O espetáculo da valorização da bolsa de valores(B3) nesses dias, que deixa eufóricos os especuladores em ações, levando-os a abandonarem, relativamente, a renda fixa, deverá continuar mais intenso depois da declaração de hoje do presidente do Banco Central dos Estados Unidos, Jerome Powell, de que chegou a hora de reduzir a taxa de juro americana.
Bom para o Brasil?
Depende.
Por um lado, os aplicadores na bolsa americana retiram sua poupança de lá, com o juro cadente, para aplicar aqui, ganhando mais no juro Selic mais alto do mundo, na casa dos 10,5%.
Depois do discurso da candidata do Partido Democrata, Kamala Harris, prometendo crescimento econômico mais pujante nos Estados Unidos, parece que a propensão do FED é soltar, em termos relativos, o freio do controle da inflação, que ele combate, sempre, com juro alto.
Mexida na política monetária do império afeta, inapelavelmente, a periferia capitalista.
Essa estratégia da política monetária imperialista tem por objetivo elevar a competitividade dos Estados Unidos com a China, que, com seus bancos públicos, capazes de trabalhar com juro baixo, negativo, na disputa do comércio internacional, já é a maior economia do mundo pelo critério de paridade de poder de compra.
Os americanos, diante desse concorrente mais forte, ficam entre baixar os juros, para ter custo mais baixo, ou taxar brutalmente importações, o que afetará não apenas produtos chineses, mas, igualmente, produtos brasileiros e de todo o mundo, na economia globalizada.
Seria ou não tranco na globalização?
Independentemente de quem vença eleição nos EUA, Trump ou Biden, o império em declínio tenta manter sua hegemonia diante da concorrência internacional, capitaneada, principalmente, pela China, que puxa, em aliança com Rússia, os BRICS, cujo PIB já supera o G20.
OUTRO LADO DA MOEDA
Por outro lado, o Brasil, trabalhando com o juro extorsivo do Banco Central Independente, conduzido pelo bolsonarista Campos Neto, poderá enfrentar consequências negativas desestabilizadoras.
O real, frente ao juro americano mais baixo, vai se apreciar frente ao dólar, elevar importações, barrar exportações, forçar déficit em contas correntes no balanço de pagamento e inviabilizar industrialização.
Quem vai investir no parque produtivo, se a indústria perde competitividade com importações baratas, estimuladas pelo real supervalorizado pelo juro alto?
A inflação cairá, como no tempo do Plano Real, mas a dívida pública crescerá incontrolavelmente com atração de dólares convertidos em real.
Para enxugar excesso de liquidez monetária proporcionada pela conversão, o BC será forçado a sustentar juro ainda mais alto.
Diante de previsível desastre cambial, como aconteceu na Era FHC, que sobrevalorizou a moeda nacional para combater hiperinflação herdada da ditadura militar, o Banco Central reduzirá ou não mais fortemente a taxa Selic, de modo a evitar estouro da dívida pública, ou melhor, a hiperinflação que crescerá, de forma oculta, incontrolavelmente, na barriga dela?
A sobrevalorização do real, que ocorreria, inevitavelmente, se o juro real brasileiro continuar na casa dos quase 7% diante de inflação de 4,5%, produziria o que o economista Bresser Pereira denomina de doença holandesa, isto é, apreciação do real, a forçar acelerada desindustrialização e eternização do perfil colonial da economia nacional de ser apenas exportador de commodities.
A recomendação de Bresser, na quarta-feira, na TV 247, no momento em que acaba de lançar o livro “Novo Desenvolvimentismo”, é a de que será indispensável reduzir forte a taxa de juro, balizando-a com a taxa de juro externa + a taxa de Risco Brasil, como alternativa para dispor de câmbio competitivo, capaz de acelerar industrialização e fugir da doença holandesa.
DOENÇA HOLANDESA FINANCEIRIZADA
No contexto da financeirização econômica bombeada pela taxa de juro excessivamente alta sustentada pelo Banco Central Independente, o fenômeno da doença holandesa poderia acontecer, no cenário da desindustrialização vigente, em termos meramente financeiros.
Antes, como aconteceu nos anos 1990 e no início dos anos 2000, a doença holandesa ocorreu devido à valorização das commodities, que apreciou a moeda nacional, forçando déficits em contas correntes do balanço de pagamento, cujas consequências foram aumento de importações e queda dos investimentos, que paralisaram industrialização, e interrupção de oferta de empregos de qualidade com maior valor agregado.
Agora, segundo Bresser, em que que os preços das commodities estão ciclicamente baixos, afastando perigo de doença holandesa, forçada pela apreciação do real mediante renda das exportações, tal enfermidade ocorreria pelo aumento da entrada de dólares advindos, tão somente, pela atratividade do juro alto, diante do juro baixo americano, prometido pelo presidente do FED, Jerome Powell.
Tal movimento já começa a jogar o dólar para baixo, iniciando a apreciação do real, que sinaliza, se tal situação se aprofundar, déficit em contas correntes.
Historicamente, o Brasil, rendido à ortodoxia neoliberal, combate déficit em contas correntes tomando dólares emprestados no exterior ou estimulando investimento direto estrangeiro, o que, diz Bresser, é um equívoco, como aconteceu na Era FHC.
Afinal, se tivesse, agora, de financiar contas externas por conta da doença holandesa financeirizada, o BC, mais uma vez, teria que praticar juros altos para atrair poupança externa, levando a economia ao círculo vicioso do endividamento.
A China, ao contrário, lembra o ex-ministro da Fazenda, no Governo Sarney, estimula investimentos direto estrangeiro, desde que traga inovação tecnológica para ampliar exportações chinesas.
Desse modo, os chineses atraem poupança externa não para financiar o déficit, mas aumentar reservas, fortalecendo a economia chinesa.
Hipoteticamente, mantido juro alto, enquanto cai o juro nos Estados Unidos, o Brasil passaria a acumular déficits externos, levando à sangria das reservas nacionais enquanto continuasse a doença holandesa financeirizada.
Eis o debate que o previsível futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, terá que fazer para contribuir com a estratégia desenvolvimentista do presidente Lula.