica do Elias à nossa esquerda contemporânea. Não obstante, desenvolvimento econômico não é a prioridade dela. Ela tem a clareza, que falta ao discurso do Uallace, por exemplo, do quão disfuncional é a Coreia (e olha que ela nem viu Ha-Joon Chang explicando a economia política de Parasita).

Mas, ao mesmo tempo, sua construção de sociedade e de luta passa pelo utópico, pela crença que certas idealizações de democracia, igualdade e socialismo irão funcionar. Nesse sentido, é uma política que vai na contramão do realismo pregado pelo Elias quando, por exemplo, fala (ao final do Conexão) da dificuldade de se mexer no pacto federativo da China, uma China com décadas de experiência e lutas (e equívocos – que é de onde você extrai aprendizado e mudança se você realmente estiver aberta a aprender). A política se faz de projetos e limites, não de desejos. Se faz com as ferramentas e instituições em mãos – e não com o discurso. Como, por exemplo, o sucesso de Haddad em conseguir o novo arcabouço fiscal. Nesse sentido, uma instituição como o Banco ter sobrevivido às nossas diferentes crises mostra que há algo neste país que nos torna diferentes da Argentina. Mas até quando se desenvolvimento econômico não é mais o motor da história? Até quando se o centro do modelo de desenvolvimento passa pelas relações entre as pessoas e não pela produção em si?

Não contemplar a dureza que o desenvolvimento asiático impõe, e tomar o caminho euro-americano, pode parecer ser mais humano. Se olharmos as trajetórias do Ocidente, será?

XXI. No raiar de 2024, este século começa a ficar adulto de fato.

Embora com lágrimas, celebremos esse aniversário, celebremos as pequenas Vitórias.

Feliz Ano Novo!

Leia o texto original na íntegra.

Qual a sua opinião sobre isso? Comente aqui. 

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