Em um instigante artigo no livro ‘As instituições brasileiras na Era Vargas’ (1999), organizado por Maria Celina D’Araujo e editado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o professor José Murilo de Carvalho analisou a relação entre Vargas e os militares. Farei alguns breves comentários sobre o artigo.
De acordo com o acadêmico, “a Era Vargas, definida de maneira ampla como o período que vai de 1930 a 1964, teve como uma de suas características a mudança radical nas relações entre Vargas e as Forças Armadas”. Carvalho dividiu a sua análise em três fases: o namoro (1930-1937); a lua de mel (1937-1945); e o processo de divórcio (1945-1964).
Segundo o historiador e cientista político, “a organização militar, que se altera profundamente na estrutura, na ideologia e no poder político por força do próprio acordo com Vargas, mostrou-se incompatível com a orientação ideológica e política do presidente”. Incompatível com a busca pela mobilização do trabalhador urbano, “o operariado”. A morte de Vargas, em 1954, não esgotou tal conflito.
Conforme ponderou o acadêmico, “em 1964, travou-se a batalha final que deu a vitória à facção militar anti-Vargas e a seus aliados civis, abrindo-se um novo ciclo político no país”. Vargas precisou fortalecer anteriormente as Forças Armadas, em especial o Exército, para buscar enfraquecer as oligarquias estaduais da República Velha (1889-1930). Destacaram-se então os generais Góis Monteiro e Dutra, no Estado Novo (1937-1945).
Os conflitos internos existiam nas Forças Armadas: entre praças e oficiais e entre oficiais. A concepção do general Góis Monteiro, por sua vez, era de que devia-se fazer a política do Exército e não a política no Exército. O serviço militar obrigatório foi implementado. Segundo o professor, “o serviço militar obrigatório era crucial para dar ao Exército a capacidade de influenciar setores da população até então impermeáveis, como a classe média e a classe alta, e para a formação de reservas”.
Carvalho completou o seu raciocínio dizendo que foram desenvolvidos, portanto, “indivíduos não só treinados militarmente, como imbuídos de valores militares”. Indivíduos “disciplinados no corpo e na mente”, sintetizou. O “novo papel do Exército”, na visão de Góis Monteiro, demandava a aproximação com as elites civis.
A Escola Superior de Guerra (ESG) seria a última pedra dessa construção militar. Centros e núcleos preparatórios de oficiais da reserva também integraram essa estratégia. A visão estratégica de Góis Monteiro entendia que “um Exército bem-organizado é o instrumento mais poderoso de que dispõe o governo para a educação do povo”. O general se preocupava com as tendências dissolventes introduzidas pelo “imigrantismo”.
Durante a ditadura de inspiração fascista do Estado Novo, de acordo com Carvalho, a política foi “consistente com essas orientações”. O fortalecimento das Forças Armadas e o desenvolvimento econômico estiveram nas bases do regime, que contou com apoio militar. Após setenta anos de sua morte, Getúlio Dornelles Vargas (1882-1954) continua dividindo opiniões.