O que é um legado? O que significa sociologicamente um legado ao povo de uma nação? O que são transformações sociais perenes que, culturalmente, fixam direitos na conduta social, e fazem os indivíduos saberem, quase como um instinto nato, que esta ou aquela medida governamental fere direitos do cidadão, da sociedade, do emprego, da segurança social, do desenvolvimento e da justiça?
São as normas e conquistas sociais que o maior estadista brasileiro deixou cravado, na obtenção de direitos fundamentais, humanos, coletivos, sindicais e de nacional desenvolvimento, ao povo e ao país.
Getúlio Dornelles Vargas, a maior herança de transformações sociais que o Brasil, até hoje, recebeu com seu legado. Legou a sua vida, seus dias ao Brasil e mostrou, com a própria morte, seu inegável amor pelos trabalhadores brasileiros.
Há 70 anos, no dia 24 de agosto de 1954, ele preferiu a morte do que claudicar diante da opressão dos setores reacionários, que queriam fazê-lo desistir da luta imperiosa de transformar o Brasil e seu povo na nação independente, soberana, altiva e, principalmente, dona de seu destino e de sua economia.
Seguir seu legado é seguir sua luta, suas realizações, trazê-las ao presente, estudá-las e implantar novamente seu ensinamento: o nacional desenvolvimentismo.
E não foram poucas suas realizações, foram muitas, e estas, certamente, compõem seu legado.
Setenta anos depois, ainda vivemos de um resultado imperialista, contra o qual ele tanto lutou e morreu, cada vez mais submetendo-nos ao cerco do rentismo, do desemprego, da dessindicalização, do endividamento público, da falta de nacionalidade, das privatizações de empresas públicas e permitindo aos grandes oligopólios a desnacionalização de nossa economia.
E, ainda, há os críticos do “esquerdismo barato”, que o chamam de ditador, fascista, unindo-se estas críticas ao que há de pior na direita brasileira.
O Brasil, em 1930, era governado pela elite econômica de Minas Gerais e São Paulo, a política do café com leite.
Getúlio a venceu. “Fiz-me chefe de uma revolução e venci” (Carta Testamento). E mudou o Brasil, com força, sim, mas a favor dos trabalhadores brasileiros e do desenvolvimento nacional, da industrialização e da proteção e crescimento de nossa soberania. Econômica, política, social e eminentemente nacional.
Senão vejamos, e conscientizemo-nos do que é um LEGADO:
Getúlio Vargas, o maior presidente e Estadista da história do Brasil, realizou drásticas mudanças na Economia Brasileira, antes dominada pelas oligarquias paulistas e mineiras na reconhecida “Política do Café com Leite”, que inibiam o desenvolvimento nacional e eram submissos às companhias estrangeiras que residiam no Brasil.
Em seu primeiro governo, que perdurou de 1930 até 1945, Getúlio primeiramente realizou a Auditoria da Dívida Externa, reduzindo mais da metade de nossa dívida externa, economizando muitos recursos ao longo dos anos que culminariam na criação e Desenvolvimento de muitos projetos sociais e econômicos em seu governo, dentre elas:
-1930: Criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio;
-1930: Criação do Ministério da Educação;
-1931: Criação do Departamento de Correios e Telégrafos (atual Correios);
-1932: Instituiu a Carteira de Trabalho;
-1933: Instituiu o Código Eleitoral, voto secreto, voto feminino e a justiça eleitoral: as bases para a Democracia brasileira;
-1933: Criação do Instituto do Açúcar e Álcool;
-1934: Nacionalização dos Recursos hídricos e jazidas minerais brasileiras;
-1936: Criação do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), um dos mais importantes órgãos do Estado para mapear a população em censos demográficos;
-1936: Sanciona a lei que subordina as polícias militares ao Exército;( importante, na época, para combater alguma contrarrevolução das oligarquias regionais, como 1932, M.A.S.);
-1937: Criação da IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), para preservar e divulgar o patrimônio material e imaterial brasileiro;
-1937: a Capoeira passa a ser reconhecida como esporte nacional;
