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VARGAS

Armando Brasil

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Se passaram sete décadas da morte de nosso maior líder político: Getúlio Vargas. Vamos recorrer a filosofia política e a história para falar dele.

Vamos iniciar lembrando que os homens têm dois atributos, que lhes são exclusivos e que os leva a serem diferentes de toda a natureza: a razão e a vontade.  A filosofia com o iluminismo, movimento atuante na Europa no final do século XVIII e início do século XIX, levou, no campo político, a queda do absolutismo, do direito divino dos reis, produzindo as quatro correntes que, até hoje, conduzem a política, duas delas onde predomina a razão: o liberalismo e o positivismo e duas delas onde prevalece à vontade: o marxismo e o modernismo reacionário.

A razão criou o liberalismo, na primeira metade do século XIX e o fez para combater os excessos praticados pela Revolução Francesa.  Ainda pela razão, pouco tempo depois, outra corrente política se formou, o positivismo. Na segunda metade do século XIX, agora pela vontade, duas outras correntes políticas foram gestadas, o marxismo e o modernismos reacionário.

Este preâmbulo foi feito porque Vargas foi um positivista. Os livros de Saint Simon e de Comte que mobiliavam a sua biblioteca atestam isso.

O positivismo, em síntese, foi um movimento político que tinha como princípios defende a ordem, para a construção da vida em sociedade, o progresso, como o realizador do desenvolvimento social e o amor, como o esteio de uma estrutura social. Os positivistas propõem, para que isso aconteça, que a sociedade venha a ser governada pelos mais capazes, aqueles dotados de maior conhecimento, como os cientistas, os empresários e os engenheiros, pois dizem que são esses que querem o progresso e o desenvolvimento da sociedade, são esses que zelam para que as riquezas se acumulem na sociedade, em que elas foram construídas. São esses que enfatizam a ação estatal na economia, na impossibilidade, ou na inconveniência, da atuação do setor privado. Daí porque a simpatia que os positivistas veem o nacionalismo econômico, a doutrina difundida na economia por Alexander Hamilton nos EUA e por Friedrich List na Alemanha.

O positivismo se difundiu no Brasil, na partir de 1870, desde o início contestando o liberalismo, que era dominante na política do Império, e foi basilar na promoção de dois movimentos políticos que a ele se opunham, no seu final: o abolicionista e o republicano. O principal difusor do positivismo no Brasil foi a oficialidade do Exército, vinda da Guerra do Paraguai. Com a Proclamação da República, através deles o positivismo assumiu o poder no Brasil. Contudo, sua dominância foi efêmera. Durou dois breves governos, os dos marechais Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto. Com a perda de prestígio do Exército, resultado, também, do episódio de Canudos, em 1896, o liberalismo retomou à condução da política no Brasil, resultando, então, na chamada política do café com leite, um acordo de partilha do poder, entre as oligarquias de São Paulo e Minas Gerais. Este acordo perdurou quase todos os governos, até a Revolução de 1930. Foi esta ruptura que proporcionou o retorno do positivismo, com a subida de Vargas ao poder.

Um desses governos foi de um militar, o Marechal Hermes da Fonseca, também um positivista. Sua passagem pelo governo ocasionou a quebra provisória do acordo das oligarquias e produziu uma profunda crise político-militar, que ocupou os anos vinte do século passado, conduzindo no seu final à Revolução de 1930 e com ela a ascensão de Vargas ao poder.

Contribuiu, expressivamente, para esse desenlace, a brutal crise econômica causada pelo crash da Bolsa de Nova Iorque. Para o nosso país, que vivia da exportação de bens primários, em especial do café, uma especiaria pós sobremesa, a crise foi avassaladora. Levou de roldão o liberalismo, seja aquele político das oligarquias, seja aquele econômico das elites, principalmente, das elites cafeeiras paulistas. Abriu espaço para a vinda e venda das outras correntes políticas, o marxismo e o modernismo reacionário, mas, principalmente, trouxe de volta o positivismo e com ele Vargas.

A imposição do positivismo não foi uma tarefa fácil para Vargas. Só foi possível pelo apoio que teve do Exército. Foi militarmente contestado pelo liberalismo, em 1932, pela Revolução Paulista, pelo marxismo em 1935, pela Intentona Comunista e em 1938, pelo modernismo reacionário, pela Revolta Integralista.

O Projeto Nacional, de Vargas, se impôs por cinquenta anos, nas suas grandes linhas: com Vargas entre 1930 e 1954, sem Vargas de 1954 a 1964 e se fazendo contra Vargas de 1964 a 1980. E quais seriam essas grandes linhas e quais as suas razões?

A primeira seria a industrialização. O Brasil era um país rural. Naquele momento, 1930, uma fazenda decadente de café. A indústria é o motor do desenvolvimento, pois as inovações acontecem muito mais rapidamente na indústria do que nos setores primários: agricultura e mineração. E as inovações são a mola do lucro, da acumulação. As empresas inovam para fugirem à competição e assim serem monopolistas do processo de fabricação, ou do produto. Dessa forma podem praticar preços que não se referenciam aos seus custos de produção.

