Esta coluna tem acompanhado o esforço do Estado brasileiro para dotar a sociedade de um marco jurídico que dê conta de produzir a melhor solução possível para problemas de grande magnitude e alta complexidade, como os efeitos das enchentes no Rio Grande do Sul, das tragédias de Mariana e Brumadinho, do afundamento de bairro em Maceió, a concessão de ordens judiciais para a aquisição de medicamentos para doenças raras pelo Sistema Único de Saúde.
Primórdios
O Executivo, reconheça-se, deu o primeiro passo já em 2009, com a instituição pelo ministro da Justiça Tarso Genro de uma comissão de juristas que elaborou anteprojeto de lei para disciplinar a ação civil pública para a tutela de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos (PL 5.139/2009),
Paralisação e nova iniciativa
Depois de sofrer por dois arquivamentos (ao final da 54ª e 55ª legislaturas), e consequentes desarquivamentos, ser debatido em nutrida audiência pública e ter tido dois experientes relatores — deputado Espiridão Amin (PP-SC) e Enio Verri (PT-PR) —, o projeto está paralisado na Comissão de Finanças e Tributação desde 31/1/2023. O autor do projeto, deputado Paulo Teixeira (PT-SP), não está no exercício do mandato – é ministro do Desenvolvimento Agrário – e o projeto está sem quem o defenda e o impulsione.
O Supremo e o processo estrutural
Enquanto o marco legal não vem, o Supremo Tribunal Federal avança na conformação de uma jurisprudência do processo estrutural brasileiro.
O espaço exíguo da coluna permite um único exemplo. Na Reclamação 70.667 MC/RS, o ministro relator Gilmar Mendes concedeu liminar para afastar a liminar de reintegração de posse de um prédio de hotel abandonado há dez anos, no centro de Porto Alegre, que fora ocupado por famílias atingidas pelas enchentes.
A pertinência da decisão com o processo estrutural fica claro ao expressamente tutelar a continuidade dos entendimentos de natureza estrutural entre o governo federal, estadual, municipal, movimentos sociais, que foram interrompidos pela liminar do juiz de primeiro grau e pelo tribunal gaúcho:
“Sem prejuízo de melhor análise por ocasião do julgamento de mérito, a mim me parece que esse fato, por si só, já é suficiente para justificar a aplicação das medidas protetivas previstas nas liminares deferidas no âmbito da ADPF 828, as quais, como já demonstrado, também tiveram o condão de amenizar os impactos decorrentes de um cenário de calamidade pública.
Além disso, extrai-se dos autos que têm sido realizadas reuniões entre os ocupantes do Hotel Arvoredo, o Ministério da Reconstrução, a Caixa Econômica Federal e o proprietário do referido imóvel, com o intuito de regularizar a situação. Verifica-se, inclusive, que a União manifestou interesse na aquisição do imóvel e que o representante do Grupo Empresarial se mostrou aberto não só a essa negociação, como a inclusão no programa de outros 3 (três) imóveis do Grupo. Pelo que consta dos autos, as tratativas ainda se encontram em andamento.”
O Supremo vem colocando um selo, em amarelo, em litígios estruturais e reuniu artigos para edição de artigos para a revista do STF (Suprema) , assim definindo o escopo dos estudos:
“Os chamados litígios estruturais são demandas que decorrem do modo de operação de estruturas sociais que sistematicamente resultam na violação de direitos. Apesar de não ter origem teórica e conceitual no Brasil, este tipo processual tem sido cada vez mais recorrente. Processos e ações estruturais buscam vincular Poderes do Estado, agentes políticos e atores sociais ao propósito de transformar as realidades sociais que dão causa a esses desrespeitos a direitos e garantias.
Esses litígios chegam ao Poder Judiciário sob diferentes formas e técnicas processuais, e os compromissos constitucionais envolvidos exigem a cooperação entre os três Poderes, agentes políticos, organizações sociais e os próprios grupos vulneráveis atingidos. O reconhecimento e a implementação dos processos estruturais ainda têm muito a avançar e, por este motivo, o tema merece destaque na discussão jurídica atual.”
No processo estrutural a política e o Direito se encontram em busca da conjunção harmoniosa que permita, nos limites do possível — vale dizer, nos marcos do ordenamento jurídico do sistema econômico desigual e injusto —, a melhor solução (mais efetiva e mais rápida) para problemas sociais difíceis e complexos.
[1] Situações como essa são mais que comuns no Parlamento. São, por assim dizer, a regra. A esse respeito recomendo a leitura do excelente artigo da nossa colega de coluna Roberta Simões Nascimento, “Por um pouco de realismo nos estudos sobre processo legislativo”
PUBLICADO ORIGINALMENTE NO CONJUR