-1938: Criação do Conselho Nacional do Petróleo;
-1938: Criação da CNI (Conselho Nacional da Indústria) para alavancar ainda mais nossa Industrialização;
-1938: criação do DASP – Departamento de Administração e Serviço Público, visando moralizar o acesso e profissionalizar a administração pública no Brasil, criando um corpo técnico, tentando impedir o apadrinhamento, típico da república oligárquica;
-1939: Criação da IRB Brasil RE para impedir que empresas brasileiras fossem transferidas para o exterior;
Em suma, nos anos 30, Vargas retira da marginalidade e promove as manifestações culturais de nosso povo- do desfile das Escolas de Samba ao Samba nas rádios como a verdadeira Música Popular Brasileira, no projeto de construção da identidade e consciência nacionais;
-1941: Criação do Ministério da Aeronáutica;
-1941: Criação da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional), a base para nossa Indústria Nacional de Aço. É ainda uma das maiores Siderúrgicas do mundo, mesmo após sua privatização, ocorrida em 1993;
-1942: Criação da Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), atual Vale, privatizada em 1997. Uma das maiores mineradoras do mundo, e detinha, antes de seu leilão, mais de 7.000 concessões minerais;
-1942: Criação do SENAI (Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial) para qualificar operários nas Indústrias. Apontada em 2014 pela ONU como uma das principais instituições educacionais do Hemisfério Sul;
-1942: Criação da Fábrica Nacional de Motores, a FNM (ou Fenemê), dando destaque na construção de uma Indústria Nacional de Caminhões e dentre outros veículos. (base de uma verdadeira indústria nacional automobilística, descartada por JK e privatizada por Castelo Branco, M.A.S.);
-1943: Criação da FEB (Força Expedicionária Brasileira) para enviar aproximadamente 20 mil soldados expedicionários à Itália para lutarem contra o regime nazista alemão e fascista italiano;
-1943: Criação da Companhia Nacional de Álcalis (base para a Indústria química brasileira);
-1943: Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), ou seja, jornada de trabalho de oito horas, direito à pensão e à aposentadoria; lei de férias; regulação do trabalho da mulher e do menor de idade e etc;
-1945: Criação da Chesf no Nordeste, para produzir energia hidrelétrica na região nordestina;
(os institutos criaram uma burocracia de técnicos, capazes de formular políticas em suas áreas. Por exemplo: Miguel Arraes, funcionário do IAA, era um grande estudioso das questões ligadas à economia do açúcar, M.A.S.).
De 1930 até 1945, cerca de 15 anos, o crescimento médio do PIB brasileiro foi de 4,0% ao ano; o pico foi registrado em 1936: 12,1%! Em 1943, com a CLT, cresceu incríveis 8,5%!
Neste mesmo período, nossa Indústria cresceu em média 6,3% ao ano; a Agricultura um pouco menor, porém considerável: 2,2% a.a.
O Investimento em proporção do PIB passou de 6,6% em 1932 para 13,8% em 1940, diferença de oito anos.
Enquanto se viu a queda da exportação do café e do açúcar na época, elevou-se a exportação de produtos manufaturados, mesmo que em menor escala do que nos anos posteriores (principalmente na Ditadura Militar de 1964-1985).
Durante a Segunda Guerra Mundial, Getúlio Vargas deu um olhar mais atento à Amazônia brasileira, nacionalizando diversas companhias estrangeiras de eletricidade, navegação marítima, telegráfica, saneamento, bancos e até firmas de látex na região. Nacionalizou também as ferrovias brasileiras, divididas entre empresários ingleses e estadunidenses.
Pode-se observar que o Brasil crescera e expandira enormemente sua economia nesse período de 15 anos, de 1930, um ano posterior à grande depressão de 1929; até 1945, mais ou menos um mês depois do fim da Segunda Guerra Mundial, com a derrota das potências do Eixo (Alemanha Nazista, Itália e Império Japonês).
No final de outubro de 1945, Getúlio renuncia à presidência pela pressão de generais do exército; volta em cena na presidência em 1951, com a vitória nas urnas em 1950.