A segunda seria a urbanização. Esta já seria um corolário natural a industrialização. Não se constroem fábricas no campo. Mas, também, se o objetivo era de implementar políticas sociais, essas se fazem muito menos custosas nas cidades, do que ter de fazê-las na área rural.

A terceira seria a integração do território nacional. O Brasil era, em 1930, um território fragmentado e desarticulado, pouco conhecido e praticamente desprovido de vias terrestres de comunicação. A construção do país requeria dotá-lo de uma infraestrutura, que o integrasse, e que viesse a promover o seu acesso as fontes de energia.

E por último, a quarta, uma importantíssima linha, aquela que respaldava as três anteriores, a determinação que caso o setor privado não fosse capaz de colocar as três linhas anteriores em prática, o Estado Nacional o faria.

Mas, o que fez Getúlio Vargas pelo Brasil no campo econômico? Em síntese criou o Brasil moderno. Cabe, contudo, um maior detalhamento:

No seu primeiro governo, de 1930 a 1945, fez a auditoria da dívida externa e decretou uma moratória dessa dívida. Nacionalizou os recursos hídricos e as jazidas minerais. Fez as leis do salário-mínimo, da usura e da remessa de lucros. Privilegiou os capitais privados nacionais e estatais em relação aos capitais externos. Criou, em 1930, os Ministérios do Trabalho, da Indústria e Comércio e da Educação; em 1931, o Departamento de Correio e Telégrafos (DCT); em 1933, o Instituto do Açucar e do Álcool (IAA). Em 1933, criou também a Justiça Eleitoral. Criou, em 1934, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE); em 1937, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN); em 1938, o Conselho Nacional Petróleo (CNP), o Conselho Nacional da Industria (CNI), o Departamento Administrativo do Setor Público (DASP); em 1939, o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB); em 1941, o Ministério da Aeronáutica e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN); em 1942, a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e a Fábrica Nacional de Motores (FNM).

Nesse seu primeiro governo instituiu em 1932, a Carteira do Trabalho; em 1933, o Voto Secreto e o Voto Feminino; em 1936, a subordinação das Polícias Militares ao Exército; em 1943, a Consolidação das Lei do Trabalho (CLT) e a Força Expedicionária Brasileira (FEB) e em 1945, a Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF).

Foi também neste governo que ele criou o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), a Voz do Brasil, promoveu a música clássica com Villas Lobo, a música popular brasileira, deu orgulho ao povo pela sua mestiçagem, descriminalizou o samba e a capoeira dentro da valorização da cultura nacional e com Gustavo Capanema promoveu a educação.

Na economia, utilizou-se do processo de substituição de importações e fez com que a economia crescesse até a taxa de 6,3% a.a.

Já no seu segundo governo de 1951 a 1954 fez outras grandes realizações. Em 1952, criou o Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE) e o Banco do Nordeste do Brasil (BNB); em 1953, criou a Petróleos Brasileiros (PETROBRÁS) e o Ministério da Saúde; em 1954, propõe s ELETROBRÁS e inaugura a Central Hidroelétrica do São Francisco.

Mas a morte de Vargas, em agosto de 1954, não trouxe o ocaso do positivismo.  A carta testamento de Vargas e a influência das Forças Armadas na política mantiveram o positivismo ainda presente na condução dos destinos do Brasil, até 1980. Contudo, a morte de Vargas fragilizou o seu positivismo, retirando a primazia do capital estatal e privado nacional, na realização dos investimentos para o desenvolvimento do país, que passou a contar, desde então, com uma participação crescente e prioritária do capital estrangeiro, principalmente, no ramo industrial.

Todavia a maior perda do positivismo foi a sua retirada da consciência das academias militares, a partir da época da morte de Vargas. Ali, a partir de então, pouco se falava de Benjamin Constant, de Rondon e de tantos outros próceres do positivismo no meio militar, de Miguel Lemos e Teixeira Mendes, divulgando-se de forma errônea que o liberalismo se opunha ao marxismo, quando na verdade, era o modernismo reacionário o inimigo do marxismo, como a Segunda Grande Guerra havia demonstrado (nazismo x comunismo). O liberalismo se opunha ao positivismo, como a história recente do Brasil demonstrava.

Essa perda conjugada com a pressão externa e a interna da velha oligarquia paulista, que agora já não era mais agrícola cafeeira, era agora, também industrial e havia descoberto o rentismo, retirou as Forças Armadas da condução dos negócios da Nação, na chamada redemocratização, levando a que o liberalismo político e seu agregado o liberalismo econômico, derrotados por Vargas em 1932, viessem a ocupar progressiva e hoje, totalmente, os destinos do Brasil.

Os resultados da perda do positivismo e o fim da Era Vargas estão aí postos nos resultados pífios de nossa economia, nos últimos quarenta anos.

 

 

 

 

 

 

 

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