Desta vez (1951-1954), eleito democraticamente e com um menor tempo de mandato presidencial, Getúlio Vargas irá trabalhar na:
-1952: Criação do BNDE (atual BNDES), visando o desenvolvimento econômico e social em projetos de longo prazo;
-1952: Criação do Banco do Nordeste, facilitando o acesso ao crédito para nordestinos;
-1953: Criação da Petrobrás, a mais importante invenção de Getúlio Vargas, possuindo o monopólio da extração, refino e transporte marítimo/terrestre do petróleo brasileiro, sem interferência estrangeira;
-1953: Criação da SPVEA;
-1953: Criação do Ministério da Saúde;
-1954: Início da operação da Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso, no Nordeste, operada pela Chesf;
Em um período curtíssimo, de 1951 até 1954, a economia brasileira (PIB) cresce em média 6,7% ao ano; mais do que em 1930-1945 (4,0% a.a). O pico se observou em 1954: 7,8%;
A Indústria de Transformação cresce incríveis 8,4% de 1950 para 1954;
Indústria de Construção cresce em média 9% ao ano no período;
A Taxa de Investimento em proporção/PIB se eleva de 12,8% em 1950 para 15,8% em 1954;
A Indústria em proporção/PIB passa de 19,3% (1950) para 20,8% em 1954, com a Agricultura mantendo-se relativamente estável (em torno de 25% do PIB na época);
Pela enorme pressão sindical da classe operária brasileira, o Salário-mínimo passa (na época era o Cruzeiro, estou convertendo para o Real) de R$ 325 em 1950 para R$ 1.109 em 1954; aumento de 100%, como foi proposto por João Goulart, o “Jango”, para evitar o crescimento da inflação da época, que tinha diversas causas estruturais. (Vale lembrar que, após o Manifesto dos Generais, Vargas demite João Goulart do Ministério do Trabalho, mas mantém o aumento de 100%, M.A.S.).
Infelizmente, observa-se mais no final do 2° governo Vargas a enorme pressão da UDN de Carlos Lacerda (testa de ferro dos EUA) e também dos militares, além de profissionais liberais, um descontentamento com Getúlio Vargas, nacionalista, sempre em defesa da classe trabalhadora contra a agiotagem financeira internacional e lesa-pátria entreguista; no dia 24 de Agosto de 1954, Getúlio escreve sua carta-testamento, denunciando a pressão interna e também externa da UDN e dos EUA contra o mesmo; além de deixar bem claro que sempre batalhou pela causa da classe trabalhadora, evitando que esta fosse explorada por banqueiros brasileiros ou até mesmo estrangeiros. Ao final da carta, Getúlio comete suicídio com um tiro no coração em seu quarto, no palácio do catete, no Rio de Janeiro, capital federal do Brasil à época, evitando um iminente golpe militar, que já estava em andamento bem antes do suicídio de Vargas, e também uma guerra civil no país.
O suicídio do presidente gaúcho causou uma onda de lágrimas e tristezas pela nação; Getúlio sairá da vida para entrar na história, como relatara ao final da sua carta-testamento. Milhares de pessoas acompanharam o funeral de Getúlio Vargas, e toda essa onda de comoção nacional se tornara em ódio: getulistas atacaram a Tribuna da Imprensa, jornal de Carlos Lacerda, que se exilou do Brasil junto com outros camaradas; e depredaram a Embaixada Americana no país.
A história nos mostra que, apesar das várias críticas atuais que fazem sobre Getúlio Vargas, mais observado por professores, pela mídia, por liberais testas de ferro do Sistema Financeiro Internacional, Getúlio criara na época um próspero país com uma pujante economia; criara e modernizara a Indústria nacional, seja de Mineração, Petróleo, Química, Cerâmica etc; lutara pelos trabalhadores do início ao fim, garantindo diversas leis trabalhistas que antes não existiam; uma nação onde a maioria da população era analfabeta, ainda assim amava Getúlio, como ficara muito reconhecido nos anos posteriores, até nas manifestações da cultura popular.
Getúlio deixa um legado, e é este legado que devemos preservar e lutar por melhores condições de vida hoje, século XXI, no Brasil.
Getúlio Vargas é o Fundador do Brasil Moderno, Construtor da Identidade, Consciência e Unidade Nacionais.
Temos hoje, nesta data, neste dia pela frente, uma profunda reflexão sobre o Brasil que queremos, que desejamos para nossos filhos e semelhantes, no dia da imolação do maior líder brasileiro, a certeza de que entendemos o legado, de entendermos o Brasil que ele imaginou e deixou para nós.
Diante do gigantismo do legado, temos a certeza de que aprendemos, que a integração social e a consciência nacional, não se dão com privatização e individualismos, como nos ensina Paulo Freire; não se dão com aqueles oprimidos que se tornam opressores. Se dão quando a conscientização de nação seja coletiva e as empresas nacionais não sejam privatizadas e deixem de servir ao povo brasileiro.
Getulio Vargas, PRESENTE!
*Publicado originalmente na Revista Fórum